quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

A mineração brasileira rende milhões, mas a que custo?

 


Enquanto divulgam lucros milionários, as mineradoras acumulam dívidas e desastres ambientais. Em janeiro, revelamos que apenas o valor dos calotes dados por essas empresas equivale a 50 vezes o que a Vale propôs em indenizações aos atingidos de Brumadinho.

Na newsletter de hoje, o repórter Caio de Freitas Paes, colaborador da Pública, explica como uma simples pergunta, a lei de acesso à informação e uma velha máxima do jornalismo o ajudaram a construir o ranking das mineradoras mais caloteiras do Brasil. 

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Um abraço,

Giulia Afiune
Editora de Audiências
A mineração brasileira rende milhões, mas a que custo? 
por Caio de Freitas Paes
 

Para algumas empresas, não existiu crise financeira durante o primeiro ano de pandemia no Brasil. As mineradoras estão entre estas poucas privilegiadas, com mais de R$200 milhões em lucros no ano passado, segundo informações do Instituto Brasileiro de Mineração. Empresas do setor mineral foram responsáveis por mais da metade das exportações brasileiras em 2020. Destaques? A demanda incessante por minério de ferro e a corrida internacional pelo ouro, intensificada durante a crise da Covid-19.

Lucros exorbitantes de um lado, problemas socioambientais de outro. No mesmo período, mineradoras também estiveram no centro de  graves denúncias: houve riscos de rompimento de barragens, surtos de coronavírus em minas por todo o país (inclusive na Amazônia) e até mesmo cortes do auxílio financeiro dado pelas empresas a comunidades atingidas por desastres anteriores à pandemia.

Não é segredo que a mineração entrou em 2021 fortalecida, a despeito de tantas acusações. Pautas importantes do setor seguem firmes no Congresso, por vezes escoradas nos resultados trimestrais, balancetes positivos e em seu peso no Produto Interno Bruto nacional.

Mas afinal, qual é o balanço? Sabemos o lucro, mas será possível estimar o custo da mineração ao país? Com esta dúvida em mente, lembrei de um velho chavão jornalístico – "siga o dinheiro" – e fui atrás do governo em busca de respostas.

O ministério da Economia elenca as dívidas ativas de todos os setores produtivos em atividade no país. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional centraliza estes dados e permite que qualquer pessoa acesse a lista dos atuais devedores. Mas o sistema só permite consultas pontuais a empresas e atividades específicas, o que dificulta análises panorâmicas sobre setores como um todo. Parecia um beco sem saída, se não fosse pela lei de acesso à informação.

Foi graças a esta ferramenta, gratuita e pública, que o ministério disponibilizou a íntegra das dívidas ativas de mineradoras. Só então foi possível descobrir o rombo causado por elas nas contas públicas.

Sabia desde o início que o arquivo-raiz destas dívidas precisava vir a público. Afinal, nossa análise mostrou que as mineradoras como um todo deviam mais de R$ 50 bilhões; destes, quase R$ 9 bilhões só de calotes dados por milhares de empresas. Os números provam que a mineração é marcada por falências e eternas renegociações destes débitos. 

Por razões práticas concentrei-me nos grandes calotes – de R$100 milhões ou mais – e tentei descobrir quem eram os responsáveis por eles. 

Há um ditado político que diz: “todos sabem como começa uma CPI, nunca como acaba”.  Acontece algo parecido com apurações como esta.

Você parte de um número de CNPJ ou do nome da empresa e, de repente, se depara com processos criminais escandalosos e transações milionárias envolvendo firmas abertas em paraísos fiscais. Isso sem contar as fraudes, por exemplo quando mineradoras se desfazem de seus bens para fugirem do fisco.

Estes calotes não são meras cifras. Eles deixam suas marcas em pessoas e territórios, cada qual com sua história, seus personagens e suas lutas. O rastro de lucros e dívidas deixados pela prática cotidiana da mineração é revelador.

Seguindo o dinheiro, cheguei a casos como o dos moradores do bairro Brasília, localizado na mira de três barragens em Sarzedo (MG), uma delas sob potencial risco de rompimento. Vejam: nem mesmo a tragédia em Brumadinho, a menos de 10 km dali, fez com que a empresa responsável – Itaminas, a segunda mineradora mais caloteira do Brasil – mudasse suas práticas e atendesse as reivindicações da comunidade no entorno.

No fim de novembro passado, uma das líderes comunitárias da região impactada, dona Lia Soares, que vive em Sarzedo há mais de 25 anos, me disse: “hoje, ninguém fala mais conosco, o trabalho [da Itaminas] voltou como se nada tivesse acontecido. Aqui tem muito ‘cala-boca’, gente que diz que ‘se parar [a mineração], a economia da cidade [de Sarzedo] morre’”, sacramentou.

Graças ao raio-X sobre os calotes de mineradoras, a indignação de dona Lia ganha ainda mais força. Como acreditar que não há economia possível em Sarzedo sem a mineração, se, há décadas, a mesma Itaminas deve mais de R$ 500 milhões por sonegação de impostos?

Este caso é apenas um entre muitos que revelam como há uma profusão de dívidas, fatos e histórias para além dos mitos da economia mineral.

Caio de Freitas Paes é jornalista investigativo e cobre conflitos rurais, especialmente disputas por terras e mineração.

Rolou na Pública
 

Bolsonaro recordista de impeachment. Na quarta passada, demos em primeira mão a notícia de que Jair Bolsonaro havia batido o recorde de pedidos de impeachment de um presidente brasileiro, superando Dilma Rousseff. A reportagem teve 29 republicações. Ela saiu no MSN, IG, Carta Capital, e também em sites de parceiros internacionais, como Perfil (Argentina), GK (Equador) e Polígrafo (Portugal).

Novo recorde. Uma semana depois, o presidente já bateu o próprio recorde: tem agora 70 pedidos de impeachment apresentados. Publicamos ontem uma entrevista com a epidemiologista Ethel Maciel, uma das autoras do último pedido, já publicado no site especialmente dedicado ao assunto, onde analisamos e resumimos todas as denúncias contra o presidente.

Mensagens da Vaza Jato. O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem que a defesa do ex-presidente Lula poderá acessar as mensagens de Telegram dos procuradores da Lava Jato, reveladas pela série colaborativa Vaza Jato. Foi a partir dessas mensagens que a Pública revelou que a força-tarefa fazia parcerias ilegais com o FBI e outras agências internacionais.

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