O
ninho da serpente
Mauro Santayana
Há um velho ditado que reza que, toda vez que o capitalismo se vê
ameaçado, ele sai para passear com o fascismo.
Como um skinhead e seus pit-bulls, que pode ser por eles atacado,
depois de tentar prendê-los à força no canil, ao voltar para casa, bêbado
drogado, a Europa mostra que não aprendeu nada com as notícias dos jornais, nem
com as lições do passado.
Dirigentes europeus - e norte-americanos - tiram fotos, sorridentes, ao
lado dos líderes do Partido Svoboda ucraniano, que podem ser vistos, em outras
fotos, recentes, discursando em tribunas nazistas e saudando com a palma da mão
levantada.
A cruz celta, símbolo da supremacia branca, as suásticas, os três dedos
que lembram o tridente tradicional usado pelos neofascistas ucranianos, os
raios assassinos das SS nazistas, destacam-se nas bandeiras e braçadeiras
portadas pela multidão, na qual desfilam, triunfantes, membros das 22
organizações neonazistas que existem no país, que, segundo analistas locais,
são muito mais radicais que o “Svoboda”.
As notícias que vem de Kiev dão conta de que há indícios de que os
atiradores que mataram manifestantes durante os protestos, antes do golpe,
teriam sido contratados pelos próprios neonazistas para fazê-lo. Sinagogas têm
sido incendiadas nos últimos meses, professores e estudantes de Yeshivas –
assim como estrangeiros e homossexuais - têm sido insultados e espancados pelas
ruas.
Na Ucrânia atual o antissemitismo é tão forte, que nos últimos 20 anos,
depois da derrocada da União Soviética – que sempre protegeu os judeus como
etnia – 80% dos 500.000 hebreus que viviam no país o abandonaram, desde 1989,
em um êxodo sem precedentes no pós-guerra. Hoje, em uma população mais de 44
milhões de habitantes, há menos de 70.000 judeus ucranianos.
Se a situação é ameaçadora para a população judaica, é ainda pior para
os cerca de 120.000 a 400.000 ciganos que vivem na Ucrânia, uma minoria que não
conta com recursos para deixar o país, nem com um destino, como Israel, que os
possa receber.
Com a desmobilização da polícia e do exército, e sua substituição por
brigadas paramilitares compostas de vândalos e arruaceiros, os neonazistas têm
circulado livremente pelos bairros ciganos da periferia de Kiev e de cidades do
interior do país, insultando e agredindo, impunemente, qualquer homem, mulher,
criança, idoso, que encontrem pela frente.
Não é preciso lembrar que os ciganos, assim como os judeus, foram
torturados e mortos – seis milhões de judeus e um milhão de ciganos, pelo menos
– nos campos de concentração e de extermínio nazistas, a maioria deles pelas
mãos de voluntários ucranianos, que serviam de “guarda” auxiliar para os
alemães, em lugares como Treblinka, Auschwitz e Sobibor.
Os nazistas ucranianos não apenas forneceram assassinos e torturadores
para o holocausto - e a eliminação de prisioneiros políticos e de homossexuais
- mas também lutaram ao lado dos alemães, por meio da sua famigerada Legião
Ucraniana de Autodefesa e da Divisão SS Galitzia, contra os russos, na Segunda
Guerra Mundial.
Longe de renegar esse passado, do qual toma parte o extermínio da
própria população ucraniana – em Baby Yar, uma ravina perto de Kiev, foram
massacrados, com a ajuda de soldados e policiais ucranianos, 150.000 mil civis,
entre ciganos, comunistas, e judeus ucranianos, 33.700 deles apenas nos dias 29
e 30 de setembro de 1941 – a direita ucraniana o venera e honra.
No dia primeiro de agosto de 2013, com a presença de um padre ortodoxo,
dezenas de pessoas vestindo uniformes da Waffen SS, em meio a uma profusão de
bandeiras ucranianas e de suásticas, se encontraram na cidade de Chervone, na
Ucrânia, para honrar o “sacrifício” dos “heróis” ucranianos da Divisão SS
Galitzia.
Os nazistas ucranianos não foram os únicos a combater, ao lado de
Hitler, contra a União Soviética e a colaborar no extermínio de judeus e
ciganos e da sua própria população.
O massacre de Odessa, também na Ucrânia, de outubro de 1941, no qual
morreram 50.000 judeus, foi cometido, sob “organização” alemã, por tropas do
exército romeno, um dos diversos países que participaram, como aliados do
nazismo, da invasão da URSS na Segunda Guerra Mundial.
Entre elas, estavam, além da Itália, da Espanha e da Romênia, Bulgária,
Hungria e Eslováquia, países não por acaso colocados - para que isso não viesse
a acontecer de novo - sob a esfera de influência soviética, após o fim do
conflito.
Engrossada pela deterioração do estado de bem-estar social, a crise
econômica, o desemprego e a pressão migratória - criada em boa parte pela
própria Europa com o incentivo ao terrível pesadelo da “Primavera Árabe” - a
baba do racismo, do ódio contra os ciganos e os árabes, do antissemitismo e do
anticomunismo mais arcaico e bestial, espalha-se como peste seguindo o curso de
grandes rios como o Dnieper e o Danúbio, criando uma sopa densa e corrosiva,
apropriada para alimentar as ovas - nunca totalmente inertes - da serpente
nazista.
Fruto de uma nação multiétnica, que estabelece seu passado e seu futuro
na diversidade universal de sua gente, nenhum brasileiro pode ficar ao lado dos
golpistas neofascistas ucranianos.
Não é possível fazê-lo, não apenas pelo senso comum de não apoiar uma
gente que odeia e despreza tudo o que somos.
Mas, também, porque não podemos desonrar o sangue e a memória daqueles
cujos ossos descansaram no solo sagrado de Pistóia.
De quem, em lugares como Monte Castelo e Fornovo di Taro – onde
derrotamos, em um único dia, a 148 Divisão Wermacht e a Divisão Bersaglieri
Itália, obtendo a rendição incondicional de dois generais e de milhares de
prisioneiros – combateu, com a FEB, o bom combate.
Dos soldados e aviadores que, com a força e a determinação de 25.700
corações brasileiros, ajudaram a derrotar, naquele momento, a serpente
hitleriana.
No afã de prejudicar e sitiar a Rússia, criando problemas à sua volta,
em países que já a atacaram no passado, o que a UE não entendeu, ainda, é que o
que está em jogo na Ucrânia não é apenas o futuro do maior país europeu em
extensão territorial, nem mesmo o de Putin, mas o da própria Europa.
Até agora, o neonazismo se ressentia de um território grande e
simbólico o suficiente, do ponto de vista de uma forte ligação com o
anticomunismo e com o nacional-socialismo, no passado, para servir de estuário
para o ressentimento e as frustrações de um continente decadente e nostálgico
das glórias perdidas, que nunca se sentiu realmente distante, ou decididamente
oposto, ao fascismo.
Faltava um lugar, um santuário, onde se pudesse perseguir o mais fraco,
o diferente, impunemente. Um front ideológico e militar para onde pudessem
convergir – como voluntários ou simpatizantes - militantes da supremacia branca
de todo o mundo.
Um laboratório para a criação de um novo estado, com leis, estrutura e
ideologia semelhantes às que imperavam na Alemanha há 70 anos.
Se, como tudo indica, os neonazistas se encastelarem no poder em Kiev,
por meio de eleições fraudadas, ou da consolidação de um golpe de estado
desfechado contra um governante eleito, o ninho da serpente poderá renascer,
agora, no conflagrado território ucraniano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário