Luís Carlos Prestes: um revolucionário em movimento
Referência para a esquerda, Prestes completaria 118 anos no último domingo (3); sua trajetória inicia no Exército e ele termina como um dos grandes nomes do comunismo brasileiro.
05/01/2016
Por Bruno Pavan,
Da Redação
Luis Carlos Prestes | Foto: Eurico Dantas/28-04-1989 |
“Da revolução para o comunismo”, foi assim que um dos principais pensadores brasileiros, Florestan Fernandes, resumiu a extensa trajetória da vida de Luís Carlos Prestes. O caminho é o inverso do que acontece geralmente, em que o comunista se torna revolucionário.
Seu caminho ao lado dos mais humildes começou antes dele sequer conhecer o comunismo. Em 1923, depois de formado na Escola Militar de realengo, na então capital do Rio de Janeiro, Prestes foi destacado para o 1o Batalhão Ferroviário da cidade gaúcha de Santo Ângelo. Lá, promoveu uma série de mudanças na vida dos soldados, como a implementação de fornos para a preparação da própria comida e a criação de escolas de alfabetização. “Os sargentos eram uns burocratas terríveis”, disse o político, em 1987.
A coluna Prestes
Em texto que está na contracapa do livro “Luiz Carlos Prestes – Um comunista brasileiro”(Ed. Boitempo), de Anita Leocádia Prestes, filha de Luís com Olga Benário, o escritor Fernando Moraes aponta que um bom biografado só se torna importante se, pela sua história, pudermos contar a história do Brasil, aquela que nos foi sonegada na escola. Este é o caso de Prestes.
Na década de 1920, o Brasil vivia uma série de revoltas de oficiais de média e baixa patente do Exército. Eles queriam afastar o então presidente Arthur Bernardes e implantar reformas no país.
“O programa deles (tenentes) era liberal em que a principal questão que era levantada era que a Constituição de 1891 fosse cumprida. Se pretendia era derrubar o Bernardes e dar posse a um outro presidente que fosse civil e que, entre outras coisas, estabelecesse o voto secreto”, explicou Anita, em entrevista ao Brasil de Fato.
A revolta mais famosa do período foi a chamada “Coluna Prestes”, ou, Coluna Invicta, por ter andado mais de 25 mil quilômetros pelo Brasil e nunca ter sido derrotada militarmente pela tropa governista, muito maior e mais armada. “Não ganhamos mas também não perdemos”, apontou o escrivão da coluna Lourenço Moreira Lima, citado na biografia escrita por Anita.
A Coluna foi uma aventura inédita ao Brasil profundo. Aqueles jovens não tinham noção da realidade social brasileira, que não era ensinada na escola militar. Daniel Aarão dos Reis, autor da biografia “Luís Carlos Prestes – Um revolucionário entre dois mundos” (Ed. Cia das Letras) lembra da visão, muitas vezes preconceituosa, que os oficias tinham dos camponeses.
“Mesmo nos relatos altamente favoráveis à Coluna, saltam aos olhos concepções elitistas, às vezes racistas, dos oficiais tenentistas em relação aos homens e mulheres do campo brasileiro. O próprio Prestes reconheceria que eles não faziam distinções entre os trabalhadores e os proprietários de terra, não tinham noções das distinções de classes sociais e das lutas sociais que decorrem destas diferenças”, contou Reis à reportagem.
A virada à esquerda, o PCB e Olga Benário
Na sua trajetória não convencional, Prestes se tornou comunista antes de se tornar um comunista brasileiro. No seu exílio em Buenos Aires, o líder da maior insurreição contra Artur Bernardes teve acesso às obras de Karl Marx e contato com dirigentes comunistas de todo o mundo.
“Ele se convenceu de que aquele programa liberal dos tenentes não ia resolver os problemas do Brasil. Chamou muito a sua atenção a miséria do trabalhador rural e ele chegou à conclusão de que aquele programa de voto secreto, de moralizar os costumes políticos, aquilo não ia resolver os problemas e era necessário buscar uma solução”, lembra Anita.
