Há meio século, Jango defendia reformas de base em comício histórico
13/3/2014 12:33
Por Redação, com ABr - do Rio de Janeiro
Por Redação, com ABr - do Rio de Janeiro
Há exatamente 50 anos, um episódio que teve importância no golpe de 64 aconteceu no Brasil. No dia 13 de março de 1964, o então presidente João Goulart realizou comício na Central do Brasil, região central do Rio de Janeiro, para defender as reformas de base propostas por seu governo. Cerca de 200 mil pessoas acompanharam o discurso que foi encerrado com as seguintes palavras: “Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributárias, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação, pela justiça social e pelo progresso do Brasil”.
À época, um grupo de sindicalistas comunistas e trabalhistas tomou a frente da organização do evento. Entre eles, estavam o deputado Hércules Corrêa, que foi fundador e dirigente do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e Paulo Mello Bastos, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Transportes Marítimos, Fluviais e Aéreos. Bastos também era secretário político do CGT.
O Comício
O evento, que estava sendo anunciado pelo governo desde janeiro de 1964, reuniu cerca de 200 mil pessoas e foi transmitido ao vivo por rádio e TV para todo o país. Por volta das 14h daquele dia 13 de março, cerca de 5 mil pessoas já se concentravam para o comício do presidente João Goulart na Praça Cristiano Ottoni, Rio de Janeiro, nas imediações da Central do Brasil e do Ministério da Guerra.
Antes de seguir para o palanque, João Goulart assinou, no Palácio das Laranjeiras, o decreto da Supra (Superintendência de Reforma Agrária) – que autorizava a desapropriação de áreas ao longo das ferrovias, das rodovias, das zonas de irrigação e dos açudes – e o decreto que encampava as refinarias particulares de petróleo.
O comício teve início às 18h. Jango subiu ao palanque às 19h45 e começou seu discurso exatamente às 20h46 após a fala do então presidente da UNE, José Serra, do governador de Pernambuco na época, Miguel Arraes, e do deputado Leonel Brizola. Tendo ao seu lado direito a esposa Maria Thereza, Jango falou de improviso durante pouco mais de uma hora. Ele fazia algumas pausas no discurso para passar um lenço no rosto. Eram nesses momentos em que o ministro da Casa Civil, Darcy Ribeiro, aproveitava para sussurrar observações e orientações como, por exemplo, “fale mais devagar, presidente”.
Em seu discurso, Jango falou sobre a mensagem que seria encaminhada ao Congresso e explicou os decretos que havia assinado.
Confira trechos do discurso
Encampação das refinarias
Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das reinvindicações populares, para que, em seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e democraticamente para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero referir-me a um outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos nacionalistas destes país.
Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias particulares.
A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional.
Procurei, trabalhadores, depois de estudos cuidadosos elaborados por órgãos técnicos, depois de estudos profundos, procurei ser fiel ao espírito da Lei n. 2.004, lei que foi inspirada nos ideais patrióticos e imortais de um brasileiro que também continua imortal em nossa alma e nosso espírito.
Decreto da Supra
O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.
Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, quese apoderaram das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não deve beneficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim o povo.
Não o podemos fazer, por enquanto, trabalhadores, como é de prática corrente em todos os países do mundo civilizado: pagar a desapropriação de terras abandonadas em títulos de dívida pública e a longo prazo. Reforma agrária com pagamento prévio do latifundio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso o decreto da Supra não é a reforma agrária.
Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária. Sem emendar a Constituição, que tem acima de dela o povo e os interesses da Nação, que a ela cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias honestas e bem-intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.
Mensagem ao Congresso
Na mensagem que enviei à consideração do Congresso Nacional, estão igualmente consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é exigência do nosso desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me à reforma eleitoral, à reforma ampla que permita a todos os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir dos seus destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil. Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.
Também está consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada pelos estudantes brasileiros. Pelos universitários, classe que sempre tem estado corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares nacionalistas.
Comício fazia parte de nova estratégia
Após tentar implementar sem sucesso as reformas por meio de um acordo entre o seu partido Partido Trabalhistra Brasileiro (PTB) e o Partido Social Democrático (PSD), de Juscelino Kubitschek – de quem foi vice-presidente – Jango decidiu se aliar às esquerdas em uma estratégia de mobilização popular que teria início com o comício da Central no dia 13. Três dias antes do comício, o PSD havia rompido formalmente com o governo.
A nova estratégia consistia na mobilização popular por meio de uma série de comícios que seriam realizados em diferentes regiões do país e que culminariam em uma greve geral no dia 1º de maio, como forma de pressionar o Congresso pela aprovação do projeto de reformas anunciado durante o comício e encaminhado formalmente ao Legislativo dois dias depois.
Para isso, Jango contava com as forças que apoiavam as reformas; o CGT, o PCB (Partido Comunista Brasileiro e a Frente de Mobilização Popular (FMP), formando a Frente Única de Mobilização.
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