O
slogan publicitário da minissérie Bonnie & Clyde, que o History
Channel reprisa no sábado, 09, revela de forma precisa sua abordagem da
vida do casal de bandidos mais famoso da época da Depressão americana:
"Quando ninguém tinha nada, eles arriscaram tudo". A história real,
inclusive. Um dos produtores executivos da minissérie, Craig Zadan,
fornece as pistas para entender as razões de Bruce Beresford, o diretor
da minissérie, ter inventado uma Bonnie e um Clyde diferentes dos
bandidos reais ou dos personagens criados pelo cineasta Arthur Penn no
clássico homônimo de 1967. Zaidan define Bonnie Parker como a "primeira
reality star" - ou seja, uma dessas garotas de reality show sem grande
talento ou habilidade, à espera de que a celebridade a salve da vida
medíocre.
Dito assim, pode parecer que a nova
adaptação da história dos proscritos texanos Bonnie Parker (1910-1934) e
Clyde Barrow (1909-1934) não compense as quatro horas da duração da
minissérie. Ao contrário. Seria um exagero afirmar que ela seja tão boa
como o filme de Arthur Penn, até mesmo porque o clássico dos anos 1960
teve melhores roteiristas (David Newman e Robert Benton) e nenhum erro
na seleção do elenco, o que não se aplica à minissérie de Bruce
Beresford (o diretor de Conduzindo Miss Daisy).
No entanto, há uma tentativa - ainda que mínima - de ser fiel à história da dupla de bandidos por parte de Beresford, o que não se pode dizer dos roteiristas do clássico de Penn, empenhados em acentuar o lado outsider da dupla. Glamourizando a marginalidade de Bonnie e Clyde, a produção e o roteiro de Newman e Benton levaram o filme de Penn à lista do Oscar e das melhores bilheterias de Hollywood - o filme foi um estrondoso sucesso, lançou moda e fez até a dupla Brigitte Bardot e seu namorado Serge Gainsbourg gravar uma balada em tributo aos criminosos.
O ponto de partida do clássico de Penn e da minissérie de Beresford não é o mesmo. Penn preferiu o caminho da investigação psicológica. Beresford, o da pesquisa sociológica, concluindo que a dupla de jovens bandidos - Clyde morreu aos 25 e Bonnie, aos 24 anos - era formada por sociopatas perigosos. Clyde, particularmente, era um sociopata incapaz de estabelecer uma relação amorosa por causa de sua impotência. O filme de Penn trata diretamente do assunto, ao colocar o motorista da gangue, C.W. Moss (Michael Pollard), como um possível amante dos dois. Já Beresford preferiu ignorar a sexualidade ambígua de Clyde, tratando-o como garanhão - o que, evidentemente, estava longe de ser.
Isso faz a diferença quando se pergunta a razão de Bonnie ter permanecido ao lado de Clyde quando descobriu sua impotência. Nesse ponto, Penn e Beresford concordam: Clyde buscava no poder de fogo das armas uma compensação para sua pistola disfuncional. Bonnie, autocentrada, via nessa fantasia de poder um espelho para quem fracassara na tentativa de ser uma atriz em Hollywood.
Beresford faz dela uma obcecada pelo poder da mídia promíscua, o de transformar simples bandidos em celebridades (após a morte da dupla, o xerife Frank Hamer, que orquestrou a emboscada final da dupla, vendeu vários objetos pertencentes aos dois, entre eles o saxofone de Clyde, o que comprova a fetichização do crime pela sociedade americana).
Cruzando satisfação sexual com violência, traço comum aos sociopatas, a dupla estabelece não uma relação de cumplicidade, mas de compromisso com os fetiches da Depressão americana - como os carros da Ford ou metralhadoras giratórias Thompson. Afinal, como justificou a ensaísta Liora Moriel, é bem mais fácil para um psicopata se relacionar com objetos do que pessoas. Clyde podia ser impotente, mas entendia um bocado de carros e armas, exibia o vigor de um ex-presidiário (ainda que estuprado na prisão) e impressionava a impiedosa Bonnie, que trocou a paixão física pela excitação de roubar bancos - e o prazer de matar, segundo a minissérie, que mostra a frieza com que abate a tiros um policial na cabeça e um pai de família no rosto.
