segunda-feira, 23 de julho de 2012

O colapso da economia estadunidense


O colapso da economia americana
Paul Craig Roberts

Na recente crônica “Pode o Mundo Sobreviver ao Caos Americano?”, prometi analisar a hipótese de a economia americana entrar em colapso antes da ambição americana de hegemonia mundial conduzir ao confronto militar com a Rússia e a China. Trata-se de uma questão a prosseguir analisando, uma vez que esta crônica não vai trazer a resposta final.
Washington tem estado em guerra desde outubro de 2001, quando o presidente George W. Bush cozinhou um pretexto para ordenar a invasão do Afeganistão. Esta guerra tornou-se menos visível quando Bush cozinhou novo pretexto para ordenar a invasão do Iraque em 2003, guerra esta que prosseguiu sem êxito significativo durante 8 anos e que deixou o Iraque no caos com dezenas de mortos e feridos diariamente, com um novo homem forte no lugar do anterior ilegalmente executado e com toda a probabilidade da violência em curso redundar em guerra civil.
Depois da sua eleição, o presidente Obama enviou irresponsavelmente mais tropas para o Afeganistão e renovou sem qualquer êxito a intensidade dessa guerra, agora no seu décimo primeiro ano.
Estas duas guerras saíram caras. De acordo com a estimativa de Joseph Stiglitz e Linda Bilmes, feitas todas as contas, a invasão do Iraque custou aos contribuintes americanos 3 bilhões de dólares. O mesmo para a guerra do Afeganistão. Em outras palavras, duas guerras irresponsáveis duplicaram a dívida pública americana. É esta a razão pela qual não há dinheiro para a Previdência Social, Sistema de Saúde, vale refeição, ambiente e rede de segurança social.
Os americanos não ganham nada com as guerras, muito pelo contrário, já que a dívida de guerra nunca vai ser paga, eles e os seus descendentes terão que pagar perpetuamente os juros de 6 trilhões de dólares.
Não satisfeito com essas guerras, o regime de Bush e Obama conduz operações militares violando a lei internacional no Paquistão, no Iêmen e na África, organizou a destituição do governo da Líbia através de um conflito armado, trabalha na destituição do governo sírio e continua a acumular forças militares contra o Irã.
Achando que os inimigos muçulmanos que arranjou não lhe chegam para as suas energias e orçamento, Washington começou a cercar a Rússia de bases militares e iniciou o cerco à China. Washington anunciou que o grosso das suas forças navais será desviado para o Pacífico nos próximos anos e está tratando de restabelecer a base naval nas Filipinas, construir uma nova numa ilha sul-coreana, adquirir uma base naval no Vietnam e bases aéreas e de tropas algures na Ásia.
Washington tenta comprar na Tailândia, através da corrupção habitual, uma base aérea utilizada na guerra do Vietnam. Existe oposição, visto que o país não quer ser lançado num conflito orquestrado por Washington contra a China. Escondendo a verdadeira razão da base aérea e de acordo com a imprensa tailandesa, Washington informou ao governo do país que a base era necessária para “missões humanitárias.” Como isto não pegou, Washington encarregou a NASA de pedir a base para conduzir “experiências meteorológicas.” Resta saber se este ardil vai resultar. Foram enviados fuzileiros navais dos EUA para a Austrália e para outros locais da Ásia.
Encurralar a China e a Rússia (e o Irã) é tarefa de monta para um país financeiramente arruinado. Com salvamentos de bancos prevaricadores e com guerras, Bush e Obama duplicaram a dívida pública americana ao mesmo tempo em que não conseguiram evitar a desagregação da economia americana e as dificuldades crescentes dos cidadãos americanos.
Emprego (excluído governamental, agricultura e trabalho doméstico)
Níveis ajustados sazonalmente a junho de 2012

