segunda-feira, 26 de abril de 2021

Deu na imprensa

 

A semana começa com pressão máxima sobre o presidente Jair Bolsonaro, que enfrenta obstáculos duros para ultrapassar. Enquanto o número de mortos ultrapassou a marca de 390 mil neste final de semana – óbitos por covid este ano superam os de 2020 inteiro e o governo reduz em 31% previsão de doses de vacina para maio – Bolsonaro vira alvo da oposição e dos independentes no Congresso.

Amanhã, terça, 27, o Senado Federal instala a CPI da Pandemia, para desespero do governo. Nas manchetes dos jornais, O Globo noticia que o Planalto orienta ministérios a responder sobre 23 temas em CPI. É a "operação de guerra" desenhada pelo Planalto. Tudo para tentar neutralizar a ação de Renan Calheiros, relator da CPI, e da oposição na comissão. O tiro pode sair pela culatra. Os 23 pontos da pauta de defesa do governo vão virar munição. Na Folha, reportagem diz que CPI pode contribuir para responsabilizar Bolsonaro por falas e postura na pandemia.

O roteiro de defesa do governo foi levantado pelo jornalista Rubens Valente, do UOL, no domingo, e ganha a manchete de capa do jornal carioca. Já a Folha destaca na capa que, em muitos país, a vacinação avançada reduz mortes, mas não os novos casosEstadão e Valor vão de assunto econômico. O diário paulista reporta que o varejo aposta em aquisições bilionárias em meio à crise enquanto o jornal financeiro noticia que Empresas têm ganho elevado no 1º tri, apesar da pandemia.

No UOLReinaldo Azevedo espinafra a Procuradoria Geral da República, apontando que não está fazendo nada, enquanto Luiz Eduardo Ramos lista as 23 aberrações do governo"É uma espécie de roteiro das incompetências e iniquidades do governo. O troço, em princípio, parece servir mais à oposição do que ao Planalto", comenta o jornalista. "Se a CPI ainda não tinha elaborado seu plano de trabalho, não precisa mais se dedicar a tal esforço. O trabalho de Ramos é menos uma estratégia de defesa do que uma confissão".

Folha aponta que Bolsonaro acirrou o discurso, e senadores veem tentativa de insuflar base às vésperas de CPI da Covid/ Enquanto presidente defende Pazuello e métodos alvo da comissão, Planalto aciona ministérios para reunir informações e rebater focos de apuração

Ao passo em que se prepara para se defender no Parlamento, o Planalto também move peças no TCU, um esboço de reação para se proteger. O Globo diz que Bolsonaro quer ampliar influência no TCU para se esquivar de ações. Governo acenou com nomeação de um ministro da Corte para uma embaixada com o objetivo de tentar emplacar aliado na vaga que seria aberta; Bolsonaro receberá amanhã integrantes do tribunal para um café da manhã.

E se o governo tenta sair das cordas no Congresso, o Centrão aumenta seu preço. Valor informa que aumenta a pressão por mudanças no ministério do ex-capitão. Setores do Congresso defendem a recriação do Ministério do Planejamento e um senador no primeiro escalão: Davi Alcolumbre (DEM-AP). Guedes avisou que não aceitará que sua superpasta seja desmembrada. 

Estadão volta à velha denúncia que assombra o presidente. Jornal informa que ex-assessores de Bolsonaro, suspeitos de serem 'fantasmas', receberam R$ 165 mil. A investigação do MP sobre esquema de 'rachadinha' no Rio encontra supostos indícios da prática no gabinete do presidente, no período em que era deputado federal.

 

LAVA JATO

No GloboBela Megale escreve que Gilmar Mendes está prestes a decidir se estende parcialidade de Moro a outras acusações contra Lula. Ele vai avaliar, nos próximos dois meses, se estenderá a suspeição do ex-juiz a outros processos que miram o ex-presidente. A defesa do petista pediu ao ministro que estenda a parcialidade de Moro decretada pela Segunda Turma no caso do triplex a três processos que foram transferidos de Curitiba para a Justiça Federal de Brasília.

Em artigo no TijolaçoFernando Brito reitera questionamentos sobre a conduta de Sérgio Moro, considerado suspeito pelo STF. Haverá punição? E os outros magistrados e autoridades do MPF que também atuaram na condução ilegal do caso Lula? "Trata-se do que vamos fazer diante da agora reconhecida e sacramentada judicialmente atuação parcial, política e eleitoral de Sergio Moro à frente dos processos de Lula na 13ª Vara Criminal de Curitiba e da cumplicidade que lhe tiveram, por cinco anos a fio, todos os níveis do Poder Judiciário, além da mídia, é claro", escreve.

