A humanidade contra o relógio do clima por Anna Beatriz Anjos "Numa COP, para quem chega pela primeira vez, o aprendizado é observar como se fazem as articulações". Ouvi essa frase da liderança indígena Sineia do Vale, de Roraima, durante uma entrevista alguns dias depois de minha chegada a Glasgow. Havia ido à Escócia para cobrir a minha primeira Conferência do Clima da ONU, que, após um hiato de um ano devido à pandemia, acontecia sob grande atenção internacional. Esperava-se que a COP-26 fosse capaz de finalmente fechar o livro de regras do Acordo de Paris, que dá as diretrizes para o cumprimento do tratado internacional assinado em 2015, e que os países propusessem metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa – os grandes responsáveis pelas mudanças climáticas.
Enquanto marinheira de primeira viagem das COPs, a fala de Sineia me fez pensar. Não vou negar que meus primeiros dias em Glasgow tiveram momentos de confusão diante do universo de histórias e reportagens possíveis dentro de um evento como esse, onde se reúnem representantes de governos, sociedade civil e imprensa de quase 200 países. Eu e minha editora Marina Amaral, que coordenava os trabalhos de São Paulo, tínhamos também a missão de produzir uma cobertura diferente da dos grandes jornais, que muitas vezes enviam à conferência mais de um repórter ou mantêm no Brasil equipes inteiras dedicadas a monitorar as discussões.
A sabedoria indígena de Sineia – que acompanha negociações climáticas há pelo menos dez anos e estava em sua quarta COP – me revelou a necessidade de pisar com cuidado naquele terreno desconhecido: tinha de observar e analisar a dinâmica dos acontecimentos para encontrar meus caminhos de reportagem num contexto em que tudo podia ser notícia. Mas o cuidado deveria caminhar ao lado da firmeza, pois logo compreendi que não havia muito espaço para hesitar. Era preciso agir mesmo sem ter o quadro todo decifrado na cabeça, senão eu corria o risco de perder momentos, pessoas e oportunidades valiosas que se apresentavam por minutos e em seguida se esvaíam no emaranhado de palestras, reuniões, manifestações e compromissos daquelas duas semanas.
Aos poucos, fui entendendo de que forma eu podia fazer ali o que os repórteres e editores da Pública fazem há dez anos: denunciar a destruição dos biomas do nosso país, agravada pelos anos de governo Bolsonaro; expor a incoerência do discurso das autoridades brasileiras, que diante da comunidade internacional fingem cuidar da nossa biodiversidade, mas em casa "passam a boiada" de todas as maneiras possíveis; e dar visibilidade à resistência dos povos indígenas e tradicionais, cujos modos de vida e conhecimento são absolutamente cruciais para que tenhamos uma mínima chance de combater os efeitos das mudanças climáticas sobre a humanidade. O desafio era cumprir a tarefa em um ambiente distinto do habitual, cheio de pessoas cansadas e apressadas correndo pra lá e prá cá, falando múltiplos idiomas e formando filas para qualquer atividade trivial – desde passar pelo detector de metais até comprar café.
Em meus onze dias de COP-26, ouvi ativistas, advogados e cientistas que me mostraram a magnitude da crise em curso. Os gritos por justiça climática que ecoaram das ruas aos espaços oficiais da conferência transmitiam a urgência de se amparar as populações mais vulneráveis, que pouco ou nada contribuíram para o aquecimento global, mas são as primeiras a sentir suas consequências. Dos tantos aprendizados trazidos de Glasgow, o mais contundente é o de que o tempo das negociações multilaterais e da geopolítica internacional é totalmente incapaz de fazer frente à emergência climática que nos faz, enquanto humanidade, correr contra o relógio para salvar nossa própria pele.
Enquanto negociadores passam dias a portas fechadas tentando costurar acordos que nos fazem avançar a passos lentos, as mudanças do clima já se fazem sentir dos mais diversos modos. Na Pública, vamos continuar investigando seus impactos e causas durante o ano todo para que o debate não se restrinja às duas semanas anuais da Conferência do Clima da ONU. |
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