quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

DEZ ANOS DA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO

 DEZ ANOS DA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO



Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Coordenador-Geral do
Observatório da Transparência e Combate à Corrupção no Distrito Federal
Brasília, 26 de novembro de 2021


            A Constituição Federal de 1988 define a essência da ordem
jurídica brasileira. Parece viável afirmar, à luz do Texto Maior, que a
República Federativa do Brasil constitui-se num Estado Democrático de
Direito realizador da dignidade da pessoa humana em suas múltiplas e
complexas perspectivas.

            No campo específico da atuação do Poder Público para
conduzir a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com
erradicação da pobreza, da marginalização e dos preconceitos e
discriminações, assumem especial revelo o efetivo respeito à cidadania e
à publicidade dos atos, contratos, políticas e programas desenvolvidos
pelo Estado.

            O prestígio constitucional explícito da cidadania e da
publicidade dos negócios públicos seria um discurso vazio, desprovido de
consequências práticas, caso não fossem adotados os instrumentos legais
para dar concretude a esses relevantíssimos valores. Nessa linha, foi
adotada, no dia 18 de novembro de 2011, a Lei n. 12.527, conhecida como
Lei de Acesso à Informação (LAI). Comemoramos, portanto, a primeira
década de sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro.

            A LAI veicula expressamente as seguintes diretrizes: a)
observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;
b) divulgação de informações de interesse público, independentemente de
solicitações; c) utilização de meios de comunicação viabilizados pela
tecnologia da informação; d) fomento ao desenvolvimento da cultura de
transparência na administração pública e e) desenvolvimento do controle
social da administração pública.

            A LAI garante a qualquer interessado, por qualquer meio
legítimo, o direito de apresentar pedido de acesso a informações aos
órgãos e entidades públicas. Exige-se que o pedido contenha a
identificação do requerente e a especificação da informação requerida.

            Atualmente, o Governo Federal, assim como o Governo do
Distrito Federal, utilizam o Sistema Eletrônico do Serviço de
Informações ao Cidadão – e-SIC, disponível na internet, para
operacionalizar os encaminhamentos de pedidos de acesso à informação. O
referido sistema gera um número de protocolo, permite acompanhar as
tramitações dos pleitos, ingressar com recursos e consultar as respostas
produzidas.

            Existe, no âmbito federal, um painel de acompanhamento da
execução da LAI. Ele está disponível no seguinte endereço eletrônico: 
<http://paineis.cgu.gov.br/lai>. Vários dados relevantes podem ser
recuperados naquele espaço, tais como: a) entre 16 de maio de 2012 e 26
de novembro de 2021 foram apresentados 1.082.745 pedidos de informações;
b) em 2012, ano da entrada em vigor da LAI, foram 54.871 pedidos
apresentados; c) em 2020, o número de pedidos de informações chegou a
153.019 e d) durante a vigência da LAI, o tempo médio de resposta aos
pedidos foi de 15,08 dias.

              O amplo acesso às informações manuseadas e produzidas pela
Administração Pública viabiliza a participação ativa do cidadão nas
ações governamentais. Ademais, são inquestionáveis os avanços: a) na
prevenção da corrupção, por conta das condições de monitorar
efetivamente atos e decisões de interesse público; b) na melhoria da
gestão pública, em função da identificação de entraves à eficiência
administrativa; c) na melhoria do processo decisório, em razão das
várias contribuições especializadas, ou não, que podem ser colhidas no
âmbito da sociedade e d) no fortalecimento da democracia, na medida em
que podem ser verificados os procedimentos decisórios quanto à
efetividade da participação social.

            Infelizmente, no momento de comemoração dos dez anos de
edição da LAI, devem ser lembradas as tentativas recentes de restringir
a Transparência e, por consequência, o Controle Social. Com efeito, o
Governo Bolsonaro, com seu inegável pendor autoritário, protagonizou
tristes episódios desse filme.

            Foi editado, no início da atual gestão executiva federal,
um decreto alterando a regulamentação da LAI. O Decreto n. 9.690, de 23
de janeiro de 2019, ampliou o número de autoridades que podem definir
informações como protegidas.

            O diploma normativo referido viabilizava que ocupantes de
cargos comissionados classificassem dados governamentais como
informações "ultrassecretas" e "secretas". Essas unidades de informação
possuem grau máximo de sigilo por 25 anos e 15 anos, respectivamente.
Anteriormente, a classificação somente poderia ser feita por presidente,
vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e
chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no exterior.
Com a alteração, mais de 400 agentes públicos estavam autorizados a
fazerem a classificação. Apurou-se, na ocasião, que o Conselho de
Transparência Pública e Combate à Corrupção da CGU (Controladoria-Geral
da União), integrado por membros da sociedade civil e do Poder
Executivo, não foi ouvido acerca das mudanças.

            Foram apresentados, no Congresso Nacional, inúmeras
propostas de decretos legislativos voltadas para sustar os efeitos do
mencionado Decreto n. 9.690/2019. O governo federal, diante da pressão,
terminou por revogar essa forma inusitada de ampliação do sigilo.

            O Governo Bolsonaro também editou a Medida Provisória n.
928, de 23 de março de 2020, que suspendia os prazos de resposta por
intermédio da Lei de Acesso à Informação durante a pandemia do coronavírus.

            Ao julgar a Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN) n. 6.347, proposta pela REDE
SUSTENTABILIDADE, o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade,
reconheceu que “o art. 6º-B da Lei 13.979/2020, incluído pelo art. 1º da
Medida Provisória 928/2020, não estabelece situações excepcionais e
concretas impeditivas de acesso à informação, pelo contrário, transforma
a regra constitucional de publicidade e transparência em exceção,
invertendo a finalidade da proteção constitucional ao livre acesso de
informações a toda Sociedade”.

            Os mencionados óbices opostos pelo Governo Bolsonaro à
transparência na gestão pública compõem um quadro de entraves de maior
alcance. Com efeito, observa-se um crescente abuso nas recusas de
fornecimentos de informações com base na LAI a partir de três
argumentos: a) o sigilo dos dados buscados; b) a necessidade de
realização de trabalhos adicionais e c) supostas violações à Lei Geral
de Proteção de Dados (LGPD).

            A afirmação da cidadania e da publicidade na Administração
Pública, notadamente por intermédio de instrumentos legais como a Lei da
Acesso à Informação (LAI), não se esgota com a adoção de atos normativos
e os debates jurídicos relacionados com suas aplicações. É crucial nesse
e em outros campos relevantes trabalhar na conscientização, mobilização
e organização dos segmentos sociais mais consequentes e interessados na
ampliação quantitativa e qualitativa dos avanços institucional e
socioeconômico.

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