sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

As justificativas do governo Bolsonaro pra esconder informações de mim — e de você

 

As justificativas do governo Bolsonaro pra esconder informações de mim — e de você
por Bruno Fonseca

Lá nas minhas terras de Minas Gerais existe uma expressão bastante antiga: “cair no conto do vigário” é o mesmo que ser enrolado, feito de bobo, tapeado. Quando você se dá por si, já está lá, “panguando”, enredado na lábia de alguém que dá voltas e voltas sem chegar a lugar nenhum.

Curiosamente, eu me lembrei dessa expressão revendo alguns dos muitos pedidos de Acesso à Informação que fiz durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. Isso porque, em vários deles, quando confrontei ministérios e secretarias com pedidos diretos de informações que deveriam ser públicas, recebi respostas rocambolescas negando o acesso aos dados.

Como explicou Bruno Morassutti, cofundador da Fiquem Sabendo, em entrevista para a Agência Pública, houve um aumento estratégico da imposição de sigilos durante o governo Bolsonaro.

Um dos casos mais emblemáticos foi o processo administrativo do Exército contra o general Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde e agora deputado federal, por ele ter participado de um ato a favor do presidente — se engajar em manifestações políticas é algo proibido para militares da ativa, como era o caso de Pazuello na época. Apesar de ser um trâmite envolvendo um funcionário público e conduzido por um órgão público, o teor do processo foi negado quando solicitado pela Lei de Acesso à Informação e colocado sob sigilo de 100 anos por conter informações pessoais.

Contudo, nem todas as negativas à informação no governo Bolsonaro foram assim, diretas. Em várias situações, os órgãos federais foram bastante criativos ao enviar justificativas que impedissem o acesso a dados públicos.

Uma delas, que já contei na Agência Pública, foi me acusar de estar “pescando informações”. Isso mesmo, ainda no primeiro ano da gestão de Bolsonaro, pedidos de informação que fiz a órgãos como o Itamaraty foram negados com a justificativa de que seriam “fishing expedition”, isto é, que buscavam reunir um “conjunto de documentos não relacionados entre si” para então “selecionar a informação que seria de interesse”. A reportagem levou a um posicionamento categórico da Controladoria Geral da União (CGU) contra a utilização da “pescaria” como critério para negar o acesso à informação.

Já em outra ocasião — e muito antes de Eduardo Bolsonaro viajar até o Catar para levar conteúdos sobre a "situação do Brasil" em pen drives — o Exército Brasileiro havia exigido que eu fosse pessoalmente com um pen drive até o centro do Rio de Janeiro para buscar a resposta a um pedido de informação.

Em junho deste ano, eu havia pedido o detalhamento dos gastos da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). A academia é a “universidade dos militares”, onde se graduam no Ensino Superior. Foi de lá que partiram muitos militares de alta patente que formam o governo Bolsonaro, como o candidato a vice de Bolsonaro, Walter Braga Netto, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Segundo o Exército, o detalhamento das despesas da AMAN “ultrapassa a capacidade da Plataforma Fala.BR, não sendo possível enviar os dados por este sistema”. A solução indicada pelos militares foi retirar os dados in loco, na Praça Duque de Caxias, no centro do Rio, levando “um dispositivo de gravação de multimídia”. E que seria preciso “agendar o horário da retirada da documentação”.

O problema, além da viagem, é que a tenente que deveria atender o telefone para o agendamento não estava em nenhum dos horários em que ligamos.

Durante a pandemia, diversos órgãos do governo federal se recusaram a responder pedidos de informação usando a covid como justificativa. O Itamaraty, novamente, foi um dos que disse que a força de trabalho havia sido reduzida por causa do trabalho remoto e atendimento de serviços essenciais.

Eu tive três pedidos negados pelo Ministério das Relações Exteriores bem no início da pandemia; no início mesmo. Os pedidos foram feitos no dia 3 de março de 2020, quando o Brasil tinha apenas dois casos confirmados de infecção pelo coronavírus e nenhuma morte. Neles, eu requisitei mensagens diplomáticas para os Estados Unidos que tratassem da deportação de brasileiros. Na época, o ex-presidente Donald Trump havia intensificado as prisões e as deportações de imigrantes e Bolsonaro, por sua vez, o defendia: “é um direito daquele chefe de Estado, usando das leis, devolver aqueles nacionais”, disse na época. 

O excesso de trabalho talvez tenha sido a justificativa mais comum para recusar o acesso às informações durante o governo Bolsonaro. Mais uma do Itamaraty: quando questionado sobre as comunicações envolvendo a política alemã de extrema-direta Beatrix von Storch, me informaram que a carga de trabalho para responder a solicitação seria enorme. Enorme mesmo: “235 horas de funcionários diplomáticos ou o equivalente a um diplomata trabalhando por 6 semanas exclusivamente para o fornecimento dessa informação”, disseram.

Como essas horas são calculadas — ou o porquê dessas comunicações não estarem organizadas de forma estratégica para o governo brasileiro — ainda é um mistério. Assim como no conto do vigário, vários desses pedidos entraram numa conversa sem fim de justificativas e recursos que, infelizmente, tiveram desfechos menos positivos durante a era Bolsonaro do que em outros governos.

É justamente a perspectiva de mudança de governo que nos anima para retomarmos essas investigações. Por isso, lançamos a campanha para abrir a caixa-preta do governo Bolsonaro — que precisa do seu apoio — para descobrirmos as informações que foram escondidas pelos vigários que, logo, logo, vão deixar de conduzir a missa.
Bruno Fonseca é editor e repórter da Agência Pública

Rolou na Pública
 

A Pública é hepta. Sete trabalhos de nossa equipe levaram o 39º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, promovido pela OAB-RS e o Movimento de Justiça e Direitos Humanos! Recebemos duas menções honrosas na categoria áudio, uma para o podcast “Até que se prove o contrário” e a segunda para o episódio “Quem lucra com os rios que secam”, do podcast Amazônia Sem Lei. 

Gabaritamos. Na categoria Online do mesmo prêmio, ganhamos o primeiro, o segundo e o terceiro lugar, além de uma menção honrosa! O primeiro lugar foi para a reportagem que revelou que o iFood contratou agências de publicidade para desmobilizar os movimentos de entregadores. Um empate colocou dois trabalhos de nossa equipe em segundo lugar: o Mapa dos Conflitos, feito em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), e a série de reportagens que mostrou como agricultores de tabaco ficam expostos a agrotóxicos que acarretam sofrimento mental. No terceiro lugar ficou a reportagem que mostra que presidiários do Amazonas são pressionados a entrar em facções. A menção honrosa foi para a reportagem que revelou que um militar ligado ao vice-presidente Hamilton Mourão favoreceu mineradoras canadenses na Amazônia. Estaremos em Porto Alegre nesta sexta-feira para a cerimônia de entrega dos prêmios!

Mais prêmios. O Mapa dos Conflitos também ganhou o prêmio Design For a Better World na categoria Design Gráfico, Design Digital, UX e UI. O projeto foi realizado em parceria com a CPT e o design premiado é da Café Art. 

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#CaixaPretaDoBolsonaro. Lançada recentemente, essa é a campanha de arrecadação mais ousada da nossa história. Precisamos do apoio dos nossos leitores para abrir a caixa-preta do governo Bolsonaro e revelar os segredos que eles ainda escondem da população. A campanha já ganhou apoio nas redes de jornalistas e personalidades públicas como Marcelo Rubens PaivaZélia DuncanFlávia OliveiraRosana Hermann e João Paulo Charleaux. Participe também

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