O déficit anual do orçamento dos EUA soma-se à dívida acumulada de cerca de 1,5 trilhão de dólares por ano, sem perspectivas de diminuição. O sistema financeiro está falido e exige contínuos resgates. A economia está em ruínas e tem sido incapaz de criar empregos bem pagos ou mesmo quaisquer empregos. Apesar de vários anos de crescimento populacional, o emprego em meados de 2012 é o mesmo de 2005 e substancialmente abaixo de 2008. No entanto, o governo e a mídia dizem que temos recuperação em marcha.
De acordo como o Gabinete de Estatísticas do Trabalho, o emprego em 2011 estava apenas 1 milhão acima de 2002. Dado que são necessários 150.000 novos empregos todos os meses para equilibrar o crescimento populacional, isso deixa-nos ao fim de uma década com um déficit de 15 milhões de empregos.
O emprego nos EUA e a taxa de inflação são muito mais elevados do que o anunciado. Em crônicas anteriores, expliquei com base no trabalho estatístico de John Williams as razões pelas quais os números anunciados pelo governo são graves falsidades. A taxa de desemprego principal de 8,2% não conta com os trabalhadores que desistiram de procurar trabalho. O governo tem uma segunda taxa de desemprego, raramente referida, que inclui os trabalhadores que desistiram de procurar trabalho no curto prazo. Essa taxa é de 15%. Quando a essa se adiciona os de longo prazo, a atual taxa de desemprego é de 22%, um número mais próximo da taxa de desemprego na Grande Depressão do que das recessões do pós-guerra.

Crescimento anual do PIB – Oficial vs. SGS
(Shadow Government Statistics = Estatísticas do Governo Sombra – N.T.)
Variação Anual até ao 1º quadrimestre de 2012 (SGS, BEA)

As alterações no modo como a inflação é medida destruíram o Índice de Preços no Consumidor (IPC) como medida do custo de vida. A nova metodologia baseia-se na substituição. Se o preço de determinado item no índice sobe, é substituído por uma alternativa de preço inferior. Além disso, alguns aumentos de preços são considerados por melhoria de qualidade, quer o sejam quer não, e assim não aparecem no IPC. As pessoas têm que pagar preço mais elevado, mas não é considerado inflação.
Atualmente, a taxa de inflação baseada na substituição é cerca de 2%. No entanto, se a inflação for medida como custo de vida, a taxa é 5%.
O Índice de Miséria é a soma das taxas de inflação e de desemprego. O nível do atual Índice de Miséria depende de se usarem as novas medidas enganadoras, que disfarçam a miséria, ou a antiga metodologia que a mede com rigor.
Antes das eleições de novembro de 1980, o Índice de Miséria alcançou 22%, uma das razões para a vitória de Reagan sobre o presidente Carter. Se usarmos a mesma metodologia, o Índice de Miséria está hoje em 27%, mas se usarmos a metodologia distorcida é 10%.
O disfarce da inflação serve para aumentar o PIB, calculado em dólares correntes. Para se determinar se o PIB aumentou devido ao aumento dos preços ou devido ao aumento real da produção, o PIB tem que ser ponderado pelo Índice de Preços no Consumidor (IPC). Quanto mais elevada a taxa de inflação, menor o crescimento real e vice-versa. Quando se usa a metodologia baseada na substituição para medir a inflação, a economia americana teve um crescimento real no séc. XXI, exceto uma queda abrupta em 2008/2010. Contudo, se utilizarmos a metodologia baseada no custo de vida, a economia americana não teve crescimento real desde 2000, exceto durante 2004.
No gráfico acima, a medição mais baixa do PIB real (azul) está corrigida pela inflação segundo a metodologia do custo de vida. A medição de cima (vermelha) pondera o PIB segundo a nova metodologia de substituição.
A falta de empregos e de crescimento real do PIB vão a par com o declínio do rendimento doméstico real médio. O aumento da dívida dos consumidores substituiu a falta de crescimento do rendimento e manteve o andamento da economia até os consumidores esgotarem a sua capacidade para se endividarem mais.

Índice de Rendimento Doméstico Real Médio (nível mensal)
Até Março de 2012, ajustado sazonalmente

Com os consumidores esgotados, as perspectivas de recuperação econômica são fracas. Os políticos e a Reserva Federal as estão tornando ainda piores. Numa altura de elevado desemprego e endividamento familiar, os políticos a nível local, estatal e federal estão cortando na provisão governamental para cuidados de saúde, pensões, vale alimentação, subsídios de alojamento e todos os elementos da rede de segurança social. Estes cortes reduzem evidentemente ainda mais o conjunto da procura e a capacidade dos americanos de fracas posses sobreviverem.
A Reserva Federal tem taxas de juro tão baixas que os aposentados e pensionistas e outros que vivem das economias não ganham nada com o seu dinheiro. As taxas de juro pagas aos títulos de investimento e do Tesouro Nacional ou das ações ordinárias são mais baixas que a inflação. Para viver dos rendimentos, uma pessoa tem que comprar títulos da dívida da Grécia, da Espanha ou da Itália e correr o risco da perda do capital. A política da Reserva Federal de taxas de juro negativas obriga os reformados a gastarem o seu capital para conseguirem viver. Em outras palavras, a política da Reserva Federal é destruir as poupanças pessoais, uma vez que as pessoas são obrigadas a gastar o seu capital para cobrirem as despesas vitais.
Em junho de 2012, a Reserva Federal anunciou que continuaria a sua política de redução das taxas de juro nominais, desta vez centrando-se nos certificados do Tesouro a longo prazo. A Reserva Federal afirmou que compraria US$ 400 bilhões de certificados do Tesouro a 30 anos.
Reduzir as taxas de juro significa aumentar o preço dos certificados. Com certificados do Tesouro a 5 anos pagando apenas 0,7% e os certificados a 10 anos com a remuneração de apenas 1,6%, abaixo da taxa oficial de inflação, os americanos mais necessitados de rendimentos passam para os certificados a 30 anos, atualmente pagando 2,7%. No entanto, preços de certificados elevados significam que o risco de perda do capital é muito elevado.
A monetarização da dívida pela Reserva Federal, ou uma queda no valor cambial do dólar devido ao seu abandono por outros países para equilibrarem o balanço de pagamentos, poderia desencadear inflação e levar as taxas de juro para fora do controle da Reserva Federal. Aumentando as taxas de juro, diminuem os preços das obrigações. Em outras palavras, os certificados são agora a bolha que o imobiliário, os stocks e os derivados foram anteriormente. Quando esta bolha estourar, os americanos sofrerão mais um abalo nas suas poupanças remanescentes.
Não faz sentido investir em obrigações de longo prazo a taxas de juro negativas quando o governo federal acumula dívida que a Reserva Federal monetariza e quando outros países fogem de uma inundação de dólares. O potencial para uma taxa de inflação crescente é elevado a partir da monetarização da dívida e de uma queda do valor de câmbio do dólar. No entanto, os gestores das carteiras de fundos de obrigações têm que seguir a manada para vencimentos no mais longo prazo, sob pena do seu desempenho relativamente aos colegas cair para o fundo da tabela de avaliações.
Alguns investidores individuais e bancos centrais estrangeiros, antecipando a perda de valor do dólar, estão acumulando lingotes de ouro e prata. Percebendo o perigo para o dólar e para a sua política que resultou da subida rápida do preço dos lingotes durante 2011, a Reserva Federal preparou uma ação de neutralização. Quando a procura de metal precioso fizer aumentar o seu preço, fazem-se pequenas vendas do mesmo no mercado de valores para fazer o preço baixar de novo.
Do mesmo modo, quando os investidores começarem a fugir das emissões do Tesouro, provocando assim uma subida das taxas de juro, J.P.Morgan e outras dependências da Reserva Federal vendem swaps (operações em que há troca de posições quanto ao risco e rentabilidade, entre investidores. O contrato de troca pode ter como objeto moedas, commodities ou ativos financeiros), eliminando o efeito das taxas de juro nas vendas de obrigações (lembrar que as taxas de juro aumentam quando o preço das obrigações caem e vice-versa).
