sábado, 4 de dezembro de 2021

A humanidade contra o relógio do clima

 


No início do mês, a repórter Anna Beatriz Anjos viajou para Glasgow, na Escócia, para cobrir a Conferência do Clima da ONU. A missão dela na COP-26 não era fazer uma cobertura noticiosa tradicional, como a dos grandes veículos, mas reportar o que estava acontecendo na conferência com o olhar da Pública, ou seja, colocando em evidência as vozes das pessoas que são mais afetadas pelas mudanças climáticas e raramente ouvidas. Na newsletter de hoje, Anna conta o que viu por lá e quais foram os desafios dessa cobertura

Como você vê as discussões que permearam a Conferência do Clima da ONU? É possível colocarmos um freio nas mudanças climáticas ou já é tarde demais? Envie sua reflexão para as Cartas dos Aliados respondendo esse email.

Abraços, 

Giulia Afiune
Editora de Audiências da Pública
A humanidade contra o relógio do clima
por Anna Beatriz Anjos
 
"Numa COP, para quem chega pela primeira vez, o aprendizado é observar como se fazem as articulações". Ouvi essa frase da liderança indígena Sineia do Vale, de Roraima, durante uma entrevista alguns dias depois de minha chegada a Glasgow. Havia ido à Escócia para cobrir a minha primeira Conferência do Clima da ONU, que, após um hiato de um ano devido à pandemia, acontecia sob grande atenção internacional. Esperava-se que a COP-26 fosse capaz de finalmente fechar o livro de regras do Acordo de Paris, que dá as diretrizes para o cumprimento do tratado internacional assinado em 2015, e que os países propusessem metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa – os grandes responsáveis pelas mudanças climáticas.

Enquanto marinheira de primeira viagem das COPs, a fala de Sineia me fez pensar. Não vou negar que meus primeiros dias em Glasgow tiveram momentos de confusão diante do universo de histórias e reportagens possíveis dentro de um evento como esse, onde se reúnem representantes de governos, sociedade civil e imprensa de quase 200 países. Eu e minha editora Marina Amaral, que coordenava os trabalhos de São Paulo, tínhamos também a missão de produzir uma cobertura diferente da dos grandes jornais, que muitas vezes enviam à conferência mais de um repórter ou mantêm no Brasil equipes inteiras dedicadas a monitorar as discussões. 

A sabedoria indígena de Sineia – que acompanha negociações climáticas há pelo menos dez anos e estava em sua quarta COP – me revelou a necessidade de pisar com cuidado naquele terreno desconhecido: tinha de observar e analisar a dinâmica dos acontecimentos para encontrar meus caminhos de reportagem num contexto em que tudo podia ser notícia. Mas o cuidado deveria caminhar ao lado da firmeza, pois logo compreendi que não havia muito espaço para hesitar. Era preciso agir mesmo sem ter o quadro todo decifrado na cabeça, senão eu corria o risco de perder momentos, pessoas e oportunidades valiosas que se apresentavam por minutos e em seguida se esvaíam no emaranhado de palestras, reuniões, manifestações e compromissos daquelas duas semanas.

Aos poucos, fui entendendo de que forma eu podia fazer ali o que os repórteres e editores da Pública fazem há dez anos: denunciar a destruição dos biomas do nosso país, agravada pelos anos de governo Bolsonaro; expor a incoerência do discurso das autoridades brasileiras, que diante da comunidade internacional fingem cuidar da nossa biodiversidade, mas em casa "passam a boiada" de todas as maneiras possíveis; e dar visibilidade à resistência dos povos indígenas e tradicionais, cujos modos de vida e conhecimento são absolutamente cruciais para que tenhamos uma mínima chance de combater os efeitos das mudanças climáticas sobre a humanidade. O desafio era cumprir a tarefa em um ambiente distinto do habitual, cheio de pessoas cansadas e apressadas correndo pra lá e prá cá, falando múltiplos idiomas e formando filas para qualquer atividade trivial – desde passar pelo detector de metais até comprar café.

Em meus onze dias de COP-26, ouvi ativistas, advogados e cientistas que me mostraram a magnitude da crise em curso. Os gritos por justiça climática que ecoaram das ruas aos espaços oficiais da conferência transmitiam a urgência de se amparar as populações mais vulneráveis, que pouco ou nada contribuíram para o aquecimento global, mas são as primeiras a sentir suas consequências. Dos tantos aprendizados trazidos de Glasgow, o mais contundente é o de que o tempo das negociações multilaterais e da geopolítica internacional é totalmente incapaz de fazer frente à emergência climática que nos faz, enquanto humanidade, correr contra o relógio para salvar nossa própria pele. 

Enquanto negociadores passam dias a portas fechadas tentando costurar acordos que nos fazem avançar a passos lentos, as mudanças do clima já se fazem sentir dos mais diversos modos. Na Pública, vamos continuar investigando seus impactos e causas durante o ano todo para que o debate não se restrinja às duas semanas anuais da Conferência do Clima da ONU.

 
Anna Beatriz Anjos é repórter na Agência Pública.

Rolou na Pública
 

E por falar em Meio Ambiente... Publicamos na segunda-feira reportagem que traz novas informações sobre a operação da Polícia Federal que mira o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Com dados obtidos em parceria com o Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (Clip), revelamos que uma medida do Ibama investigada pela PF permitiu a madeireiras exportar 100 mil toneladas de madeira da Amazônia, o que inclui árvores ameaçadas de extinção. O produto chegou à França, EUA, Japão, Alemanha e Bélgica. A história foi republicada pela Folha de S. Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário