quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Agência Pública

 

No Pará, empresas que extraem óleo de palma avançam sobre terras públicas onde vivem quilombolas e ribeirinhos. Segundo moradores, as empresas utilizam ferramentas de monitoramento, como câmeras e outras estruturas, para os manterem afastados destas áreas. 

Na newsletter do hoje, a repórter colaboradora Bruna Bronoski revela bastidores da reportagem e conta quem está por trás da vigilância de comunidades locais.

O que você acha sobre os aparatos de monitoramento de empresas privadas? Responda este e-mail com o seu comentário. Ele poderá ser selecionado para a próxima edição das "Cartas dos Aliados".

Abraços, 

Letícia Gouveia
Estagiária de Comunicação da Pública
 
No nordeste do Pará, o Big Brother da vida real
por Bruna Bronoski

Nos últimos 22 anos, a TV aberta brasileira tem mostrado casas coloridas cheias de gente, eliminadas uma a uma por voto popular. Ninguém entra lá obrigado: o reality show convida o indivíduo a ser filmado e o contrato é assinado para ceder o próprio direito de imagem a milhões de telespectadores, ansiosos pelos closes das câmeras espalhadas pelos cômodos da casa.

O programa, com versões em TVs ao redor do mundo, faz referência ao clássico literário de George Orwell 1984, publicado em 1948. Na distopia, o Big Brother está de olho em todos os cidadãos da fictícia Oceânia. O patrulhamento sobre cada passo dado pelos membros do regime totalitário descrito pelo autor incide nos espaços públicos e privados, inclusive nos mais íntimos das personagens. Ao contrário da TV brasileira, no livro, as câmeras não tinham o consenso dos vigiados. Ainda bem que é só uma obra de ficção crítica.

No nordeste do Pará, porém, a vigilância ganhou uma versão real e atual. Diferente das obras de entretenimento, desta vez não há consentimento. 

Esta história chegou a mim por sugestão da editora de Clima da Agência Pública, Paula Bianchi, que me pediu para ficar de olho, literalmente, no que está acontecendo em áreas de comunidades tradicionais a cerca de 120 quilômetros da capital Belém (PA).

Comecei a fazer contatos com indígenas e quilombolas da região em maio deste ano. Aos poucos, os aparatos de controle começaram a ser mencionados por quem aceitava conceder entrevista. Ouvi sobre câmeras em torres e portões, seguranças armados, escavação de trincheiras e até drones, que vigiam e reprimem constantemente os moradores da região dentro de seu próprio território, segundo eles. 

Mas quem tem interesse em vigiá-los? Todos os mecanismos de monitoramento existem por ordem de duas grandes empresas nacionais produtoras de óleo de palma, matéria-prima usada nas indústrias alimentícia, farmacêutica e de biocombustíveis dentro e fora do país. Agropalma S/A e Brasil Bio Fuels S/A (BBF) investem grandes quantias de dinheiro e alocam pessoas para a “segurança das dependências da empresa”. Mas as medidas de proteção das empresas afetam diretamente o modo de vida de comunidades tradicionais que já residiam no local muito antes da produção de dendê virar moda no Brasil.

Documentos e relatos obtidos pela Pública mostram que quilombolas e ribeirinhos estão proibidos de acessar os rios onde pescam, desde o século XVIII, a principal fonte de proteína das famílias. As lentes de longo alcance das câmeras da Agropalma também impedem a presença destas populações em partes do território reivindicado por eles formalmente no Iterpa, órgão de regularização fundiária do Pará, antes que a empresa fizesse o mesmo.

Em outro município do estado, a BBF monitora a vida de indígenas e quilombolas usando veículos aéreos não tripulados (VANT), comumente chamados de drones, para evitar “crimes ambientais” nas áreas sob sua posse. O olho da BBF mira o roçado das comunidades, outra atividade centenária de subsistência ameaçada pelos seguranças da produção de dendê. As comunidades ouvem tiros de arma de fogo e recebem ameaças contra a vida, segundo ouvi em mais de um relato.

A vigilância e a violência ocorrem em terras públicas griladas, afirmam o Judiciário do Pará e vários pesquisadores, cartógrafos, geógrafos e economistas consultados pela Pública. As informações que reunimos estão nesta reportagem, resultado de três meses de apuração.

Ouvir o que as populações paraenses tinham a dizer durante este período me leva a refletir sobre os impactos da morosidade e da inércia dos governos estadual e federal em reconhecer e titular territórios tradicionais, direito garantido pela Constituição Federal de 1988. 

Um dos efeitos é a falta de poder dos cidadãos sobre o próprio modo de vida. Ou seja, essas populações ficam submetidas ao controle privado nas terras onde estão suas casas, sua água e alimento, sua cultura e ancestralidade, que não fazem sentido algum fora do território, tampouco na lógica agroindustrial capitalista. E não é entretenimento nem distopia, é o Pará de 2022.

 
Bruna Bronoski é repórter colaboradora da Agência Pública.

Rolou na Pública
 

Invasão de terras públicas. A reportagem tema desta newsletter foi republicada na Revista Ihu Unisinos, no Jornal do Brasil e no site da Comissão Pastoral da Terra

Candidatos multados. Candidatos às eleições deste ano somam R$ 84 milhões em multas ambientais. O levantamento da Pública permite que você consulte se seu candidato está na lista de 251 pessoas multadas pelo Ibama. Os partidos de Arthur Lira e de Bolsonaro lideram em candidatos com multas. A reportagem foi republicada na Revista GalileuCarta Capital e repercutida em A Crítica, do Amazonas, e no Clima Info.

Reportagem premiada. A reportagem “Dinheiro público financia poluição por carvão e destruição ambiental no Sul do país”, de Naira Hofmeister, publicada em fevereiro deste ano, ganhou o 1º lugar do Prêmio de Jornalismo AMIG: Mineração em Foco na categoria texto. A reportagem expõe que a queima de combustível fóssil, cuja exploração põe em risco a população, recebeu mais subsídios do governo Bolsonaro do que fontes alternativas de energia. 

Papo de eleição. A partir de amanhã, a Pública passa a ter um programa semanal no Spaces do Twitter para discutir temas relacionados às eleições de 2022. Todas as quintas-feiras às 18h, nossa editora Paula Bianchi vai comandar a conversa com figuras importantes para entendermos os acontecimentos do Brasil e as articulações de candidatos neste período eleitoral. Não perca!

Pública no O Assunto. Nossa diretora executiva Natalia Viana participou do podcast O Assunto, apresentado pela jornalista Renata Lo Prete, em uma conversa sobre a exploração eleitoral da fé. Natalia analisou eventos e estratégias que enfraquecem a democracia, tema dos seus textos na newsletter semanal Xeque na Democracia

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