quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

A saga de uma repórter para investigar como agrotóxicos nos envenenam

 

A saga de uma repórter para investigar como agrotóxicos nos envenenam
por Thays Lavor
 

Vivemos no país que mais consome agrotóxicos no mundo, portanto precisamos monitorar e procurar saber ainda mais sobre o efeito que eles têm na população. Não é nada fácil responder a uma pergunta simples como "quais as substâncias mais recorrentes nos casos de intoxicação por agrotóxicos no país?" – e é exatamente o que temos tentado fazer há mais de um ano em uma série de quatro reportagens do projeto "Por Trás do Alimento". 
 
Em dezembro de 2019, quando eu estava fazendo uma reportagem sobre empresas que buscam flexibilizar o controle de agrotóxicos, uma preocupação era muito recorrente na fala dos pesquisadores com quem conversava: um possível retrocesso em relação à proibição do Paraquate no país, programada para entrar em vigor em 2020. Aquilo me chamou a atenção e despertou mais perguntas: Quantas pessoas já foram intoxicadas e morreram vítimas desta substância? Será que as políticas de controle reduziram os casos de intoxicação ao longo dos últimos dez anos?

O primeiro passo para buscar essas respostas era descobrir se os dados existiam, se eram abertos, quem os organiza e como obtê-los. Durante a pesquisa, encontrei algumas coberturas jornalísticas e inúmeras pesquisas científicas que me guiaram até a fonte primária dos dados: uma base de dados imensa chamada Sistema de Informações e de Agravos de Notificação (SINAN).  

Dizem que a alegria do pobre dura pouco, e é verdade. Embora o SINAN seja aberto para consulta, os dados que ele disponibiliza não eram suficientes para responder às minhas questões. Então, em fevereiro de 2020, fiz um pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI) ao Ministério da Saúde (MS) em que solicitava os dados de intoxicação por agrotóxicos e por ingrediente ativo em cada unidade da federação, de 2010 a 2019. 

Para minha surpresa, mesmo com todo o retrocesso que temos observado em relação à transparência na esfera federal, o acesso foi concedido. Em 30 de março de 2020, recebi um arquivo com mais de 124 mil registros de intoxicação, provocadas por oito tipos de agentes tóxicos. O que nos interessava eram aqueles ocasionados por agrotóxicos de uso agrícola, que correspondiam a 37% da base, ou seja, 45.779 registros.  

O trabalho e as dificuldades estavam somente começando. Para cada registro, é preenchida uma ficha de investigação composta por 71 campos, onde são coletadas informações diversificadas. Embora a ficha seja bem completa, o preenchimento manual compromete a qualidade dos dados. Muitos campos eram mal preenchidos, deixados vazios ou não seguiam um mesmo padrão. Em 6,11% dos registros, por exemplo, não foi possível identificar os nomes das substâncias pois as células continham os termos "ignorado" ou "não identificado". 

Nós só conseguimos responder à pergunta principal que norteou a série de quatro reportagens após uma colaboração com a equipe do laboratório de pesquisa em bancos de dados avançados, o Árida, ligado ao departamento de ciências da computação da Universidade Federal do Ceará. Eles criaram algoritmos de associação e similaridade que buscam os nomes das substâncias nas bases de agrotóxicos da Anvisa e do Google. Só assim foi possível identificar 80% das substâncias envolvidas no universo de mais de 40 mil registros.

Quando não era possível identificar o nome da substância, foi possível encontrar o grupo químico a que pertencem. Um exemplo disso é o Carbamato, cuja substância é o Aldicarbe, agrotóxico popularmente conhecido como Chumbinho – proibido pela Anvisa desde 2012. Conforme mostramos nas reportagens, trata-se da substância mais usada nos casos de suicídio e violência (incluindo a doméstica) nos últimos dez anos, com casos identificados até pouco tempo atrás, em 2018.

Apesar de esses dados serem alarmantes e evidenciarem os diversos desvios de uso dessas substâncias e fragilidades na fiscalização, nas políticas públicas e nas notificações, o governo federal oculta o nome das empresas que escondem casos de intoxicações dentro de suas dependências. Na extensa base de dados que conseguimos, o único dado que não foi incluído foi o nome das empresas, com o argumento de que o dado é "pessoal". É importante deixar claro que a legislação brasileira não protege a "privacidade" de pessoas jurídicas. Entramos com diversos recursos e agora cabe à Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) garantir nosso acesso a essas informações, e fazer valer a máxima: “a publicidade é a regra e o sigilo, a excessão”. 

Toda essa peripécia para achar a resposta para uma simples pergunta descortinou as problemáticas existentes no sistema de notificação, mas também nos revelou o perfil das pessoas que são expostas a essas substâncias: pretas, baixa escolaridade e moradoras de regiões de baixo desenvolvimento humano. Ou seja, o recorte populacional que, historicamente, mais sofre privações no país.  

Thays Lavor é jornalista de dados colaboradora da Agência Pública e integrante da diretoria da Abraji.

Rolou na Pública
 

6 mil reais por cilindro. Nos últimos dias, publicamos duas reportagens sobre o colapso do sistema de saúde em Manaus. No sábado, publicamos relatos de manauaras que corriam contra o tempo para conseguir oxigênio para seus familiares com Covid-19 e no processo, descobriram que do dia para a noite, o preço aumentou significativamente. A reportagem teve 10 republicações, saiu no Opera Mundi, e foi traduzida para o francês pelo site À'lecontre, da Suíça.

Tragédia anunciada. Na segunda-feira, revelamos documentos do Ministério da Saúde que apontam que, dez dias antes, a pasta já sabia do colapso iminente em Manaus e da necessidade de transferir pacientes para outros hospitais, o que só foi feito quando faltou oxigênio. A reportagem foi publicada em outros 16 sites, como Carta Capital, Sul 21 e MSN. 

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