 

ELEIÇÕES

Folha noticia que a volta de Lula e xadrez de João Doria congestionam quadro de candidaturas ao governo de São Paulo em 2022. Ao menos 12 nomes estão envolvidos nas conversas, incluindo Fernando Haddad, Guilherme Boulos e aliados de Bolsonaro. O próprio governador já admitiu que pode concorrer à reeleição em 2022, e não ao Planalto, seu objetivo inicial, o que contribui para o congestionamento de candidatos para o Palácio dos Bandeirantes.

 

NA GRINGA

Ganha repercussão global a reportagem da Associated Press reproduzindo declarações de Bolsonaro de uso da força do Exército em caso de caos de bloqueio. Ele sugeriu que o Exército poderá ser chamado às ruas para restaurar a ordem se as medidas de bloqueio contra a Covid às quais ele se opõe levem o país ao caos. Em entrevista a na sexta-feira à noite, Bolsonaro repetiu suas críticas frequentes às restrições impostas pelos governos locais para conter as infecções – medidas que ele afirma fazer mais mal do que  bem. O despacho foi replicado em 14,7 mil sites noticiosos ao redor do mundo, incluindo o americano Washington Post.

O diário francês Le Monde traz entrevista do historiador Odilon Caldeira Neto sobre a situação política brasileira: "Jair Bolsonaro é produto da longa história da extrema direita brasileira". De acordo com o especialista, o presidente brasileiro encarna um movimento complexo, herdeiro do anticomunismo, da violência da ditadura militar, da intolerância religiosa dos evangélicos, mas também do populismo antiglobalista. "Desde o fim da ditadura em 1985, pensava-se que era história antiga. Que nasceu um novo Brasil, consensual e democrático. Nós nos iludimos. Esquecemos que o Brasil tinha uma longa tradição de extrema direita e que de fato ela nunca desapareceu"Leia a íntegra ao final deste briefing

No New York Times de sábado – com foto principal fila da sopa no Pátio do Colégio, em São Paulo, e chamada na capa – reportagem destaca que o Brasil enfrenta uma epidemia de fome ao tempo em que é assolado pela Covid"Dezenas de milhões de brasileiros enfrentam fome ou insegurança alimentar à medida que a crise da Covid-19 no país se arrasta, matando milhares de pessoas todos os dias", diz o jornal. O principal jornal dos EUA responsabiliza diretamente Bolsonaro. "As cenas, que proliferaram nos últimos meses nas ruas do Brasil, são a prova cabal de que a aposta do presidente Jair Bolsonaro de que poderia proteger a economia do país resistindo às políticas de saúde pública destinadas a conter o vírus fracassou".

Já o espanhol El País trouxe no domingo ampla reportagem sobre a soja no Brasil. "É o grande negócio brasileiro. Suas lavouras ocupam tanto quanto a superfície da Alemanha e foi o único setor que cresceu em 2020, apesar da pandemia", destaca o periódico. "Território bolsonarista e berço de uma próspera classe empresarial que só teme a pressão dos ambientalistas e da Europa".


INTERNACIONAL

Sobre a explosão da pandemia na Índia, Financial Times traz imagem impressionante em sua primeira página: trabalhadores na Índia alinhando tanques de oxigênio após recarregá-los. O jornal relata que a falta de oxigênio e também de leitos deixaram os hospitais "implorando por ajuda". "Índia no ponto de ruptura da Covid" é a manchete. O Reino Unido, os EUA e a UE se ofereceram para fornecer suprimentos de emergência, incluindo oxigênio e ventiladores.

Na Inglaterra, os jornais destacam o novo escândalo envolvendo o primeiro-ministro Boris Johnson. "Indignação porque o nº 10 exclui investigações urgentes sobre erros de pandemia" é a manchete do Guardian. O jornal informa que famílias enlutadas foram informadas de que o governo está muito ocupado para iniciar uma investigação. E cita uma carta do governo enviada a advogados que representam milhares de famílias, que afirma que "um inquérito agora não é apropriado".

O diário The Times diz que ministros negam veementemente a alegação de que Boris Johnson disse que preferia ver "corpos amontoados aos milhares" do que ordenar um terceiro bloqueio enquanto as consequências da amarga guerra de instruções de Downing Street continuam. O primeiro-ministro é acusado de fazer o comentário em uma reunião depois que relutantemente impôs um segundo bloqueio, de acordo com o Daily Mail.

