Na Folha,Monica Bergamo noticia que o presidente do BC pode ser exonerado por descumprir metas de inflação. Metas não foram atingidas em 2021 e 2022, mas equipe de Lula sabe que custo de remover Roberto Campos Neto do cargo seria alto. Para o Planalto, ele queimou pontes e perdeu influência para definir diretoria do próprio banco.
Ainda sobre a questão fiscal, vale a leitura do artigo de André Lara Resende, no Valor, apontando a diferença entre a realidade e o propalado risco fiscal. “Independentemente dos fatos e da realidade, decide-se que o risco fiscal é alto”, aponta. Ele diz que os dados de 2022 mostram que “a dívida pública bruta, aquela que os analistas insistem estar numa trajetória explosiva, caiu 1,1% em proporção do PIB, para 73,5%”. Ele ironiza: “Seria de se esperar que os arautos do abismo fiscal reconhecessem que, no mínimo, tinham exagerado o problema fiscal. Mas não, pelo contrário, voltaram com ênfase reforçada, impassíveis diante dos fatos e dos dados”. A íntegra está ao final deste briefing.
GOLPISMO
Nos onlines, o destaque desta manhã é a prisão pela PF do ex-chefe de setor da PM do Distrito Federal e mais três oficiais pelos atos golpistas em 8 de Janeiro. O ex-chefe do Departamento Operacional da Polícia Militar do DF, coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, é um dos detidos. Os outros três são otenente Rafael Pereira Martins; o capitão Josiel Pereira César, ajudante de ordens do comando-geral da PM-DF; e o major Flávio Silvestre de Alencar, que apareceu em imagens liberando acesso para que os invasores entrassem no prédio do STF.
A Folha destaca que o governo Lula agora impõe sigilo a imagens de vandalismo do Planalto. Foi negado pedido via Lei de Acesso à Informação feito pela Folha para obter íntegra das imagens do 8 de janeiro. A alegação é que a divulgação traria riscos para a segurança das instalações presidenciais. O Planalto divulgou oficialmente trechos editados dessas imagens que não permitem analisar a atuação e eventual omissão das forças de segurança no dia 8 de janeiro dentro do palácio, além de priorizar passagens que ligam a imagem dos ataques mais fortemente ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em outra reportagem, a Folha noticia que Bolsonaro criticou nos EUA a prisão de golpistas e diz que punição não têm previsão em lei. Ex-presidente afirma que retornará ao Brasil nas próximas semanas para fazer 'oposição responsável' a Lula. A declaração foi dada em entrevista ao influenciador de direita Charlie Kirk, fundador de uma organização conservadora e apoiador do ex-presidente americano Donald Trump, investigado por envolvimento na invasão ao Capitólio, em 2021. Ele foi o anfitrião do ex-presidente em um evento promovido na sexta-feira.
O jornal também relata que Lula se mudou nesta segunda-feira para o Palácio da Alvorada após 36 dias de mandato. Ele disse que não conseguiu se mudar para a sede residencial do presidente da República logo após assumir o terceiro mandato devido à situação do local deixada Bolsonaro. Lula estava morando em um hotel de luxo na região central de Brasília.
CONGRESSO
A denúncia do Estadão revela que as comissões temáticas do Senado terão R$ 7,6 bilhões em 2023. Mas a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado terá R$ 6,5 bilhões. Em anos anteriores, os valores para comissões foram bem menores. Em 2020, por exemplo, os colegiados tiveram R$ 639,7 milhões. Em 2021, os recursos foram zerados. No ano passado, foram R$ 329,4 milhões. O comando da comissão deve ser definido nos próximos dias.
ÉTICA
Estadão ainda destaca no online que Lula destituiu hoje metade da Comissão de Ética de Bolsonaro após órgão beneficiar ex-ministros. Decisão ocorre após órgão liberar ex-ministros para atuar na iniciativa privada em possível conflito de interesse. O jornal noticiou ontem que a Comissão de Ética da Presidência beneficiou ex-ministros. Dez foram agraciados com quarentena remunerada em R$ 40 mil durante os próximos seis meses, apesar de não terem apresentado propostas formais de emprego. Outros ex-ministros foram liberados da quarentena para trabalharem em empresas que mantêm relação direta com as pastas que chefiavam.
