Mello: generalização das prisões preventivas causa perplexidade
Ministro do STF Marco Aurélio Mello afirma também que há exageros na forma como a delação premiada está sendo utilizado no país: “Eu nunca vi tantas delações. Não se avança culturalmente assim"; ele ressalva não estar criticando a Polícia Federal, o Ministério Público e “muito menos o colega Sérgio Moro”; sobre Gilmar Mendes, diz que a “tônica muito ácida” em relação ao PT e ao próprio governo não é positiva ao país: “Eu fico triste, porque o ministro tem uma bagagem jurídica constitucional invejável, e acaba se desgastando com certas colocações. Não é bom. Não é bom para o Tribunal, não é bom para a cidadania brasileira e não é bom para ele principalmente, como julgador”, afirma
27 de Setembro de 2015 às 05:11
São Paulo – O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, disse, em entrevista à RBA, que há aspectos da Operação Lava Jato que causam “perplexidade”. Ele cita “a generalização das prisões preventivas” e também “a prisão preventiva como uma forma de fragilizar o preso”. O ministro ressalva não estar criticando a Polícia Federal, o Ministério Público e “muito menos o colega Sérgio Moro”.
Segundo Mello, em épocas de crise como a atual, o Judiciário não pode exercer seu papel com "uma ótica apenas política" e, principalmente o Supremo, precisa preservar princípios, parâmetros e "certos valores".
Para o magistrado, a “tônica muito ácida” do ministro Gilmar Mendes em relação ao PT e ao próprio governo não é positiva ao país. “Eu fico triste, porque o ministro tem uma bagagem jurídica constitucional invejável, e acaba se desgastando com certas colocações. Não é bom. Não é bom para o Tribunal, não é bom para a cidadania brasileira e não é bom para ele principalmente, como julgador”, afirma.
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil e encerrado na semana passada, sobre financiamento privado de campanhas eleitorais, ficou na gaveta do ministro Gilmar Mendes por um ano e cinco meses. Ao proferir seu voto, Mendes fez duros ataques ao PT, apontou conluio entre a OAB e o partido, discutiu com o presidente da corte, Ricardo Lewandowski, e deixou o plenário do tribunal.
Na entrevista, Marco Aurélio confirma que a decisão contra o financiamento privado tem eficácia imediata e é irreversível. “A proclamação foi nesse sentido. A decisão se aplica às eleições municipais de 2016. É bom que realmente seja aplicada”, disse.
Segundo ministro mais antigo no Supremo (atrás apenas de Celso de Mello, nomeado por José Sarney), Marco Aurélio foi nomeado em maio de 1990 durante o governo de Fernando Collor. O magistrado vê também exageros na forma como o instituto da delação premiada está sendo utilizado no país. “Eu nunca vi tantas delações. E não se avança culturalmente assim, se forçando a mão. Nós precisamos realmente preservar princípios”, diz.
O STF declarou a inconstitucionalidade das doações de empresas a campanhas na semana passada. A decisão tem eficácia imediata e é irreversível, é isso mesmo?
É, a proclamação foi nesse sentido, e evidentemente a eficácia não é retroativa, ou seja, os mandatos em curso não serão alcançados. Agora, a decisão se aplica às eleições municipais de 2016. É bom que realmente seja aplicada. Vamos ver se barateamos um pouco mais as campanhas e, ao invés do marketing apenas, se tenha a revelação do perfil dos candidatos, que é o que interessa à sociedade brasileira.
Agora, qual foi a premissa do tribunal? Que o poder de eleger é do cidadão, não é de segmentos econômicos, porque, quem deve estar representado no Congresso e nas casas legislativas, nos executivos, é o povo, é o cidadão, é o eleitor. O que nós vínhamos tendo aqui no Brasil? Os segmentos econômicos eram pressionados a doar; a participação intensiva – e depois o troco saía muito caro para a sociedade – de segmentos econômicos que passavam a estar representados contrariando os interesses dos cidadãos em geral.
E incentivando a corrupção...
Exato. Porque claro que a empresa não tira do lucro líquido que ela aufere. Então ela tende a superfaturar e a introduzir tramoias para alcançar valores, e com esses valores financiar campanhas públicas, políticas.
Esse julgamento do Supremo pode ser considerado importante até como uma espécie de exercício de um papel de poder moderador entre os poderes da República?
Sem dúvida. Eu, por exemplo, sou favorável ao financiamento estritamente público. Mas, hoje, o que temos é um financiamento misto. Porque há o fundo partidário, que conta com verbas públicas, e há também o horário gratuito, que não é gratuito, porque todos nós pagamos por esse horário, já que os veículos de comunicação se compensam, em tributos. Mas enquanto tivermos o sistema misto, pelo menos vamos ficar com o financiamento privado apenas por parte dos eleitores.
O STF estaria hoje preenchendo um vácuo diante de uma omissão do Legislativo e até do Executivo?
O Supremo Tribunal Federal, como poder moderador, acaba atuando nesses espaços que ficam abertos. Mas ele atua de forma vinculada, ou seja, atua por provocação e segundo a Constituição Federal. E creio que isso é muito bom. Agora, tarda uma reforma política maior. Por exemplo, eu sou contrário a esse horário de propaganda eleitoral de partidos que não apresentam candidatos, que acabam negociando por cifras astronômicas o horário que teriam se houvesse candidato, mas continuam tendo sem candidato, negociando com certos segmentos. Isso é muito ruim.
O que o sr. pode comentar sobre as movimentações sobre impeachment da presidente, já que o processo acabaria no STF?