O diretor Beresford faz de Bonnie uma espécie de Lilith, a encarnação feminina do demônio da tradição judaica, a serpente que teria provocado a expulsão de Adão do paraíso. É um pouco injusto. O fato é que Clyde já era bandido antes de conhecer Bonnie/Lilith, um ladrão de galinhas criado nas favelas urbanas de West Dallas. Pode ser que Bonnie, garçonete casada aos 16 anos, descendente de alemães e boa aluna na escola, identificasse em Clyde um sujeito iletrado pronto a ser dominado por uma aspirante a poeta e atriz. O fato é que, ao incorporar o dom da premonição ao personagem de Clyde, Beresford exagera, assim como ao transformar o bandido no narrador da história. Prevalece a voz de um morto, o que não é bom para a história. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
No entanto, há uma tentativa - ainda que mínima - de ser fiel à história da dupla de bandidos por parte de Beresford, o que não se pode dizer dos roteiristas do clássico de Penn, empenhados em acentuar o lado outsider da dupla. Glamourizando a marginalidade de Bonnie e Clyde, a produção e o roteiro de Newman e Benton levaram o filme de Penn à lista do Oscar e das melhores bilheterias de Hollywood - o filme foi um estrondoso sucesso, lançou moda e fez até a dupla Brigitte Bardot e seu namorado Serge Gainsbourg gravar uma balada em tributo aos criminosos.
O ponto de partida do clássico de Penn e da minissérie de Beresford não é o mesmo. Penn preferiu o caminho da investigação psicológica. Beresford, o da pesquisa sociológica, concluindo que a dupla de jovens bandidos - Clyde morreu aos 25 e Bonnie, aos 24 anos - era formada por sociopatas perigosos. Clyde, particularmente, era um sociopata incapaz de estabelecer uma relação amorosa por causa de sua impotência. O filme de Penn trata diretamente do assunto, ao colocar o motorista da gangue, C.W. Moss (Michael Pollard), como um possível amante dos dois. Já Beresford preferiu ignorar a sexualidade ambígua de Clyde, tratando-o como garanhão - o que, evidentemente, estava longe de ser.
Isso faz a diferença quando se pergunta a razão de Bonnie ter permanecido ao lado de Clyde quando descobriu sua impotência. Nesse ponto, Penn e Beresford concordam: Clyde buscava no poder de fogo das armas uma compensação para sua pistola disfuncional. Bonnie, autocentrada, via nessa fantasia de poder um espelho para quem fracassara na tentativa de ser uma atriz em Hollywood.
Beresford faz dela uma obcecada pelo poder da mídia promíscua, o de transformar simples bandidos em celebridades (após a morte da dupla, o xerife Frank Hamer, que orquestrou a emboscada final da dupla, vendeu vários objetos pertencentes aos dois, entre eles o saxofone de Clyde, o que comprova a fetichização do crime pela sociedade americana).
Cruzando satisfação sexual com violência, traço comum aos sociopatas, a dupla estabelece não uma relação de cumplicidade, mas de compromisso com os fetiches da Depressão americana - como os carros da Ford ou metralhadoras giratórias Thompson. Afinal, como justificou a ensaísta Liora Moriel, é bem mais fácil para um psicopata se relacionar com objetos do que pessoas. Clyde podia ser impotente, mas entendia um bocado de carros e armas, exibia o vigor de um ex-presidiário (ainda que estuprado na prisão) e impressionava a impiedosa Bonnie, que trocou a paixão física pela excitação de roubar bancos - e o prazer de matar, segundo a minissérie, que mostra a frieza com que abate a tiros um policial na cabeça e um pai de família no rosto.
O diretor Beresford faz de Bonnie uma espécie de Lilith, a encarnação feminina do demônio da tradição judaica, a serpente que teria provocado a expulsão de Adão do paraíso. É um pouco injusto. O fato é que Clyde já era bandido antes de conhecer Bonnie/Lilith, um ladrão de galinhas criado nas favelas urbanas de West Dallas. Pode ser que Bonnie, garçonete casada aos 16 anos, descendente de alemães e boa aluna na escola, identificasse em Clyde um sujeito iletrado pronto a ser dominado por uma aspirante a poeta e atriz. O fato é que, ao incorporar o dom da premonição ao personagem de Clyde, Beresford exagera, assim como ao transformar o bandido no narrador da história. Prevalece a voz de um morto, o que não é bom para a história. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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