A Comissão de Ética Pública autorizou a ida dos ex-ministros das Comunicações Fábio Faria (PP-RN) e da AGU Bruno Bianco para assumirem cargos no BTG Pactual. O órgão ainda liberou o ex-ministro da Infraestrutura Marcelo Sampaio a trabalhar na Vale, a gigante da mineração que tem portos e terminais em três países.
BRASIL NA GRINGA
O jornal lusitano Público destaca a declaração de Lula, apontando que a tentativa de golpe em janeiro foi uma “revolta dos ricos que perderam a eleição”. “Num discurso na tomada de posse do novo presidente do Banco de Desenvolvimento, o chefe de Estado brasileiro criticou os responsáveis pela invasão de 8 de Janeiro”, ressalta.
“O que aconteceu no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF [Supremo Tribunal Federal] foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições. Nós não podemos brincar, porque um dia o povo pobre pode se cansar de ser pobre e fazer as coisas mudarem nesse país”, disse o chefe de Estado brasileiro.
Lula atribuiu os actos golpistas ao inconformismo da elite com a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições. A PF está a investigar os atos para identificar os participantes, os financiadores e os fomentadores dos ataques às sedes dos três poderes, em Brasília.
Já o português Diário de Notícias repercute as declarações do ex-presidente Jair Bolsonaro, que promete regressar ao Brasil para coordenar oposição. Ele disse que sente a “obrigação” de coordenar as novas lideranças da direita “para que o Brasil não mergulhe de vez no socialismo ou no comunismo”. Ele criticou a decisão de manter quase 1.000 pessoas presas por terem participado nos ataques às sedes dos três poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro.
Ex-correspondente do Guardian no Brasil, Jonathan Watts entrevista a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que defende uma investigação de Bolsonaro pelo crime de genocídio. “Ministra do Meio Ambiente pede que ex-presidente seja responsabilizado enquanto se prepara para enfrentar garimpeiros ilegais”, destaca o diário britânico.
“Nos próximos dias, policiais armados e agentes de proteção ambiental lançarão a primeira de uma série de operações de avião e helicóptero para expulsar milhares de garimpeiros, que proliferaram no território indígena Yanomami no Brasil durante o governo Bolsonaro, contaminando rios amazônicos, destruindo a floresta e conduzindo a pior crise de saúde do Brasil na memória viva”, escreve Watts.
A reportagem aponta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou estado de emergência recentemente depois que surgiram fotos de crianças e idosos famintos e desnutridos na região. “A plataforma de notícias Sumaúma revelou que 570 crianças Yanomami morreram de doenças evitáveis durante o mandato de Bolsonaro, um aumento de 29% em relação aos quatro anos anteriores”, informa.
INTERNACIONAL
O terremoto na Síria e Turquia, que deixou milhares de mortos, é o destaque do dia na imprensa internacional. O New York Times destaca em manchete: Uma região marcada por sobreviventes. O jornal alardeia que morreram mais de 4.300 pessoas. Sobreviventes desesperados escavam os escombros com pás e com as próprias mãos, na esperança de encontrar seus entes queridos.
Outro diário financeiro a tratar da tragédia é o britânico Financial Times: Terremotos na Turquia e na Síria deixam milhares de mortos. O presidente turco, Recep Erdogan, disse que, à medida que os esforços de remoção continuam, “não podemos saber até que ponto o número de mortos e feridos aumentará”. O jornal diz que o terremoto foi o “maior terremoto em 84 anos” e tremores também foram sentidos no Egito.
O Guardian, da Inglaterra, também coloca o tema na manchete: 'Catastrófico': milhares de mortos após terremoto atingir Turquia e Síria. O jornal relata que missões internacionais de resgate estavam correndo para a Síria e a Turquia na segunda-feira, depois que a região foi atingida pelo terremoto mais forte em pelo menos um século. O jornal diz que um terremoto de magnitude 7,8 ocorreu na escuridão de uma manhã de inverno e foi seguido por um segundo terremoto de magnitude 7,7 no meio do dia..
O Times destaca na manchete que o terremoto gigante matou milhares enquanto dormiam. O jornal informa que o número de mortos após o terremoto deve aumentar, em uma região que já sofre com a guerra e uma crise de refugiados. A Organização Mundial da Saúde disse que o número total pode aumentar oito vezes. O diário inglês mostra na capa a foto de uma garota sendo carregada por uma multidão depois de ser resgatada de um prédio que desabou em Diyarbakir, na Turquia.