Veja, de início o processo de impeachment é um processo político. Agora, é claro que ele tem que ter um móvel, e esse móvel é aferível pelo Judiciário. O contexto é péssimo porque o Executivo nacional hoje está muito desgastado. Temos que aguardar o que vai ocorrer até o final do ano. Agora, a ordem natural das coisas direciona no sentido de a presidente terminar o mandato. O impeachment é uma exceção, e como exceção, tem que estar respaldada em aspectos concretos. Vamos aguardar para ver o que ocorre.
No momento está ou não respaldado em aspectos concretos?
Não dá ainda para falar. Nós temos que aguardar esse relatório que ocorrerá no âmbito do Tribunal de Contas da União, que pode revelar desvio de conduta no exercício da presidência e aí perceber qual será a deliberação da Câmara dos Deputados. Se a Câmara aceitará ou não, por exemplo essas colocações já existentes visando ao impeachment, principalmente essa última que partiu do (Hélio) Bicudo.
O jurista Dalmo Dallari criticou o ministro Gilmar Mendes e disse que o tribunal está em alguns momentos tendo posturas políticas...
O que se espera de quem tem essa missão sublime, que é a missão de julgar, é uma equidistância maior. Nós não podemos desconhecer que a tônica do ministro tem sido uma tônica muito ácida em termos de crítica ao PT e ao próprio governo. Agora, o Supremo tem atuado e decidido com equidistância.
Dallari disse isso mesmo, que os ministros de modo geral têm privilegiado a Constituição...
Sem dúvida. E eu, por exemplo, fico triste, porque o ministro Gilmar Mendes tem uma bagagem jurídica constitucional invejável, e acaba praticamente se desgastando com certas colocações. Não é bom. Não é bom para o Tribunal, não é bom para a cidadania brasileira e não é bom para ele principalmente, como julgador.
Vários juristas temem ameaças a garantias constitucionais, a direitos individuais, com abuso de prisões preventivas, uso indiscriminado de delação premiada como prova. Como o sr. avalia esse estado de coisas?
Eu disse agora, quando apreciamos essa última questão da preservação ou não da redistribuição do inquérito alusivo à senadora Gleise Hoffmann, que nessas épocas de crise temos que guardar princípios, guardar parâmetros, temos que tornar prevalecentes certos valores. Não dá para você ter uma ótica apenas política sobre a matéria, principalmente o Supremo, que é a guarda maior da Constituição. E, ao meu ver, ele vem atuando, a maioria vem se formando nesse sentido de tornar prevalecentes as normas constitucionais.
Atualmente no Brasil existe ameaça a direitos individuais, por exemplo na Lava Jato?
Há algo que causa perplexidade. Primeiro, ter-se a generalização das prisões preventivas. Isso é algo que não entra na minha cabeça, invertendo-se portanto a ordem natural, que direciona você a apurar para, selada a culpa, prender em execução da pena. Em segundo lugar, ressoa a prisão preventiva como uma forma de fragilizar o preso, aquele que está sob a custódia, e ele partir para a delação. Eu nunca vi tantas delações. E não se avança culturalmente assim, se forçando a mão. Nós precisamos realmente preservar princípios.
A Lava Jato pode acabar sendo anulada?
Anulada eu não acredito, mas que o contexto gera muita perplexidade, gera. Eu não estou criticando a Polícia Federal, não critico o Ministério Público, muito menos o colega Sérgio Moro. Mas em Direito, o meio justifica o fim. Você não pode potencializar o fim e colocar em segundo plano o meio, que é o que está assentado nas normas jurídicas.
Em julgamentos sobre constitucionalidade de interromper gravidez de feto anencefálico, união de homossexuais e células-tronco, o STF tem se manifestado a favor dos direitos relativos ao Estado laico. Esse entendimento está consolidado no tribunal?
Sem dúvida alguma. Eu só espero que cada colega que integra hoje o Supremo perceba a envergadura da cadeira. Nós temos uma responsabilidade muito grande. E somos, como está na Constituição Federal, os guardas maiores da Constituição. E nesse contexto de crise, somos convocados para atuar como poder moderador, e fixar realmente diretrizes harmônicas com o Direito posto. Nós não criamos o critério de plantão para solucionar certo conflito de interesses. Decidimos segundo a Constituição Federal e a legislação de regência.
O sr. disse pouco tempo atrás que não queria estar na pele da presidenta Dilma. Continua não querendo?
Eu acho que ela está realmente encurralada, está num período em que a legitimidade é questionada, porque as colocações que ela tem que fazer não logram a ressonância desejável, principalmente considerada uma crise, que é a crise maior no Brasil, que é econômica, financeira, e evidentemente isso desgasta a pessoa. Ela é uma pessoa, é um ser humano, e deve a certa altura se questionar, quanto à cadeira ocupada e a ressonância que os atos praticados a partir dessa cadeira estão tendo.
Como encara essas ameaças nas redes sociais até de matar a presidenta?
Na história do Brasil não temos episódios que atentem contra a vida, principalmente do dirigente maior. O que precisamos compreender é a situação dela. Foi quando eu disse que não queria estar na pele da presidente. Claro que se eu estivesse na direção, eu evitaria deixar que a situação chegasse ao ponto em que chegou. Agora, não acredito nesse caminho para um ato extremo desse, seria um retrocesso cultural.
Não estaria havendo condescendência da Polícia Federal e do Ministério Público diante de ameaças graves como essas?
A condescendência não há. É que geralmente essas colocações surgem de forma escamoteada, ninguém se apresenta e se identifica como querendo atentar contra a vida da presidente da República ou outro dirigente. Agora, ela tem uma estrutura, principalmente o gabinete militar, que viabiliza a segurança. E precisamos perceber que, acima dela, a pessoa Dilma Rousseff, está a Presidência da República, que tem um simbolismo muito grande. Nós precisamos respeitar as instituições.
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