terça-feira, 6 de setembro de 2022

Agência Pública

 

Os comensais da morte
por Bruno Fonseca

“A culpa é deles mesmos. Aventureiros, irresponsáveis. Menos um pra encher o saco do Brasil”. É com palavras assim que grupos bolsonaristas reagiram ao brutal assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, mortos a tiros no Vale do Javari em junho deste ano.

Não vou mentir para você e dizer que é uma surpresa: ao longo de quase quatro anos cobrindo o governo de Jair Bolsonaro, eu e quase todo jornalista que conheço já nos acostumamos a esperar os comportamentos mais agressivos de apoiadores do presidente, tal qual age o próprio mandatário.

Mas também não deixo de me assustar quando vejo um assassinato sendo celebrado, com emojis de palmas e sorrisos, num grupo que se diz cristão. “Pratique os bons ensinamentos”, diz a descrição de um desses canais. “Defendemos os valores da família”, segue o texto.

Em reportagem para o Sentinela Eleitoral — o projeto da Pública que monitora a desinformação nas eleições deste ano —, mostro os caminhos da campanha de difamação contra Bruno e Dom desde o dia em que o desaparecimento da dupla foi noticiado pela imprensa. Esse movimento foi impulsionado por mentiras e acusações falsas (de que os indígenas teriam assassinado os dois, por exemplo), mas também por conteúdos de veículos de comunicação que apoiam Bolsonaro. Em entrevista à Jovem Pan, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e subordinado de Bolsonaro, Marcelo Xavier, disse que Bruno e Dom não teriam autorização da entidade para entrar na Terra Índigena. Foi a partir dessa entrevista que os grupos passaram a tratar a dupla como invasora e, por isso, merecedora de ser morta.

De vítimas a culpados pelo próprio assassinato — a circulação de mensagens no Telegram bolsonarista foi extremamente rápida para justificar o crime contra Bruno e Dom. Mensagens que surgiam em um grupo logo apareciam no seguinte, em canais de políticos de direita e em listas de transmissão de sites de desinformação. Não por acaso, as mesmas justificativas apareceram também no grupo de empresários que defenderam abertamente um golpe de Estado no Brasil caso Lula seja eleito, como mostrou a coluna do jornalista Guilherme Amado no Metrópoles. 

Além disso, a reportagem da Pública revelou como a campanha de difamação, apesar de ter ocorrido antes do período eleitoral, tinha as eleições no horizonte. As mentiras sobre Bruno e Dom puxaram ataques a Lula e ao PT, gerando pedidos de #Bolsonaro2022. Bolsonaristas também não pouparam críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Senado, enquanto elogiavam o governo e o Exército. 

Talvez um dos aspectos mais cruéis da celebração da morte de Bruno e Dom nos grupos bolsonaristas foi que ela trouxe consigo novos ataques à memória da vereadora Marielle Franco, cujo assassinato no Rio em 2018 completou quatro anos sem ter sido completamente elucidado

Um indigenista, um jornalista e uma mulher negra LGBTQIA+. Os três são pessoas que, em vida, se opuseram ao que defendem o presidente e seus seguidores. Logo, em morte, se tornaram pessoas cujos assassinatos foram celebrados pelos comensais de Bolsonaro.

 
 
Bruno Fonseca é editor e repórter multimídia da Agência Pública.

Rolou na Pública
 

Desinformação no Telegram. A reportagem tema desta newsletter foi republicada no UOLCarta CapitalNúcleo JornalismoBrasil de FatoRevista Galileu e Opera Mundi

Morre uma etnia. Símbolo de resistência dos indígenas isolados, o "Índio do Buraco", último representante de seu povo, foi encontrado morto na última quarta-feira (24), como revelou com exclusividade a Agência Pública na manhã de sábado (27), na coluna do repórter Rubens Valente. A morte foi confirmada somente horas depois pela Funai, numa nota divulgada na tarde do mesmo dia. A notícia foi repercutida internacionalmente em veículos como The GuardianNew York PostBBCCBS e Clarín e nacionalmente na FolhaDWCNNG1, entre outros. 

Senadora, ruralista e herdeira. Após o debate presidencial exibido pela TV Bandeirantes no último domingo (28), a reportagem da Pública sobre a candidata à presidência Simone Tebet (MDB) foi bastante acessada no site e nas redes sociais. A reportagem revela que a senadora é herdeira e proprietária em região de conflito com os Guarani-Kaiowá, e já defendeu indenizações em dinheiro para fazendas em áreas indígenas e suspensão de demarcações. A matéria, publicada no início de julho, foi repercutida nesta semana pela Revista Fórum

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