sábado, 18 de setembro de 2021

Carta Capital, em 17/9/2021

 

Foto:  Igo Estrela/CNA
Os ganhos econômicos, sociais e ambientais do Programa de Aquisição de Alimentos estão bem documentados em inúmeras pesquisas

Vida e morte do Programa de Aquisição de Alimentos, um dos mais bem sucedidos no combate à fome

Texto do Ipea mapeia o percurso do PAA e da Companhia Nacional de Abastecimento, golpeados por prisões ilegais de agricultores e funcionários um ano antes da Lava Jato, com os mesmos métodos

O grande desastre da Lava Jato vitimou inocentes, esfrangalhou a principal cadeia produtiva do País e além disso, tirou o foco de outras arbitrariedades com a mesma autoria e modus operandi idêntico. É o caso da Operação Agrofantasma, executada pela Polícia Federal por ordem do juiz Sergio Moro e que resultou no encarceramento de 10 agricultores de 14 municípios do Paraná, sem processo criminal, acusou no total 40 pessoas, entre pequenos agricultores e funcionários da Companhia Nacional de Abastecimento, todas elas inocentadas mais tarde por falta de provas, e feriu de morte o Programa de Aquisição de Alimentos. A Agrofantasma foi desencadeada em 2013, um ano antes da Lava Jato, que arruinou empreiteiras e levou à prisão, sem provas, o ex-presidente Lula. Criado em 2003, o PAA foi uma articulação inteligente entre a pequena agricultura e o fornecimento de alimentos a preços acessíveis para as famílias mais vulneráveis.

Parte da história do PAA está contada, no formato de texto para discussão, por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sob o título “A evolução do Programa de Aquisição De Alimentos (PAA): uma análise da sua trajetória de implementação, benefícios e desafios”. Criado em 2003, o PAA teve três fases: 1) De 2003 a 2008, de aprendizado e organização dos processos tanto no nível gerencial quanto local. 2) De 2009 a 2013, marcado pelo fortalecimento do programa, com papel importante da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), surgimento do termo de adesão, operacionalizado pelo então Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o desencadeamento da Operação Agrofantasma, “a qual causou uma queda abrupta das operações do programa no fim desse período”. 3) De 2014 a 2019, quando, “após uma leve retomada inicial de recursos, constatou-se uma contínua redução dos montantes aplicados no PAA, chegando ao fim do período nos menores patamares de sua história”. 

Na terceira fase, diz o texto para discussão, “apesar de ter ocorrido um esforço de redesenho em sua forma de gestão visando diminuir a burocracia e facilitar o acesso, uma mudança na agenda governamental de caráter político e institucional teve forte impacto nas políticas voltadas à agricultura familiar, afetando intensamente o programa, o qual atingiu em 2019 o menor patamar de execução de recursos da sua história”. 

O estudo dos pesquisadores do Ipea mostra que, “ao longo de sua trajetória, o PAA promoveu ganhos de caráter econômico, social e ambiental. Do ponto de vista econômico, foram observados na literatura relatos acerca do aumento da renda de agricultores familiares, o que permitiu a estes a aquisição de bens duráveis, assim como a melhora nas condições de vida em geral. No âmbito social, percebe-se que o programa proporcionou a seus beneficiários uma alimentação diversificada, de qualidade e oriunda da produção local, além de incentivar reconhecimento e valorização da agricultura familiar e da cultura alimentar local, o que refletiu no aumento da autoestima e da autonomia das famílias produtoras. Quanto aos ganhos na perspectiva ambiental, observou-se que o PAA fomentou a diversificação de culturas, bem como a adesão às boas práticas de produção.” 

Em 2021, o PAA foi substituído pelo Programa Alimenta Brasil, criado nos moldes do programa anterior. “Como recomendações”, sublinham os autores do trabalho, “reforça-se a importância de que sejam ampliados os recursos destinados às suas ações, e de que a regulamentação do novo programa resgate todas as finalidades e modalidades originais do PAA, de forma a manter e maximizar seu potencial de gerar benefícios”.

Para reverter a fome e a miséria que assolam o País sob o governo Bolsonaro, restaurar por completo o PAA original parece mesmo ser um bom ponto de partida.


 

Foto: Fernando Frazão/ABR
O desmonte da maior empresa do Brasil é subtração do patrimônio público de forma ilegal

A saída democrática é reestatizar o que foi privatizado, recomenda jurista

“O que está ocorrendo com ativos da Petrobrás e outros bens estatais estratégicos deve ser equiparado ao crime de receptação”, alerta Gilberto Bercovici, professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

O desmonte da maior empresa brasileira, entre outras dilapidações semelhantes, “vai muito além de simples quebra de contratos, a situação é um pouco mais complicada”, analisa Bercovici em artigo. Um bem público, diz, foi subtraído do patrimônio público de forma ilegal, muitas vezes sem licitação e vendido a preço vil, a empresa compradora sabe o que está adquirindo e a que preço, não há terceiro de boa-fé envolvido e a saída democrática é reestatizar o que foi  privatizado, sublinha o jurista.

As implicações, tanto para os responsáveis pelas vendas quanto para os compradores, são graves. “Empresas e investidores, nacionais ou estrangeiros, que adquiriram, depois do golpe de 2016, recursos do povo brasileiro estão cometendo um crime. Os preços pagos são incompatíveis com o mercado e a situação institucional e política não é exatamente daquelas que inspiram confiança ou segurança. Não houve a realização de nenhuma concorrência pública ou procedimento competitivo, além da violação de inúmeras leis, inclusive a própria lei do Plano Nacional de Desestatização (Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997), cujo artigo 3º exclui expressamente as atividades de competência exclusiva da União segundo o artigo 177 da Constituição, ou seja, todas as atividades do setor petrolífero, da alienação ou transferência de ativos”, analisa Bercovici.

Empresas estatais, diz, são criadas por lei para realizar determinada política pública. Tanto é assim que mesmo a Lei das Sociedades por Ações, em seu artigo 238, garante que a pessoa jurídica que controla a sociedade de economia mista poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender o interesse público que justificou sua criação. “O artigo 117 da mesma lei diz que orientar a companhia para fim estranho ao interesse nacional é modalidade de exercício abusivo de poder de controle, ensejando em responsabilização do acionista controlador”, sublinha o jurista.

Uma estatal, chama atenção Bercovici, não existe para dar lucro. “Ela também não existe para satisfazer fundos de investimentos, “sérios ou abutres”. Mesmo tendo o capital aberto, a Petrobrás continua sendo do povo brasileiro, que delega à União a função de gerir a empresa.”

A disputa, afirma, é mais um capítulo da briga entre o interesse público e o interesse do acionista. Esse conflito é recorrente no Brasil, que, desde o governo do General Geisel, optou por utilizar suas estatais para fomentar nosso diminuto mercado de capitais. Nos Estados Unidos, onde existem mais de 2 mil empresas estatais, nenhuma tem capital aberto. “Aliás, a gritaria da Faria Lima (N.R.: avenida com grande concentração de escritórios de bancos e de multinacionais, em São Paulo) em torno da substituição da presidência da Petrobras diz muito sobre quem são: podem morrer mais de 250 mil pessoas, defender uma nova ditadura, nada disso incomoda o “mercado”. O que não pode é acabar com a festa dos “investidores” . Essas contradições e essa sangria de recursos públicos só irá parar quando a Petrobrás abandonar o modelo de sociedade de economia mista e passar a ser 100% estatal”, prevê Bercovici.


 

A pandemia não acabou. Use máscaras, lave 

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