 

AS MANCHETES DO DIA

Folha: Vacinação avançada reduz mortes, mas não os novos casos

Estadão:  Varejo aposta em aquisições bilionárias em meio à crise

O Globo: Governo orienta ministérios a responder sobre 23 temas em CPI

Valor:  Empresas têm ganho elevado no 1º tri, apesar da pandemia

El País (Brasil): Fratura política marca o Chile num ano de renovação de grande parte das autoridades

BBC Brasil: Por que municípios não aplicam toda vacina contra covid enviada por governo federal?

UOL: Para senadores, Bolsonaro busca insuflar base às vésperas de CPI

G1:  Mãe de Henry muda versão sobre morte do filho e diz que Jairinho é violento

R7: Nomadland ganha o Oscar de Melhor Filme

Tijolaço: Moro suspeito. Terminou? Fica por isso mesmo?

Brasil 247: CPI do genocídio pode abrir caminho para impeachment de Bolsonaro

DCM: Rebelião em Angola que custou igrejas e TV a Edir deve chegar a outros países

Rede Brasil Atual: Número de mortes pela covid se mantém em nível alto e caminha para chegar a 400 mil

Brasil de Fato: Últimas notícias da vacina: Brasil aplica mais 2ª dose do que a 1ª e breca imunização

Ópera Mundi: Portugueses vão às ruas para celebrar 47º aniversário da Revolução dos Cravos

Vi o Mundo: Ângela Carrato: Com autocrítica zero, os Marinho acenam a Lula. Mas não se iludam, sabemos o que eles fizeram contra o Brasil nos verões passados

Fórum: Número de mortes por Covid-19 em 2021 já superou todo o ano de 2020

Poder 360: "Nomadland" é o principal vencedor do Oscar 2021

New York Times: Surgem em Michigan mais jovens doentes de Covid

Washington Post: Casos na Índia estabelecem outro recorde global

WSJ: EUA devem liderar recuperação econômica no ocidente

Financial Times: Acionistas do Credit Suisse procuram couro cabeludo do chefe de risco após escândalos

The Guardian: Indignação visto que o nº 10 exclui investigação urgente sobre os erros da pandemia

The Times: Cummings ainda no quadro enquanto o bloqueio vaza 'rato'

Le Monde: Polícia novamente atingida por ato terrorista 

Libération: Reentrada sob covid. Até aqui está tudo bem

El País: Dois membros do Constitucional apoiam reformar a sedição 

El Mundo: Ayuso confia em poder governar sem Vox, mas teme mais tensão

Clarín: O governo apressa o plano para nomear um chefe dos fiscais próprio 

Página 12: Buscar a volta

Granma: Não há crime que dure cem anos

Diário de Notícias: Famílias gastaram mais 125 milhões nos supermercados até março

Público: Câmara do Porto gastou 15 vezes menos do que Lisboa com a pandemia

Frankfurter Allgemeine Zeitung: Finalmente, Doce Vita novamente

Süddeutsche Zeitung: Cada aposentado na praia é um motivo de esperança e alegria

The Moscow Times: Rússia ordena que o Navalny Group suspenda as atividades

Global Times: Os EUA criticaram a resposta 'egoísta' e 'indiferente' ao pedido de ajuda da Índia 

Diário do Povo: Xi diz que ideais e convicções são essenciais para o sucesso da revolução chinesa

 
LEITURA RECOMENDADA
"Jair Bolsonaro é produto da longa história da extrema direita brasileira"

O presidente brasileiro encarna um movimento complexo, herdeiro do anticomunismo, da violência da ditadura militar, da intolerância religiosa dos evangélicos, mas também do populismo antiglobalista, analisa o historiador Odilon Caldeira Neto em entrevista ao Le Monde.

Bruno Meyerfeld | Le Monde

Correspondente Rio de Janeiro

Nascido em 1984, Odilon Caldeira Neto é professor de história contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais (sudeste do Brasil). Especialista em movimentos autoritários, conservadores e neofascistas, ele coordena o Observatório de extrema direita do Brasil.

A chegada ao poder em 2018 do candidato da extrema direita, Jair Bolsonaro, pegou o mundo de surpresa. O Brasil há muito é considerado imune a esse movimento político...

Sim, e estávamos seriamente errados! Desde o fim da ditadura em 1985, pensava-se que era história antiga. Que nasceu um novo Brasil, consensual e democrático. Nós nos iludimos. Esquecemos que o Brasil tinha uma longa tradição de extrema direita e que de fato ela nunca desapareceu

Quando foi que surgiu o surgimento da extrema direita no Brasil?