Independentemente dos fatos e da realidade, decide-se que o risco fiscal é alto
André Lara Rezende | Valor
Depois de tanto ouvir os economistas e a mídia martelarem insistentemente o problema do déficit público, da insustentabilidade da dívida, que estaria numa trajetória explosiva, que o país estaria à beira de um abismo fiscal, saíram os números das contas públicas relativos ao ano passado. Pasmem: houve um superávit de R$ 126 bilhões, equivalente a 1,3% do PIB. A dívida pública bruta, aquela que os analistas insistem estar numa trajetória explosiva, caiu 1,1% em proporção do PIB, para 73,5%. Seria de se esperar que os arautos do abismo fiscal reconhecessem que, no mínimo, tinham exagerado o problema fiscal. Mas não, pelo contrário, voltaram com ênfase reforçada, impassíveis diante dos fatos e dos dados.
Vejamos o que diz a Carta Macroeconômica do Itaú divulgada agora em 31 de janeiro. O texto é em inglês para seus clientes e “investidores” estrangeiros. A tradução é minha: “Na nossa visão, o superávit primário e a queda da dívida pública em 2022 são devidos a fatores temporários, ou a aqueles que terão um menor impacto este ano, tais como o elevado volume de receitas extraordinárias, um forte crescimento, a alta inflação e o preço das commodities”. E para não correr risco de ser mal compreendido e perder a oportunidade de voltar a assustar, prossegue: “A implementação do PEC da Transição implica um significativo aumento do gasto público em 2023, confirmando a perspectiva da volta do crescimento da dívida pública. Na ausência de medidas corretivas, este cenário poderá levar a um novo ciclo de baixo crescimento, alta inflação e altas taxas de juros”.
Juros altos premiam os rentistas e inviabilizam os investimentos na expansão da capacidade produtiva
O Valor de 1 de fevereiro estampou a manchete: “Piora do risco fiscal leva juro real à maior taxa desde 2016”. No mesmo dia, o editorial da Folha de São Paulo, “Dívida alta, juro alto”, destaca em caixa alta: “Ataque a rentistas - a população que poupa e empresta ao governo - não resolverá o problema”.
Como dizia Nelson Rodrigues, antecipando o mundo dos “fatos alternativos”, se os fatos não confirmam, pior para os fatos, mas vamos aos fatos. A dívida pública brasileira não é alta. É muito mais baixa do que a dos países desenvolvidos e em linha com os países em desenvolvimento, mas com duas diferenças cruciais: é toda em moeda nacional, detida por residentes e o país ainda tem quase 20% do PIB em reservas internacionais.
O Brasil não tem dívida externa, só dívida interna, denominada em moeda nacional e carregada pelos rentistas, ou a população que poupa, como preferem alguns. Quem tem renda de ativos financeiros não é inimigo da pátria, mas faz parte da parcela privilegiada da população. Não são investidores, como gosta de denomina-los a mídia e os economistas do mercado financeiro, são rentistas, o que também não é crime, mas preciso distinguir entre quem aplica sua riqueza, herdada, conquistada ou poupada, em ativos financeiros para ter renda sem correr riscos e quem verdadeiramente investe em capital físico, organizacional e intelectual, e contribui para o aumento a capacidade produtiva do país.
A taxa de juros básica, que é piso e referência para todas as demais taxas de juros no país é determinada pelo Banco Central. Repito, a taxa básica é integralmente controlada pelo Banco Central. As taxas para prazos mais longos são fixadas pelo mercado, instituições financeiras que operam com a dívida pública, com base nas estimativas que fazem da trajetória futura da taxa básica a ser fixada pelo BC. Se quisesse, o BC poderia fixar toda a estrutura a termo das taxas da dívida, como já faz há anos o Banco do Japão, e acabar com as pressões alarmistas para elevar ainda mais a já injustificavelmente alta taxa básica, em nome de um “risco fiscal” inexistente.
A dívida pública interna é um passivo do Estado e um ativo - líquido e sem risco - do setor privado. Assim como a moeda, a dívida pública presta um serviço aos poupadores, às empresas, aos ricos, aos rentista e a todos os agentes na economia que precisam transferir poder aquisitivo no tempo sem correr riscos. Se o Estado se tornasse subitamente - ou milagrosamente como preferirão dizer seus críticos - superavitário e a dívida pública fosse integralmente resgatada, a economia teria sérias dificuldades para se manter saudável. Assim como no caso de uma súbita contração monetária, muito provavelmente, entraria em profunda recessão. A moeda e a dívida pública interna são um bem público indispensável ao bom funcionamento da economia.
