quarta-feira, 12 de abril de 2023

Agência Pública

 


Na newsletter de hoje, convidamos a Giovana Girardi, nova chefe da cobertura socioambiental da Pública, a se apresentar para você! Giovana é referência na cobertura de ciência e meio ambiente e já atuou como repórter no Estadão e na Folha de S. Paulo e como editora nas revistas Scentific American e Galileu. Ela também lançou em 2022 o podcast "Tempo Quente" pela Rádio Novelo. 

Em sua estreia na newsletter dos Aliados, ela relembra como começou na cobertura de ciência e meio ambiente e te conta sobre os principais desafios que precisamos encarar para investigar um dos temas mais urgentes do nosso tempo. 

Dê suas boas vindas à Giovana respondendo este email! Todas as mensagens serão enviadas a ela e algumas irão para a seção Cartas dos Aliados desta newsletter.

Abraços, 

Giulia Afiune
Editora de Audiências da Pública
Investigar hoje, em nome do amanhã
por Giovana Girardi
 
Costumo dizer que trabalho com jornalismo de ciência e meio ambiente há mais tempo do que gosto de admitir. Praticamente em quase toda a minha carreira eu flutuei entre esses temas, às vezes com mais foco no primeiro, às vezes, no segundo, muitas vezes navegando pelas interfaces entre os dois.

Pensando em como começar este texto, fui provocada a me lembrar da primeira reportagem que escrevi com essa temática. Não estou bem certa de qual foi, mas me veio à cabeça uma história dos idos de 1996 ou 1997. Eu ainda estava na faculdade de jornalismo, escrevia para um jornal local de São Bernardo do Campo, no Grande ABC, e fui pautada para contar a história de quem vivia no Lixão do Alvarenga. 

Localizado na bacia hidrográfica da represa Billings, um dos maiores reservatórios de água da Região Metropolitana de São Paulo, o lixão era, sob diversos aspectos, um enorme problema. Lembro da gente chegando de carro. Havia olheiros no topo do morro. Era literalmente uma montanha de lixo, com chorume escorrendo em direção ao reservatório e pessoas morando no entorno. Não eram catadores eventuais, mas gente que vivia ali. O Alvarenga não era só um lixão, mas um bairro.

Além dessa imagem, infelizmente não me lembro muito mais da matéria, exceto por um personagem: um senhor que criava porcos em meio ao lixo. Pedi para conversar com ele, estendi a mão para cumprimentá-lo e ele recuou. Seus braços e mãos estavam cobertos de uma pasta branca, que imaginei ser banha. Perguntei se ele não se preocupava com a contaminação. Me lembro de ele dizer que não. E que seus porcos eram “limpinhos”.
 
O lixão do Alvarenga foi desativado em 2000, mas até hoje não foi feita a remediação da área. Naquela época, muito antes da aprovação em 2010 da lei que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, ainda era bem comum encontrar lixões a céu aberto no Brasil. A situação melhorou desde então, mas 39% dos resíduos coletados no país ainda têm destino inadequado e vão parar em lugares como lixões ou os chamados "aterros controlados", segundo dados do Panorama Nacional de Resíduos Sólidos, da Abrelpe, de 2022. Eram 59,5% em 2003, primeiro ano do levantamento. 

Achei curioso eu me lembrar dessa história ao escrever essa cartinha para vocês, Aliadas e Aliados, porque coincidentemente ela tem muito a ver com os princípios da Agência Pública e da cobertura que pretendemos fortalecer ainda mais daqui pra frente. 

A Pública inovou ao fazer um jornalismo investigativo independente que tem como princípio "a defesa intransigente dos direitos humanos”. E, desde o seu início, em 2011, ficou evidente que parte importante das violações dos direitos humanos no Brasil, em especial quando afetam povos originários e tradicionais, se dá no contexto de violações também ambientais. Essa sobreposição de violações acontece principalmente na Amazônia, região onde concentramos nossa cobertura socioambiental.

Há dois anos, a Pública se embrenhou na cobertura da emergência climática, que pode ser pensada por muitas vertentes – econômica, ambiental, de relações internacionais, científica –, mas sem dúvida trata-se também de uma violação dos direitos humanos. 