No final do século 19 e início do 20. Em 1889, o império [estabelecido após a independência do país em 1822] foi abolido e a República foi proclamada. O Brasil estava se modernizando, democratizando, secularizando, urbanizando e industrializando. Para uma parte da elite, que teme o fim da "unidade moral" da nação, isso é demais. Organizou-se em associações, como a Liga de Defesa Nacional, em 1916, para reivindicar um Estado autoritário e cristão.

Na década de 1920, esse movimento se acelerou. A criação em 1922 do Partido Comunista Brasileiro (PCB) assustou parte da classe média urbana. O fascismo de Benito Mussolini, que chegou ao poder no mesmo ano na Itália, é visto por muitos como o único baluarte contra o comunismo. Pequenos grupos de inspiração fascista estão surgindo, como a Legião Trabalhista Cearense [em 1931] , no estado do Ceará, que desempenha importante papel localmente.

A criação, em 1932, do movimento fascista Ação Integralista Brasileira (AIB) constituiu um ponto de inflexão?

Este é realmente um momento crucial. Embora pouco conhecido, a Ação Integralista foi o maior partido fascista fora da Europa, com várias centenas de milhares de membros! Para resumir a sua história, a AIB foi fundada pelo jornalista e intelectual Plinio Salgado (1895-1975). Durante uma viagem à Itália, ele conheceu o Duce. Voltando ao Brasil, esse homenzinho carismático e bigodudo se propõe a importar o movimento fascista para o Brasil. Com sucesso.

Mas o "integralismo" é complexo. A AIB é uma organização com disciplina militar cujos membros, os "camisas verdes", marcham em fileiras cerradas, de braços abertos. Anticomunista frenético, Plinio Salgado defende um Brasil hierárquico e ditatorial e uma regeneração da sociedade com o advento de um "novo brasileiro". Seus adeptos incluem vários anti-semitas notórios. No entanto, Plinio Salgado vai adaptar o fascismo à realidade do Brasil, um país fortemente miscigenado. Ele defende a harmonia das "três raças" – branca, negra e indígena. O símbolo do movimento é o caractere grego sigma (Σ), que significa "soma" ou "unidade". Para se cumprimentar, os integralistas gritam "anauê!", palavra da língua indígena tupi. Não há perspectiva abertamente racista no integralismo, ao contrário de outros movimentos fascistas ou nazismo.

Mas o integralismo não vai durar. Em 1937, o presidente Getúlio Vargas decreta a ditadura do Estado Novo [que durará até 1945] . A AIB é então dissolvida e Plinio Salgado é forçado a um exílio de seis anos, em 1939, em Portugal. Com a derrota de Mussolini e depois de Hitler em 1945, as ideias fascistas ruíram. De volta ao Brasil, em 1946, Plinio fundou o Partido de Representação Popular (PRP), e tentou se reabilitar moderando seu discurso. E rapidamente perde influência. A extrema direita fica silenciada...

O que o integralismo e Jair Bolsonaro têm em comum?

Anticomunismo frenético. Esse mito de um inimigo de dentro que deve ser neutralizado a todo custo. Mas Jair Bolsonaro difere de Plinio Salgado em muitos aspectos. Em primeiro lugar, seu discurso é mais radical contra as minorias, especialmente as étnicas. Mas também e sobretudo porque nunca quis criar um movimento político organizado. Depois de ter trocado de partido oito vezes, Bolsonaro não é mais filiado a nenhuma formação. Ele é acima de tudo um encrenqueiro solitário e incontrolável, que vive e se alimenta do caos.

Em 1964, ocorreu o golpe militar, marcando a chegada de uma ditadura que duraria 21 anos. Como a extrema direita está evoluindo?

A ditadura militar brasileira é única. Nela se chocam várias tendências: uma linha dita "moderada", ligada a um certo legalismo, e uma linha dura, repressiva, violenta e autoritária. Esta linha dura funciona como um influente grupo de pressão dentro do poder, em particular durante os anos chumbo, entre 1967 e 1974, sob as presidências dos generais Artur da Costa e Silva e Emilio Garrastazu Médici. Assassinatos e torturas de oponentes são então executados em grande escala.

A partir de 1974, a ditadura inicia uma lenta "descompressão", e a linha dura radicaliza-se. Oposta à democratização, exige uma intensificação da purificação e se organiza em torno de grupos paramilitares, como o Comando Comunista de Caça (CCC, criado em 1963). Seus ativistas atacam os estudantes de esquerda e instigam, em vão, vários ataques, com o apoio de generais conservadores.

Jair Bolsonaro, capitão da artilharia treinado na ditadura, é herdeiro desta linha dura?

