quarta-feira, 15 de junho de 2022

Agência Pública O lobby que ameaça vidas

 

O lobby que ameaça vidas
por Yolanda Pires
 
Era início de março deste ano quando o plenário da Câmara dos Deputados aprovou um requerimento do deputado Ricardo Barros, líder do governo na Casa, que colocava o Projeto de Lei 191/2020 para tramitar em regime de urgência. Em outras palavras, o governista queria acelerar a votação do projeto que, caso seja aprovado, abrirá as portas de terras indígenas para o garimpo e a mineração. A proposta está entre as pautas prioritárias do governo de Jair Bolsonaro para 2022.

No mesmo mês de março, a Pública investigou a proximidade do ex-presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Homero de Giorge Cerqueira com garimpeiros. Descobrimos que o ex-presidente do ICMBio se apresentava como diretor da Confederação Nacional de Mineração (CNMI), cujo presidente é um empresário investigado por extração ilegal de ouro na bacia do rio Tapajós, no sudoeste do Pará. A matéria fez barulho, e Cerqueira acabou sendo exonerado da organização que representa interesses de garimpeiros. 

Surgiu então a ideia de fazermos uma reportagem que complementasse a anterior, mostrando como o governo Bolsonaro abria as portas de seus gabinetes para discutir interesses particulares de garimpeiros, empresários e políticos aliados ao garimpo. 

Dois documentos foram essenciais para essa investigação. Primeiro, o estudo "Quem é quem no debate sobre mineração em terras indígenas" – fruto de uma parceria entre o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) – nos ajudou a listar os nomes daqueles que frequentemente fazem lobby em favor de garimpeiros. Com a lista em mãos, pedimos via Lei de Acesso à Informação (LAI) os registros de entrada na Câmara dos Deputados. Os dados mostraram o trânsito frequente do vereador Wescley Tomaz (MDB), de Itaituba (PA), nos corredores do parlamento. Quando vi o nome dele, lembrei quase imediatamente do que tinha lido em outro estudo, "O cerco do ouro: Garimpo ilegal, destruição e luta em terras Munduruku", que cita Tomaz como “um dos nomes de destaque do lobby pró-garimpo nos últimos anos”. Me chamou a atenção o fato de que Wescley, que foi eleito como o vereador mais jovem de Itaituba, se destacou e teve mais acesso à Câmara do que lobistas pró-garimpo mais tradicionais, que representam grandes empresas e associações de mineradoras. A história implorava para ser contada.

Com essas informações em mãos, vindas de estudos, de pedidos de LAI e de agendas oficiais, refiz os passos do vereador em suas viagens entre Itaituba e Brasília, muitas (ou todas, nunca saberei ao certo) registradas em suas redes sociais. A propósito, eram as redes, e não os sites oficiais do governo, que tinham mais detalhes sobre as reuniões e audiências das quais Tomaz participava com autoridades na capital federal. Só que nos textos e vídeos publicados no Facebook e no Instagram, as informações vinham às vezes veladas ou floreadas de bom-tom e muita lábia e, por isso, pediam uma observação cuidadosa e apuração cruzada com outras fontes. Termos como "regularização de garimpos" em "áreas brancas" eram adotados para defender a legalização de garimpos em Unidades de Conservação ambiental – como se ecossistemas tão ricos fossem uma moeda de troca razoável em benefício de quem busca o ouro e outros minérios para enriquecer. 

Costurando os inúmeros dados e informações coletados, fui entendendo como a articulação do vereador dos garimpeiros e de outros homens brancos aliados a ele foi abraçada pelo governo. O resultado está na reportagem "'Vereador dos garimpeiros' abre portas no governo federal para lobby da mineração". 

Itaituba é hoje a "cidade pepita", que detém a maior concentração de garimpos ilegais do país. Quando conversei com o cacique-geral dos Munduruku, Arnaldo Kaba, no último Acampamento Terra Livre (ATL), ele me contou sobre quando veio pela primeira vez a Brasília, aos 13 anos de idade. Naquela época, na década de 1970, a extração de minérios na região do Tapajós ainda era emergente e estava sendo incentivada pelo ideal desenvolvimentista dos militares que haviam tomado o país em 1964. Hoje, os garimpeiros que lá permaneceram, e outros que chegaram depois, usam grandes máquinas que aceleram a extração de riquezas do solo e a consequente degradação da vida – tudo isso com respaldo do governo. 

Como explicou a antropóloga Luísa Molina, uma das pesquisadoras do estudo "O cerco do ouro", que recentemente participou da Entrevista dos Aliados: "O garimpo promove, nas relações entre as pessoas, um dano análogo ao dano que promove nos territórios, e isso não é visto." Falta-nos indignação.

 
Yolanda Pires é estagiária de reportagem na Agência Pública em Brasília

Rolou na Pública
 

Cobertura especial do Vale do Javari. A Pública está com duas equipes de reportagem na Amazônia, lideradas pelos repórteres Ciro Barros e Rubens Valente, para acompanhar de perto as circunstâncias do desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira. Um documento obtido pela Pública revela que “Pelado”, um dos suspeitos no desaparecimento do jornalista e do indigenista, relatou a peritos da Polícia Civil do Amazonas ter sofrido espancamento e sessões de asfixia por parte de Policiais Militares. Por conta da reportagem, o Ministério Público do Estado do Amazonas vai investigar a denúncia, conforme noticiado na CNN Brasil. Nossa reportagem foi republicada nos veículos UOLPonteCarta CapitalSul 21, e repercutida na Folha, no Nexo e no IG. Você pode acompanhar a cobertura em nosso site

Terra de conflitos e crime organizado. Região do Vale do Javari, onde indigenista brasileiro e jornalista inglês desapareceram, teve multa de dez milhões de reais por pesca ilegal de pirarucu no Amazonas. De acordo com levantamento inédito da Pública, esse foi o maior valor de multa aplicada pelo Ibama em todo o estado num período de 30 anos. Segundo denúncias, o indigenista vinha recebendo ameaças de pescadores ilegais da espécie. A reportagem foi republicada na Revista Galileu, na Revista IHU Unisinos, no Canal My News e no Portal A Crítica, de Manaus.   

Caso Arthur Lira. A Pública teve acesso à decisão judicial de primeira instância, publicada em dezembro de 2010, que obrigou o presidente da Câmara dos Deputados a reconhecer a paternidade de filha com doença rara, após teste de DNA. A mãe recorreu ao Estado para bancar remédio de alto custo essencial para o tratamento da menina, que também precisa de cuidados especiais e apoio nas necessidades básicas. A reportagem foi republicada no Metrópoles, na Carta Capital, no Brasil 247 e repercutida na Revista Fórum e no podcast Legis-Ativo do Estadão.

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