Pela primeira vez em muitos anos, as mulheres brasileiras não tomaram as ruas no dia 8 de março. Marchas, atos e encontros que lembram pautas históricas e ainda urgentes para toda a sociedade, foram substituídos por discussões online e manifestações nas redes sociais a fim de respeitar as medidas de isolamento social, a única maneira de desacelerar a pandemia de coronavírus. Ao invés de fotos de mulheres com punhos cerrados, cartazes em riste e bocas em gritos estampando sites e jornais, notas tímidas mencionando a data pareciam ainda menores ao lado de notícias que davam conta do pior momento da pandemia de coronavírus no país e do recorde de mortes. No dia 10, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa, alcançamos a terrível marca de 2.349 mortes por Covid-19 em 24 horas.
E na semana do 8 de março, para além dos disparates do presidente sobre as vacinas e sua recuada emblemática após discurso de um Lula livre, a notícia de que Bolsonaro estaria cogitando assumir o Partido da Mulher Brasileira - "Namorando" foi o termo que usou - para mudar seu nome e depois partir para as eleições de 2022, seria apenas mais uma metáfora fácil demais para as ações deste desgoverno.
No último dia 10, as pautas importantes para as mulheres também sofreram uma preocupante derrota com a escolha da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL/DF) para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Investigada pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito que apura a organização de atos antidemocráticos, a ex-procuradora é ferrenha defensora de pautas conservadoras, e tem vários projetos polêmicos, como um que pretende controlar e coagir professores em sala de aula. Kicis também é opositora das medidas de isolamento social e conhecida propagadora de fake news como a de que "vacinas contra o coronavírus podem afetar o DNA dos imunizados". Em seu discurso à frente da Comissão, ela prometeu que "as pautas conservadoras não ficarão esquecidas”. Em entrevistas anteriores à eleição, ela falou que uma das prioridades seria votar projeto de lei que pretende punir com crime de responsabilidade ministros do STF que "usurparem" competências do legislativo. Esse projeto é defendido pela bancada evangélica desde que o Supremo ampliou os casos possíveis para o aborto legal.
Neste momento, não nos faltam motivos para lutar. E todas estas pautas que estampam os jornais nos atravessam mais. Segundo levantamento da Agência Lupa, as mulheres sofreram o maior impacto com desemprego durante a pandemia da Covid-19. No terceiro trimestre de 2020, a taxa de desocupação das mulheres era de 16,8% e a dos homens era de 12,8%. As diferenças salariais também continuam a existir: enquanto os homens ganharam em média R$ 2.574 por mês no 1º trimestre de 2020, as mulheres receberam R$ 1.995. Durante a pandemia, o número de denúncias à Central de Atendimento à Mulher aumentou. Entre março e abril de 2020 foi 27% maior do que no mesmo período de 2019. Os casos de feminicídio cresceram 22,2% entre março e abril de 2020, se somadas as ocorrências em 12 estados do país, em relação a igual período de 2019. Ainda segundo o levantamento, nos meses de março e abril, o número de feminicídios subiu de 117 para 143.
Seguimos sendo um dos países que mais mata pessoas LGBT no mundo. E com uma alta taxa de morte de mulheres por abortos clandestinos. Seguimos sem delegacia da mulher em grande parte das cidades do país e sem acesso ao aborto legal garantido por lei. Seguimos sendo as principais encarregadas dos cuidados dos doentes, das crianças e dos velhos e as responsáveis financeiras por nossos lares.
E seguimos sendo pouco representadas. Segundo pesquisa da Lupa, o Brasil ocupa o penúltimo lugar entre as nações da América Latina no quesito representatividade feminina na política. Dos 513 deputados que fazem parte da Câmara, 436 são homens e 77 são mulheres. Dos 81 parlamentares que compõem o Senado, apenas 12 são mulheres. Quando olhamos para o governo Bolsonaro, entre os 23 ministros, há 2 mulheres. E quando nós levantamos nossas vozes contra as injustiças sociais ou no sentido de denunciar esquemas de corrupção, o governo Bolsonaro e seus seguidores tentam nos calar com sua máquina do ódio, como conta a repórter da Folha Patricia Campos Mello, que entrevistamos no episódio do Pauta Pública de hoje.
Nesta semana em que lembramos a luta das mulheres, apesar de não tomarmos as ruas como gostaríamos, estamos vivas, nas trincheiras e somos muitas, como dizem os cartazes que não pudemos levantar dessa vez. As mulheres lutam como se dessa luta dependessem suas vidas, como lembrou a educadora travesti Amanda Palha em um emocionante debate com a pastora Lusmarina Campos que eu mediei no último sábado no festival Publica+10. Porque de fato dependem.
Andrea Dip, editora e repórter da Agência Pública
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