O interesse desta informação é mostrar que, exceto para os do “1 por cento”, o rendimento e a riqueza dos americanos estão sendo desbastados em toda a linha. De 2002 a 2011, a economia perdeu 3,5 milhões de empregos industriais. Foram substituídos por profissões mais mal pagas, como empregos de balcão (1.189.000), serviço de cuidados de saúde ambulatórios (1.512.000) e assistência social (578.000).
Estas profissões de substituição de serviços domésticos significam que o rendimento do consumidor americano está em termos líquidos abandonando o país. A procura agregada potencial retraiu nos EUA o valor correspondente às diferenças de remuneração entre as categorias profissionais. Clara e indiscutivelmente, a mobilidade das profissões fez descer o rendimento disponível nos EUA e o PIB americano e portanto o emprego.
Apesar da falta de base econômica, as aspirações hegemônicas de Washington continuam as mesmas. Os outros países admiram-se com a inconsciência americana. A Rússia, a China, a Índia, o Brasil e a África do Sul estão criando um acordo para abandonarem o dólar americano como moeda de pagamento internacional entre si.
No dia 4 de julho de 2012, o China Daily anunciava: “Políticos japoneses e conhecidos universitários da China e do Japão pressionaram Tóquio para abandonar a sua desatualizada política externa de ligação ao Ocidente e aceitar a China como parceiro-chave tão importante como os Estados Unidos. O Consenso de Tóquio, declaração conjunta no final do Fórum Pequim-Tóquio, também apelou a que ambos os países expandam o comércio e promovam um acordo de livre comércio para a China, Japão e Coreia do Sul. Isto significa que o Japão está no jogo.
O governo chinês, mais inteligente que o americano, responde às ameaças militares de Washington seduzindo os dois aliados estratégicos asiáticos dos EUA. Dado que a economia chinesa é agora tão importante como a dos EUA e assente em bases bem mais firmes e como o Japão tem agora mais comércio com a China do que com os EUA, a sedução é atraente. Além disso, a China está próxima e Washington longe e se afogando na sua presunção.
Com a sua arrogância, com guerras gratuitas e ilegais e com a sua afirmação do direito a assassinar os seus próprios cidadãos e de aliados como o Paquistão, Washington ignora a lei internacional e as suas próprias leis e Constituição e transformou os Estados Unidos num estado pária.
Washington ainda controla os seus fantoches subservientes da OTAN, mas estes fantoches andam alarmados com os problemas da dívida dos derivados com origem em Wall Street e pelos problemas da dívida soberana, parte dos quais camuflados pelo Goldman Sachs da Wall Street.
A Europa está nas lonas e não tem dinheiro para subsidiar as guerras de hegemonia de Washington.
Washington está se tornando um elemento isolado e desprezado da comunidade mundial. Comprou a Europa, o Canadá, a Austrália, o antigo estado soviético da Geórgia (e quase a Ucrânia) e a Colômbia, e continua tentando comprar o mundo inteiro, mas a opinião está se virando contra o estado da crescente Gestapo que se revelou sem lei, impiedoso e indiferente ou mesmo hostil à vida humana e aos direitos humanos.
Um governo cujas tropas com a ajuda do Reino Unido foram incapazes de ocupar o Iraque depois de oito anos, sendo forçado a terminar o conflito pondo os “revoltosos” na lista de pagamentos dos EUA e pagando-lhes para pararem de matar soldados americanos, e cujos militares foram incapazes de dominar poucos milhares de talibãs mal armados ao cabo de 11 anos, exorbita quando pretende organizar a guerra contra o Irã, a Rússia e a China.
A única perspectiva que Washington tem de prevalecer em tal aventura é o uso primeiro de armas nucleares, apanhando os demonizados adversários desprevenidos com bombardeios de surpresa. Ou seja, pela eliminação da vida na Terra. É este o programa de Washington revelado pelo militarista neoconservador Bill Kristol, que não teve vergonha de perguntar publicamente: “Para que serve o armamento nuclear se não o podemos usar?”



Fonte: http//www.paulcraigroberts.org

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