Para coordenador do MST, “o governo
Dilma representa uma composição de forças, que no caso do campo tem ampla
hegemonia do agronegócio”
Mário Augusto Jakobskind
O coordenador anunciou também a realização em Brasília, de 10 a 14 de
fevereiro, do congresso nacional do MST, um evento que culminará um longo
processo de debates realizado nos últimos dois anos com as bases nacionais do
movimento e que se espera a participação de 15 mil militantes.
Stédile adianta a realização no próximo dia 7 de Setembro de um
plebiscito sobre reforma política e conclama a direção e os associados da ABI a
participarem dos debates em torno dessas reformas, entre as quais a na área de
comunicação.
MAJ - O governo Dilma Rousseff,
segundo informações correntes, nada adiantou em termos de reforma agrária ao
longo de 2013?
JPS - Infelizmente o balanço da reforma agrária durante o Governo Dilma
é negativo. Vergonhoso diria. Porque, em termos estatísticos este ano, foram
desapropriadas fazendas para apenas 4.700 familiais, que é menos do que o
general Figueiredo fez no seu último ano.
A reforma agrária está bloqueada e como consequência a concentração da
propriedade da terra e o avanço do capital sobre a agricultura aumenta. E isso
é resultado da conjugação de diversos fatores que ocorrem ao mesmo tempo
criando uma situação muito difícil para os trabalhadores rurais sem terra.
Primeiro, há uma avalanche do capital internacional sobre os recursos naturais
brasileiros. Eles estão vindo para cá fugindo da crise global e investem seus
capitais especulativos em terras, etanol, hidrelétricas, e até em crédito de
carbono, com títulos do oxigênio de nossas florestas. O aumento dos preços das
commodities provocado pela especulação gerou uma renda extraordinária no campo,
que atraiu muitos capitalistas e os preços das terras foram às nuvens.
Terceiro, o governo Dilma representa uma composição de forças, que no
caso do campo tem ampla hegemonia do agronegócio, basta dizer que a senhora
(senadora) Katia Abreu, representante máxima do atraso do latifúndio de
Tocantins é da base do governo e se reúne com frequência com a Presidenta.
Quarto, a imprensa burguesa brasileira, capitaneada pela Globo, Veja e
seus veículos, criaram uma falsa opinião pública de que o agronegócio é o
melhor dos mundos. Escondem seus efeitos perversos, como agora com as
enchentes, que afetam todos os anos a região Sudeste e são consequências do
desmatamento e do monocultivo na Região Amazônica e no Centro-Oeste.
E por ultimo, diante de uma correlação de forças tão adversas, a classe
trabalhadora também ficou paralisada, e diminuíram as grandes ocupações de
terra e mobilizações no campo.
MAJ - Multinacionais como a
Monsanto e outras continuam atuando no Brasil praticamente sem nenhum tipo de
obstáculos para impor seu ideário. O que tem acontecido?
JPS - A forma do capital internacional e financeiro se apoderar de
nossos recursos naturais e da agricultura é através de seu braço econômico que
são as empresas transnacionais no agro. Elas controlam os insumos como sementes
e adubos, controlam a tecnologia, as máquinas, e depois controlam o mercado das
commodities impondo seus preços e ficam com a maior parte do lucro gerado na
agricultura. Então para cada segmento da agricultura há um grupo oligopólico
das empresas transnacionais controlando. Por exemplo, nos grãos, temos a
Monsanto, a Cargill, Bungue, Adm e Dreyfuss. No leite temos a Nestlé, Parmalat
e Danon e. na celulose, temos quatro a cinco empresas, e assim por diante.
E o poder delas é tão grande que o governo não controla e fica sabendo
de suas operações pela imprensa. Vou dar um exemplo de sua autonomia e da perda
de soberania de nosso país sobre a agricultura.O Nordeste vive a pior seca de
sua história nos últimos dois anos.
Estima-se que morreram mais de 10 milhões de cabeça de gado (bovino,
ovino e caprino.) em função sobretudo da falta de comida. Pois bem, o governo
determinou que a CONAB comprasse milho para a distribuir aos agricultores da região.
Mas a CONAB não conseguiu. Sabe por que? Porque no ano passado a Cargill, a
Bungue a ADM, as três empresas estadunidenses que controlam o agro e o etanol,
exportaram 18 milhões de toneladas de milho brasileiro, para os Estados Unidos
fazerem etanol.
Assim, perdemos um patrimônio enorme de nosso rebanho, colocamos em
risco milhares de vidas humanas, em troca do etanol para os automóveis
norte-americanos.
MAJ - Quais as expectativas do
MST para 2014?
JPS - A nossa expectativa é de que em 2014 continuem as mobilizações de
massa no Brasil, para que a verdadeira política seja debatida nas ruas. Como
MST e movimentos sociais do campo, estamos fazendo parte de uma ampla plenária
de todos movimentos sociais brasileiros, para fazermos um mutirão de debates na
sociedade sobre a necessidade de uma reforma política para o país. Vamos
debater com o povo, o que ele quer mudar na política. E fazer ver a ele, que as
mudanças que o país precisa passam por uma reforma política, para de fato
termos democracia no país. E no dia 7 de setembro de 2014, faremos então um
plebiscito popular para consultar o povo, se ele quer a convocação de uma
Constituinte soberana e exclusiva ou não. E depois podemos levar os resultados,
em uma grande manifestação em Brasília, para pressionar os três poderes.
O modelo atual do lulismo, de um governo de composição que agrada a
todos, bateu no teto. As mudanças daqui para frente, para melhorar as condições
de saúde, educação, transporte público, e reforma agrária, dependente de
reformas estruturais. Dependem de mexer nos recursos do superavit primário que
hoje vai para os bancos. Depende de uma reforma tributária e uma reforma do
Judiciário. Além de mudar as regras de eleições no país, que hoje deixa os
governantes e parlamentares reféns das empresas que financiam suas campanhas.
E tudo isso só mudaremos com uma reforma política. E ela só virá se o
povo for para as ruas. E eu espero que ele volte logo.
MAJ - Em outubro de 2014 mais de
120 milhões de brasileiros vão às urnas para eleger o Presidente da República,
governadores, deputados ferais e estaduais e parte do Senado. E então, como
analisa neste momento o quadro?
JPS - A Burguesia brasileira tem o controle do Congresso, do Poder
Judiciário e da mídia burguesa. Ela está unida como classe, e eleitoralmente
para defender seus interesses vai colocar seus ovos nas três candidaturas
postas. Sendo assim o mais provável é que a presidenta Dilma se reeleja. Porém,
o fato mais importante é que mesmo com a reeleição da Presidenta Dilma não se
altera a correlação de forças para as mudanças necessárias. Ao contrário, a
direita elegerá um Congresso ainda mais conservador e mais priorizará a eleição
dos governadores.
Por isso, temos analisado nos movimentos sociais de que as próximas
eleições não vão alterar a correlação de forças. Daí a necessidade de fazermos
debates da necessidade de um projeto para o país, voltarmos a ter mobilizações
de rua, e que então, a reforma política abra brechas para as mudanças
estruturais necessárias. Pois os governantes a serem eleitos não terão força
política para as mudanças. Elas só podem vir das ruas.
MAJ - Alguma mensagem especial
para os jornalistas deste país, especialmente os associados da ABI, que agora
em abril completa 106 anos de existência ininterrupta?
JPS - A ABI sempre foi uma
trincheira da luta democrática e da luta por mudanças sociais no Brasil, em
todos os períodos históricos. E por isso ela é hoje uma referência politica não
apenas para a categoria dos jornalistas, ou dos jornalistas como atores políticos
ativos, mas para todos os lutadores do povo, para toda a sociedade.
Por isso é importantíssimo que a direção da ABI, contribua, participe,
estimule todo o debate politico necessário sobre as reformas politicas que o
país necessita.
Por outro lado, como parte das reformas politicas amplas necessárias,
está a reforma dos meios de comunicação. O projeto de lei já apresentado no
Congresso, fruto das inúmeras consultas e da Conferência Nacional da
Comunicação expressam a necessidade de mudanças.
Nós estamos engajados na coleta de assinaturas, para pressionar os
deputados. Mas mais do que isso, assim como a reforma politica, esse projeto de
democratização da mídia somente terá espaço, se ele for politizado nas ruas. E
para isso a ABI pode ter um papel preponderante, nos ajudando a debater com a
sociedade em geral.
E espero que os jornalistas que trabalham nos meios da burguesia deixem
de ser capachos dos seus patrões e exerçam sua profissão com ética e
compromisso apenas com o povo.
MAJ - O MST vai realizar seu
congresso nacional em 10 a 14 de fevereiro, o que esperam com o congresso?
JPS - O que nos chamamos de congresso é na verdade apenas um evento,
que culmina um longo processo de debates realizado nos últimos dois anos com
toda nossa base e todos os setores e instâncias do MST. Então em fevereiro
levaremos 15 mil militantes a Brasília, para uma atividade de congraçamento, de
celebração de uma unidade construída em torno de novas ideias, debatidas ao
longo dos últimos dois anos.
E as ideias principais são de que precisamos ter um novo programa de
reforma agrária, que interesse não apenas aos camponeses e aos sem terra, mas a
todo povo, a toda sociedade. Uma reforma agrária, que não apenas se preocupe em
salvar os sem-terra, mas que priorize a produção de alimentos, sadios, sem
agrotóxicos. Que se preocupe com uma nova matriz tecnológica da agroecologia
que consiga produzir sem desequilibrar a natureza.
Essas e outras ideias então expressam no novo programa agrário do MST
que será anunciado e consolidado em Brasília em fevereiro.
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