“Ele se convenceu de que aquele programa liberal dos tenentes não ia resolver os problemas do Brasil. Chamou muito a sua atenção a miséria do trabalhador rural e ele chegou à conclusão de que aquele programa de voto secreto, de moralizar os costumes políticos, aquilo não ia resolver os problemas e era necessário buscar uma solução”, lembra Anita.
Levantando ódios e desconfianças, tanto entre a elite como entre os comunistas brasileiros pela sua origem pequeno-burguesa, Prestes embarca, em 1931, para a União Soviética, para entender como funcionava na prática aquilo que ele lia nas teorias. Três anos depois, em 1934, volta ao Brasil com duas novidades que mudariam a sua vida: Olga Benário e a filiação ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Em 1935, porém, ocorre a primeira derrota do cavaleiro invicto até então. Convencidos de que havia um cenário propício para uma revolução brasileira, os comunistas fariam parte da Aliança Nacional Libertadora (ANL) que, com o apoio de figuras como Carlos Lacerda, queriam lutar contra a influência fascista no governo de Getúlio Vargas e afastar o presidente.
Em 23 de novembro, insurreições populares estouraram na capital potiguar Natal e, um dia depois, em Recife, em Pernambuco. Para os comunistas, as condições revolucionárias no país estavam maduras. Começou-se então a se pensar nos movimentos que fossem decisivos para a queda de Vargas, no Rio de Janeiro.
No entanto, passos errados e a falta de informação fizeram com que os destacamentos da capital federal fossem destruídos rapidamente pelas tropas governistas. A derrota culminaria na prisão de Prestes e Olga, no dia 5 de março de 1936. Ele nunca mais veria a companheira que, por ser alemã, foi entregue à Gestapo, polícia secreta do Estado nazista, por Vargas e morta em um campo de concentração, por ser judia, em 23 de abril de 1942.
Em 1950, Prestes se casou com aquela que seria sua esposa pelo resto de vida: Maria. Militante comunista, foi destacada como sua segurança durante a campanha dele para senador constituinte em 1946. Viveu com ele por 40 anos e tiveram 7 filhos. Reis acusa os comunistas de nunca terem suportado Maria e de mantê-la em uma espécie de ostracismo. Em seu livro, ele também aponta que sua relação com Anita e as irmãs de Prestes era difícil e que muitas vezes, durante suas visitas, Maria e os filhos ficavam na cozinha. Elas não admitiam Prestes casado novamente.
Prestes e Vargas
A relação de Luis Carlos Prestes e Getúlio Vargas começou ainda em 1930. Após a insurreição da Coluna Prestes, os tenentes viam no ex-governador do Rio Grande do Sul o nome ideal para encampar aquelas reformas liberais. Como Prestes já não acreditava naquilo, recusou seu apoio que, no último caso, Vargas deu dinheiro para receber.
Já na prisão, Prestes, assim como o PCB, seguiam as orientações de Moscou e tinham como prioridade acabar com a ameaça fascista no Brasil. Por conta disso, até hoje fala-se, por parte da direita brasileira, a história de que Prestes havia apertado a mão de Vargas em função da decisão do governo brasileiro de apoiar os Aliados contra a Alemanha Nazista e a Itália fascista na II Guerra Mundial.
“Havia uma pressão popular no Brasil nesse sentido, principalmente em 1941, 1942, exigindo que Getúlio rompesse com os países do Eixo [a Alemanha, a Itália e o Japão]. Então o que Prestes e os comunistas estavam fazendo era apoiar esse tipo de política. Isso não significa que ele apertou a mão do Vargas, nunca houve nada disso, ele nunca pediu nada em troca, foi uma posição política que me parece que, naquele momento, foi correta. Ele tinha uma posição de apoio à [entrada do Brasil de entrar na] guerra, mas também exigia que fosse dada a anistia aos presos políticos e a garantia de liberdades democráticas no Brasil”, explica Anita.