Quando eu fui ao lixão do Alvarenga, eu tentava assimilar aquela situação basicamente pelo ponto de vista social. Entendia, claro, que havia um problema ambiental ali, mas eu tendia a vê-lo como consequência. A origem do problema era humana. 

Precisei de alguns bons anos de jornalismo para entender que o sócio e o ambiental – e também o econômico e o político – andam juntos. Não dá para resolver um sem o outro. E um retroalimenta o outro, para o bem ou para o mal. Infelizmente ainda é meio regra na imprensa dividir os temas em caixinhas. Uma editoria para cada coisa. Ambiente ficou junto com Ciência e é tratado como se fosse independente do resto. Não é. E a emergência climática mistura tudo isso ainda mais.
 
Cientistas costumam explicar que as mudanças climáticas não vão criar novos problemas, mas agravar os que já existem, como secas, enchentes e alagamentos, por exemplo. Cidades que já sofrem com isso podem ter eventos ainda mais extremos, piorando contextos de fome, falta de saneamento básico e de moradia, entre outros. 

Outra noção muito clara que a ciência já tem é que, apesar de as mudanças climáticas serem democráticas, por afetarem todos nós, vão atingir mais fortemente aqueles que hoje já são mais vulneráveis. Hoje a gente tem nomes para compreender isso: racismo ambiental, justiça climática.

Ao assumir a chefia da cobertura de emergência climática e de temas socioambientais da Pública, encaro o desafio de expandirmos a forma de contar a história do que, provavelmente, é o maior problema que temos a enfrentar como humanidade. O aumento dos casos de eventos extremos pelo país, a necessidade urgente de nos adaptarmos a eles, as pressões internas e externas para combatermos o desmatamento, conservar ecossistemas e, ao mesmo tempo, desenvolver populações que estão à margem fazem desses temas os mais prementes da nossa época.

Nesse meio tempo, ainda temos de aprender a combater uma máquina de desinformação que se espalhou pelo país e pelo mundo, e a investigar as forças político-econômicas que estão ganhando com a inação sobre todos esses problemas. 

Os desafios são muitos e urgentes, uma vez que os efeitos da emergência climática já podem ser sentidos na pele em todo canto. Para te ajudar a compreender tudo isso, lançamos uma nova newsletter semanal chamada "Antes que seja tarde", em que você vai poder acompanhar nossa cobertura socioambiental e refletir sobre os caminhos que estamos traçando enquanto sociedade para lidar com essa emergência. Te convido a assinar a newsletter e participar do debate! Afinal, ele afeta o futuro de todos nós.

 
Giovana Girardi é chefe da cobertura socioambiental da Agência Pública

Rolou na Pública
 

Amazônia em pé e gerando renda. Conheça a Flona do Tapajós, um modelo que combina turismo florestal, manejo de madeira e venda de produtos não madeireiros, como artesanatos e sementes, um exemplo da chamada "economia da sociobiodiversidade". Nossa reportagem sobre a Flona do Tapajós foi republicada na Revista Amazônia e no Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas, além de ter sido indicada na newsletter do ClimaInfo

Café da manhã com Lula. A repórter Alice Maciel participou de um café da manhã do presidente Lula com jornalistas no Palácio do Planalto na última quinta-feira, 6 de abril. Na ocasião, Lula disse que aguarda o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, lhe enviar a minuta do decreto para recriar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta no governo Bolsonaro.

La ultraderecha brasileña. A entrevista com o pesquisador do Centro de Estudos do Antissemitismo de Jerusalém Michel Gherman sobre como a extrema-direita brasileira se apropriou de símbolos judaicos foi traduzida e republicada pelo Interferencia, nosso veículo parceiro de republicações do Chile.

Direitos indígenas violados. Levantamento inédito da Agência Pública mostrou que trinta fazendas foram certificadas dentro de terras indígenas apenas nos três primeiros meses deste ano. O governo Bolsonaro havia liberado o registro de fazendas em terras indígenas, mas a medida ainda não foi derrubada por Lula. A reportagem foi republicada no Jornal do Brasil, no Brasil 247 e no Instituto Socioambiental.

Nenhum comentário:

Postar um comentário