Os aviões não pilotados: a violação
mais covarde dos direitos humanos
por Leonardo Boff
Adital
15/12/2013
Vivemos num mundo no qual os direitos humanos são violados, praticamente em
todos os níveis, familiar, local, nacional e planetário.
O Relatório Anual da Anistia Internacional de 2013 com referência a 2012
cobrindo 159 países faz exatamente esta dolorosa constatação. Ao invés de
avançarmos no respeito à dignidade humana e aos direitos das pessoas, dos povos
e dos ecossistemas estamos regredindo a níveis de barbárie. As violações não
conhecem fronteiras e as formas desta agressão se sofisticam cada vez mais.A forma mais covarde é a ação dos "drones”, aviões não pilotados que a partir de alguma base do Texas, dirigidos por um jovem militar diante de uma telinha de televisão, como se estivesse jogando, consegue identificar um grupo de afegãos celebrando um casamento e dentro do qual, presumivelmente deverá haver algum guerrilheiro da Al Qaeda. Basta esta suposição para com um pequeno clique lançar uma bomba que aniquila todo o grupo, com muitas mães e crianças inocentes.
É a forma perversa da guerra preventiva, inaugurada por Bush e criminosamente
levada avante pelo Presidente Obama que não cumpriu as promessas de campanha com
referência aos direitos humanos, seja ao fechamento de Guantánamo, seja à
supressão do "Ato Patriótico”(antipatriótico) pelo qual qualquer pessoa dentro
dos USA pode ser detida por suspeita de terrorismo, sem necessidade de avisar a
família. Isso significa sequestro ilegal que nós na América Latina conhecemos de
sobejo. Verifica-se em termos econômicos e também de direitos humanos uma
verdadeira latino-americanização dos USA no estilo dos nossos piores momentos da
época de chumbo das ditaduras militares. Hoje, consoante o Relatório da Anistia
Internacional, o país que mais viola direitos de pessoas e de povos são os
Estados Unidos.
Com a maior indiferença, qual imperador romano absoluto, Obama nega-se a dar
qualquer justificativa suficiente sobre a espionagem mundial que seu Governo faz
a pretexto da segurança nacional, cobrindo áreas que vão de trocas de e-mails
amorosos entre dois apaixonados até dos negócios sigilosos e bilionários da
Petrobrás, violando o direito à privacidade das pessoas e à soberania de todo um
país. A segurança anula a validade dos direitos irrenunciáveis.
O Continente que mais violações sofre é a África. É o Continente esquecido e
vandalizado. Terras são compradas (land
grabbing) por grandes corporações e pela China para nelas produzirem
alimentos para suas populações. É uma neocolonização mais perversa que a
anterior.Os milhares e milhares de refugiados e imigrantes por razões de fome e de erosão de suas terras são os mais vulneráveis. Constituem uma subclasse de pessoas, rejeitadas por quase todos os países, "numa globalização da insensibilidade”, como a chamou o Papa Francisco. Dramática, diz o Relatório da Anistia Internacional, é a situação das mulheres. Constituem mais da metade da humanidade, muitíssimas delas sujeitas a violências de todo tipo e em várias partes da África e da Ásia ainda obrigadas à mutilação genital.
A situação de nosso país é preocupante dado o nível de violência que campeia
em todas as partes. Diria, não há violência: estamos montados sobre estruturas
de violência sistêmica que pesa sobre mais da metade da população
afrodescendente, sobre os indígenas que lutam por preservar suas terras contra a
voracidade impune do agronegócio, sobre os pobres em geral e sobre os LGBT,
discriminados e até mortos. Porque nunca fizemos uma reforma agrária, nem
política, nem tributária assistimos nossas cidades se cercarem de centenas e
centenas de "comunidades pobres”(favelas) onde os direitos à saúde, educação, à
infraestrutura e à segurança são deficitariamente garantidos. A desigualdade,
outro nome para a injustiça social, provoca as principais violações.
O fundamento último do cultivo dos direitos humanos reside na dignidade de
cada pessoa humana e no respeito que lhe é devido. Dignidade significa que ela é
portadora de espírito e de liberdade que lhe permite moldar sua própria vida. O
respeito é o reconhecimento de que cada ser humano possui um valor intrínseco, é
um fim em si mesmo e jamais meio para qualquer outra coisa. Diante de cada ser
humano, por anônimo que seja, todo poder encontra o seu limite, também o
Estado.O fato é que vivemos num tipo de sociedade mundial que colocou a economia como seu eixo estruturador. A razão é só utilitarista e tudo, até a pessoa humana, como o denuncia o Papa Francisco é feita "um bem de consumo que uma vez usado pode ser jogado fora”. Numa sociedade assim não há lugar para direitos, apenas para interesses. Até o direito sagrado à comida e à bebida só é garantido para quem puder pagar. Caso contrário, estará ao pé da mesa, junto aos cães esperando alguma migalha que caia da mesa farta dos ‘epulões’.
Neste sistema econômico, político e comercial se assentam as causas
principais, não exclusivas, que levam permanentemente à violação da dignidade
humana. O sistema vigente não ama as pessoas, apenas sua capacidade de produzir
e de consumir. De resto, são apenas resto, óleo gasto na produção.
A tarefa além de humanitária e ética é principalmente política: como
transformar este tipo de sociedade malvada numa sociedade onde os humanos possam
se tratar humanamente e gozar de direitos básicos. Caso contrário a violência é
a norma e a civilização se degrada em
barbárie.
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