Reações e não-reações da esquerda ao golpe
A década de 1960 foi de extrema tensão na América Latina. Com a ascensão, no primeiro dia de 1959, do governo revolucionário de Fidel Castro e Che Guevara em Cuba, os Estados Unidos tinham que evitar a todo o custo que a URSS ganhasse ainda mais influência nas Américas.
O Brasil, maior país da América Latina, foi um dos alvos principais dos avanços. Já em 1961, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, os militares brasileiros queriam impedir a posse do vice João Goulart, que tinha entre seus programas diversas reformas sociais. O intento foi impedido devido à ação da Rede da Legalidade, criada por Leonel Brizola, que exigia o cumprimento da Constituição.
Nem com esse iminente perigo de golpe da direita a esquerda conseguiu se unificar em torno de Jango, pois ela reivindicava um governo que não conciliasse com os setores burgueses.
“Havia uma discurseira muito radicalizada mas que não correspondia ao real nível de organização popular. O Jango tinha que conciliar [com setores da burguesia] porque não tinha um movimento popular robusto que o desse apoio pra avançar mais”, ponderou Anita.
O golpe foi dado três anos depois, em 1964. No meio do mês de março, o presidente fez um discurso na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde anunciou as reformas de base que incluiriam, entre outras coisas, uma reforma agrária avançada no país. Poucos dias depois, em 1o de abril, os militares avançaram e tomaram o poder, no dia que duraria 21 anos.
Aqui a opinião de Anita e Daniel divergem. Ela acredita que a posição das esquerdas brasileiras de não reagir ao golpe foi acertada e que, caso contrário, haveria “um banho de sangue sem nenhum proveito para a revolução do Brasil”, ressaltando que já haviam navios norte-americanos na costa brasileira prontos para anular qualquer tentativa de reação.
Já Reis vê o cenário de uma outra forma. Para ele, a explicação da “inevitabilidade da derrota” é insuficiente. “A historiografia não tem se detido em análises esclarecedoras sobre as razões e desrazões da derrota e, em particular, da quase inexistência de resistência. Afinal, as esquerdas na época eram bastante fortes e tinham largo apoio na sociedade. Uma derrota com luta poderia ser mais compreensível”, criticou.
O que Prestes nos deixa?
No fim de sua vida, Prestes se recusou a parar, assim como as tropas comandadas por ele ainda na década de 1920. Descontente com os rumos do PCB que, para ele, havia deixado de lado a luta pela revolução em nome do fim da ditadura militar, Luís resolve sair do partido.
“Isto, certamente, lhe custou muitíssimo, porque, na sua percepção, com os demais camaradas do Comitê Central, já não tinha apenas divergências políticas, imediatas, mas também, e principalmente, divergências de concepções sobre a revolução, de métodos de trabalho e de organização, alcançando estas divergências o campo das referências morais e éticas”, explica Aarão.
“Isto, certamente, lhe custou muitíssimo, porque, na sua percepção, com os demais camaradas do Comitê Central, já não tinha apenas divergências políticas, imediatas, mas também, e principalmente, divergências de concepções sobre a revolução, de métodos de trabalho e de organização, alcançando estas divergências o campo das referências morais e éticas”, explica Aarão.
Prestes não conseguiu implementar a maioria das coisas que acreditava o que, para muitos, pode significar uma derrota de suas convicções e mais uma prova de que o socialismo não é mais possível. O legado do revolucionário seria, para Daniel e Anita, a convicção na revolução mesmo com erros e derrotas.
“Embora muitas vezes equivocado, sempre foi fiel a suas convicções, porque as tinha, o que é muito raro de encontrar no atual momento político brasileiro. Através de sua experiência – derrotada – pode-se iluminar a trajetória da sociedade que temos hoje”, acredita Aarão.
“O mais importante é o compromisso com a revolução e a transformação radical da sociedade brasileira, que só pode se dar efetivamente no socialismo. A revolução brasileira não poderá avançar sem resgatar o legado de Luís Carlos Prestes”, encerra Anita.
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