O Bolsonaro não aderiu ao CCC e não está diretamente associado a este movimento. Mas a "linha dura" é provavelmente sua principal matriz intelectual. Eleito deputado em 1991, ele se apresenta como um campeão das "tropas" e dos nostálgicos da ditadura. Entre 2011 e 2014, se opõe violentamente ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade, responsável por investigar os crimes da ditadura, declarou-se abertamente a favor da tortura e prestou homenagem aos líderes linha-dura.

O autoritarismo e, acima de tudo, a violência são parte integrante do bolsonarismo. Além do Brasil, Jair Bolsonaro também elogia regularmente os "méritos" de outras ditaduras latino-americanas, mais duras e sangrentas, como a de Augusto Pinochet no Chile [1973-1990], ou a de Alfredo Stroessner no Paraguai [1954-1989] . "[Brasil] só vai mudar quando tivermos uma guerra civil e 30.000 pessoas forem mortas", proclamou em 1999. Isso diz muito...

Depois veio a Nova República, em 1985, e a extrema direita desapareceu novamente...

Na opinião pública, a extrema direita é então associada aos assassinatos e aos piores abusos cometidos durante a ditadura. O Brasil finalmente respira, ganhando confiança em sua democracia. Durante 20 anos, a extrema direita manteve-se discreta: observadores, jornalistas políticos e pesquisadores qualificaram-na de "vergonhosa", em particular no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), período em que o país conheceu um crescimento espetacular. E alguma harmonia nacional.

Mas a extrema direita não desapareceu. Veja-se o relativo sucesso, na década de 1990, do Partido para a Reconstrução da Ordem Nacional (Prona) e de seu dirigente, Enéas Carneiro. Nascido em 1938, esse cardiologista de estilo excêntrico era identificável por sua longa barba negra de guru e seus clipes de TV, nos quais vociferava ao som da Quinta Sinfonia de Beethoven. Na eleição presidencial de 1994, obteve 7,38% dos votos. Terceiro eleito na votação, ele é apelidado de "Le Pen brasileiro".

Bolsonaro tem homenageado regularmente o seu "herói". Os dois homens têm muitas diferenças, no entanto. Como Enéas, ele compartilha o lado encrenqueiro e uma linha conservadora, hostil ao aborto e aos direitos LGBT. Mas o Enéas era um cientista elitista, que valorizava a meritocracia e a competência acima de tudo. Nada a ver com Jair Bolsonaro, estilo vulgar, amante das "fakew news", que exibe constantemente a sua fé cristã.

Quando podemos considerar que a extrema direita renasce?

Sob a presidência de Dilma Rousseff (2011-2016). Vários eventos participam desse despertar. Primeiro, há a Comissão Nacional da Verdade, que indignou os militares, mas também as decisões do Partido dos Trabalhadores (PT), a favor do aborto e das pessoas LGBT, que horrorizaram os evangélicos. Acima de tudo, há a crise econômica, que marcou o fim dos anos de boom. Parte da extrema direita, crítica das políticas "assistenciais", então se apropriam do ultraliberalismo, com grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL), que atraía jovens das classes médias urbanas.

Em 2016, esses grupos heterogêneos se unem para formar o que é chamado de a "nova direita", que domina o debate público e protesta com sucesso para exigir o impeachment de Dilma Rousseff. Bolsonaro, por sua vez, surfa com habilidade nesta onda de "libertação", retomando, em 2018, essas tendências ultraliberais, evangélicas e nostálgicas da ditadura. Ele também atrai para si os grupos mais obscurantistas, como os seguidores de Olavo de Carvalho, um ex-astrólogo, antivacina e convicto de que a Terra é plana, que nos últimos anos se tornou um verdadeiro guru da extrema direita.

Finalmente, qual é a de Jair Bolsonaro?

É difícil colocar em uma caixa. O Bolsonaro é o produto da longa e contraditória história da extrema direita brasileira. Ele herda o autoritarismo do início do século 20, do anticomunismo e conspiração teorias de integralistas, a violência do regime militar, o estilo excêntrico de Enéas Carneiro, o anti-neoliberalismo, as manifestações contra Dilma e a intolerância religiosa dos evangélicos.

Também é influenciado pelas tendências globais, esse populismo antiglobalista carregado pelo americano Donald Trump, o húngaro Viktor Orban ou o italiano Mattaeo Salvini. A tudo isso, Bolsonaro acrescenta seu toque pessoal: vulgaridade, fake news, ataques às minorias... O bolsonarismo não representa um bloco homogêneo, mas um movimento complexo, elástico, em construção, que não se compreende sem olhar para o passado.

https://www.lemonde.fr/international/article/2021/04/23bolsonaro-est-le-produit-de-la-longue-histoire-de-l-extreme-droite-bresilienne_6077806_3210.html

 
 
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