Sei bem que essa não é a visão convencional e dominante, mas é a que corresponde à realidade do mundo com moeda fiduciária. Tem uma longa e admirável tradição intelectual desde Aristóteles. Na história recente do pensamento econômico, tem representantes na “banking school” inglesa do século 19, passando por Wicksell, Schumpeter, Ingham, Abba Lerner, Minsky, entre muitos outros, quase sempre mantidos à margem das ideias convencionalmente aceitas.
Aqueles que entenderam a moeda não como uma mercadoria, mas como um serviço público, uma unidade de conta fiduciária, como um ativo que poderia ser usado para pagar os impostos, deveriam ter finalmente sido vindicados pelo desaparecimento da moeda física e a desmoralização da relação entre quantidade de moeda e o nível de preços, depois do Quantitative Easing.
Eu poderia me alongar sobre os equívocos da visão convencional, tema que já tratei em diversos artigos ao longo dos últimos anos, mas não vale a pena. João Moreira Salles abre a introdução do seu recém publicado “Arrabalde: em busca da Amazônia” (Cia das Letras, 2022) afirmando que é difícil compreender quando não se presta atenção. Mais à frente, no livro, leitura obrigatória para entender o drama do descaso com a floresta, cita Simone Weil, a pensadora francesa, para quem a atenção é a forma mais rara e pura da generosidade.
No mundo contemporâneo, a atenção se tornou ainda mais difícil. Para os temas técnicos, que além da atenção exigem reflexão, sem parti pris, é praticamente impossível. Para falar da teoria monetária e da taxa de juros, tema que além de técnico é motivo de velhas controvérsias e de posições cristalizadas, é caso perdido. Perde-se o leitor já nas primeiras linhas.
Meu objetivo é mais modesto. Quero que o leitor se pergunte porque, mesmo diante de resultados muito mais favoráveis do que o esperado, os analistas e a mídia redobram sua histeria em relação ao tal do “risco fiscal” e clamam por juros ainda mais altos. A razão é a PEC da Transição, o terceiro governo Lula, dirão. A PEC da Transição autorizou despesas em torno de 2% do PIB. A alta da taxa básica de juros, promovida por canetadas do BC desde o início de 2021, custou quase o dobro desses 2% do PIB, só em 2022. Faz sentido?
Alguns dias depois da divulgação do resultado fiscal de 2022, o Copom decidiu manter inalterada a taxa básica em 13,75%. Como reportou o Valor, “com um tom mais duro em relação ao risco fiscal, disse que avalia manter a taxa por mais tempo”. O BC sustenta que a conjuntura “particularmente incerta no âmbito fiscal e as expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos” exigem a manutenção da taxa por mais tempo do que o previsto, ao menos até o final do ano.
Ou seja, mais uma vez, em nome do “risco fiscal” e da “ancoragem das expectativas”, a extraordinária taxa básica será mantida. O Brasil continuará a ter a taxa real, descontada a inflação, mais alta do mundo, quase 8% ao ano. A razão? A necessidade de ancorar as expectativas. Expectativas de quem? Do mercado financeiro, divulgadas pelos seus próprios analistas. Por que estariam desancoradas? Por causa do risco fiscal que eles mesmo decretaram ser muito alto e se encarregam de propagar por toda a mídia.
Ou seja, independentemente dos dados e da realidade, decide-se que o risco fiscal é alto. Estipula-se que o risco fiscal determina as expectativas de alta da inflação e que a alta dos juros irá reverter o quadro. Como? Não fica claro, dado que a alta dos juros aumenta o serviço da dívida e agrava o risco fiscal. Pouco importa, todo mundo sabe que expectativas desancoradas provocam inflação e que juros altos controlam a inflação. Portanto, é preciso manter os juros altos, premiar os rentistas e inviabilizar os verdadeiros investimentos na expansão da capacidade produtiva, na infraestrutura e na descarbonização da economia.
Como disse recentemente James Galbraith, que tem longa experiência no questionamento da teoria convencional, é impossível argumentar com base nos fatos e na lógica contra o que “todo mundo sabe”. Começo a achar que ele tem razão.
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