sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Avanço do capital no campo impede a reforma agrária

João Pedro Stedile: “Avanço do capital no campo impede a reforma agrária”

Para coordenador do MST, “o governo Dilma representa uma composição de forças, que no caso do campo tem ampla hegemonia do agronegócio”

Mário Augusto Jakobskind


O coordenador anunciou também a realização em Brasília, de 10 a 14 de fevereiro, do congresso nacional do MST, um evento que culminará um longo processo de debates realizado nos últimos dois anos com as bases nacionais do movimento e que se espera a participação de 15 mil militantes.

Stédile adianta a realização no próximo dia 7 de Setembro de um plebiscito sobre reforma política e conclama a direção e os associados da ABI a participarem dos debates em torno dessas reformas, entre as quais a na área de comunicação.

MAJ - O governo Dilma Rousseff, segundo informações correntes, nada adiantou em termos de reforma agrária ao longo de 2013?

JPS - Infelizmente o balanço da reforma agrária durante o Governo Dilma é negativo. Vergonhoso diria. Porque, em termos estatísticos este ano, foram desapropriadas fazendas para apenas 4.700 familiais, que é menos do que o general Figueiredo fez no seu último ano.

A reforma agrária está bloqueada e como consequência a concentração da propriedade da terra e o avanço do capital sobre a agricultura aumenta. E isso é resultado da conjugação de diversos fatores que ocorrem ao mesmo tempo criando uma situação muito difícil para os trabalhadores rurais sem terra. Primeiro, há uma avalanche do capital internacional sobre os recursos naturais brasileiros. Eles estão vindo para cá fugindo da crise global e investem seus capitais especulativos em terras, etanol, hidrelétricas, e até em crédito de carbono, com títulos do oxigênio de nossas florestas. O aumento dos preços das commodities provocado pela especulação gerou uma renda extraordinária no campo, que atraiu muitos capitalistas e os preços das terras foram às nuvens.

Terceiro, o governo Dilma representa uma composição de forças, que no caso do campo tem ampla hegemonia do agronegócio, basta dizer que a senhora (senadora) Katia Abreu, representante máxima do atraso do latifúndio de Tocantins é da base do governo e se reúne com frequência com a Presidenta.

Quarto, a imprensa burguesa brasileira, capitaneada pela Globo, Veja e seus veículos, criaram uma falsa opinião pública de que o agronegócio é o melhor dos mundos. Escondem seus efeitos perversos, como agora com as enchentes, que afetam todos os anos a região Sudeste e são consequências do desmatamento e do monocultivo na Região Amazônica e no Centro-Oeste.

E por ultimo, diante de uma correlação de forças tão adversas, a classe trabalhadora também ficou paralisada, e diminuíram as grandes ocupações de terra e mobilizações no campo.

MAJ - Multinacionais como a Monsanto e outras continuam atuando no Brasil praticamente sem nenhum tipo de obstáculos para impor seu ideário. O que tem acontecido?

JPS - A forma do capital internacional e financeiro se apoderar de nossos recursos naturais e da agricultura é através de seu braço econômico que são as empresas transnacionais no agro. Elas controlam os insumos como sementes e adubos, controlam a tecnologia, as máquinas, e depois controlam o mercado das commodities impondo seus preços e ficam com a maior parte do lucro gerado na agricultura. Então para cada segmento da agricultura há um grupo oligopólico das empresas transnacionais controlando. Por exemplo, nos grãos, temos a Monsanto, a Cargill, Bungue, Adm e Dreyfuss. No leite temos a Nestlé, Parmalat e Danon e. na celulose, temos quatro a cinco empresas, e assim por diante.

E o poder delas é tão grande que o governo não controla e fica sabendo de suas operações pela imprensa. Vou dar um exemplo de sua autonomia e da perda de soberania de nosso país sobre a agricultura.O Nordeste vive a pior seca de sua história nos últimos dois anos.

Estima-se que morreram mais de 10 milhões de cabeça de gado (bovino, ovino e caprino.) em função sobretudo da falta de comida. Pois bem, o governo determinou que a CONAB comprasse milho para a distribuir aos agricultores da região. Mas a CONAB não conseguiu. Sabe por que? Porque no ano passado a Cargill, a Bungue a ADM, as três empresas estadunidenses que controlam o agro e o etanol, exportaram 18 milhões de toneladas de milho brasileiro, para os Estados Unidos fazerem etanol.

Assim, perdemos um patrimônio enorme de nosso rebanho, colocamos em risco milhares de vidas humanas, em troca do etanol para os automóveis norte-americanos.

MAJ - Quais as expectativas do MST para 2014?

JPS - A nossa expectativa é de que em 2014 continuem as mobilizações de massa no Brasil, para que a verdadeira política seja debatida nas ruas. Como MST e movimentos sociais do campo, estamos fazendo parte de uma ampla plenária de todos movimentos sociais brasileiros, para fazermos um mutirão de debates na sociedade sobre a necessidade de uma reforma política para o país. Vamos debater com o povo, o que ele quer mudar na política. E fazer ver a ele, que as mudanças que o país precisa passam por uma reforma política, para de fato termos democracia no país. E no dia 7 de setembro de 2014, faremos então um plebiscito popular para consultar o povo, se ele quer a convocação de uma Constituinte soberana e exclusiva ou não. E depois podemos levar os resultados, em uma grande manifestação em Brasília, para pressionar os três poderes.

O modelo atual do lulismo, de um governo de composição que agrada a todos, bateu no teto. As mudanças daqui para frente, para melhorar as condições de saúde, educação, transporte público, e reforma agrária, dependente de reformas estruturais. Dependem de mexer nos recursos do superavit primário que hoje vai para os bancos. Depende de uma reforma tributária e uma reforma do Judiciário. Além de mudar as regras de eleições no país, que hoje deixa os governantes e parlamentares reféns das empresas que financiam suas campanhas.

E tudo isso só mudaremos com uma reforma política. E ela só virá se o povo for para as ruas. E eu espero que ele volte logo.

MAJ - Em outubro de 2014 mais de 120 milhões de brasileiros vão às urnas para eleger o Presidente da República, governadores, deputados ferais e estaduais e parte do Senado. E então, como analisa neste momento o quadro?

JPS - A Burguesia brasileira tem o controle do Congresso, do Poder Judiciário e da mídia burguesa. Ela está unida como classe, e eleitoralmente para defender seus interesses vai colocar seus ovos nas três candidaturas postas. Sendo assim o mais provável é que a presidenta Dilma se reeleja. Porém, o fato mais importante é que mesmo com a reeleição da Presidenta Dilma não se altera a correlação de forças para as mudanças necessárias. Ao contrário, a direita elegerá um Congresso ainda mais conservador e mais priorizará a eleição dos governadores.

Por isso, temos analisado nos movimentos sociais de que as próximas eleições não vão alterar a correlação de forças. Daí a necessidade de fazermos debates da necessidade de um projeto para o país, voltarmos a ter mobilizações de rua, e que então, a reforma política abra brechas para as mudanças estruturais necessárias. Pois os governantes a serem eleitos não terão força política para as mudanças. Elas só podem vir das ruas.

MAJ - Alguma mensagem especial para os jornalistas deste país, especialmente os associados da ABI, que agora em abril completa 106 anos de existência ininterrupta?

JPS  - A ABI sempre foi uma trincheira da luta democrática e da luta por mudanças sociais no Brasil, em todos os períodos históricos. E por isso ela é hoje uma referência politica não apenas para a categoria dos jornalistas, ou dos jornalistas como atores políticos ativos, mas para todos os lutadores do povo, para toda a sociedade.

Por isso é importantíssimo que a direção da ABI, contribua, participe, estimule todo o debate politico necessário sobre as reformas politicas que o país necessita.

Por outro lado, como parte das reformas politicas amplas necessárias, está a reforma dos meios de comunicação. O projeto de lei já apresentado no Congresso, fruto das inúmeras consultas e da Conferência Nacional da Comunicação expressam a necessidade de mudanças.

Nós estamos engajados na coleta de assinaturas, para pressionar os deputados. Mas mais do que isso, assim como a reforma politica, esse projeto de democratização da mídia somente terá espaço, se ele for politizado nas ruas. E para isso a ABI pode ter um papel preponderante, nos ajudando a debater com a sociedade em geral.

E espero que os jornalistas que trabalham nos meios da burguesia deixem de ser capachos dos seus patrões e exerçam sua profissão com ética e compromisso apenas com o povo.

MAJ - O MST vai realizar seu congresso nacional em 10 a 14 de fevereiro, o que esperam com o congresso?

JPS - O que nos chamamos de congresso é na verdade apenas um evento, que culmina um longo processo de debates realizado nos últimos dois anos com toda nossa base e todos os setores e instâncias do MST. Então em fevereiro levaremos 15 mil militantes a Brasília, para uma atividade de congraçamento, de celebração de uma unidade construída em torno de novas ideias, debatidas ao longo dos últimos dois anos.

E as ideias principais são de que precisamos ter um novo programa de reforma agrária, que interesse não apenas aos camponeses e aos sem terra, mas a todo povo, a toda sociedade. Uma reforma agrária, que não apenas se preocupe em salvar os sem-terra, mas que priorize a produção de alimentos, sadios, sem agrotóxicos. Que se preocupe com uma nova matriz tecnológica da agroecologia que consiga produzir sem desequilibrar a natureza.

Essas e outras ideias então expressam no novo programa agrário do MST que será anunciado e consolidado em Brasília em fevereiro.




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