O dia em que a poderosa Globo virou comentarista de portal
Quem diria: João Roberto Marinho, dono da emissora mais controversa do país, contestou artigo do jornal britânico “The Guardian” via comentários do site
Por Marina Lang*
É oficial, nós vivemos para ver este dia: o poderoso conglomerado Globo se tornou gente como a gente. Pisando no mesmo chão virtual em que nós, filhos e filhas de mães brasileiras, passeamos quase todos os dias – nem que seja para repudiar esses enclaves recheados de ideias, no mínimo, estapafúrdias. A Globo chegou à parte que nos cabe neste latifúndio desta terra bem-dividida: a caixa de comentários do jornal britânico “The Guardian”, um dos mais influentes do mundo.
O comentário vem assinado por um dos donos do complexo de comunicação do país, João Roberto Marinho. Na ânsia de produzir uma contra-narrativa ao texto brilhante publicado por David Miranda (cujo teor já traduzimos por aqui), o poderoso executivo da Globo enviou sua opinião, numa tentativa de refutar os elementos apontados pelo articulista.
Marinho, provavelmente, esperava que tivesse a posição privilegiada de colunista concedida a David Miranda. Numa óbvia decisão da cúpula do jornal, porém, seu artigo foi relegado à singela caixa de comentários na noite de ontem.
Jornalistas estrangeiros vêm sendo alvo de “críticas” por parte de seus colegas brasileiros – tanto nos meios, em veículos como a TV Globo ou em textos da revista Veja, quanto nas mídias sociais – pela cobertura internacional, que foge ao establishment narrativo das grandes corporações midiáticas brasileiras.
Isso porque a imprensa internacional está na contramão – diametralmente oposta – daquilo que tem sido apresentado pelos veículos nacionais. Para contextualizar, a respeitada organização internacional Repórteres sem Fronteiras afirmou, há dois dias, que a imprensa brasileira insufla a população para derrubar a presidenta Dilma Rousseff. “Os jornalistas que trabalham para estes grupos de mídia estão claramente sujeitos à influência particular e partidária de seus donos, e esse conflito de interesse é nitidamente prejudicial para a qualidade de suas reportagens”. (Veja o teor do relatório na Revista Brasileiros).
Faço uma tradução livre do que foi dito por João Roberto Marinho, dono da TV Globo, à caixa de comentários do “The Guardian”. Também traduzi algumas respostas dadas ao todo-poderoso da Globo, cuja fortuna, se somada à dos seus irmãos, eleva a família Marinho à condição de mais rica do país, equivalendo a um montante de US$ 28,9 bilhões.
Faço uma tradução livre do que foi dito por João Roberto Marinho, dono da TV Globo, à caixa de comentários do “The Guardian”. Também traduzi algumas respostas dadas ao todo-poderoso da Globo, cuja fortuna, se somada à dos seus irmãos, eleva a família Marinho à condição de mais rica do país, equivalendo a um montante de US$ 28,9 bilhões.
Nota dos editores do “Guardian” na caixa de comentários – A TV Globo nos pediu para postar a seguinte resposta a este artigo:
“O artigo do sr. David Miranda (“A razão real pela qual os inimigos de Dilma Rousseff querem seu impeachment”, de 21 de abril, publicado pelo Guardian) pinta um quadro completamente falso do que está acontecendo no Brasil hoje. Ele falha ao mencionar que todas as questões começaram com uma investigação (nomeada Lava Jato), que, por sua vez, revelou o maior esquema de propina e escândalo de corrupção na história do país, envolvendo líderes do governista Partido dos Trabalhadores (PT), assim como líderes de outros partidos na coalizão governamental, servidores públicos e empresários proeminentes. Muitas dessas figuras foram encarceradas, e algumas delas, condenadas. Todo o processo de investigação está sendo conduzido em consonância com o Estado de Direito do Brasil, sob supervisão estrita da Suprema Corte do país. A imprensa brasileira, no geral, o Grupo Globo em particular, cumpriu seu dever de informar sobre tudo, como teria sido o caso em qualquer outra democracia no mundo. Vamos continuar a fazer nosso trabalho, não importa quem seja afetado pela investigação. Como reação às revelações da Operação Lava Jato, milhões de brasileiros saíram às ruas em protesto. Justamente a fim de evitar qualquer acusação de incitar manifestações em massa – como o sr. Miranda agora nos acusa – o Grupo Globo cobriu os protestos sem jamais anunciar ou dar parecer sobre eles em seus canais de notícias antes que os mesmos acontecessem. A Globo tomou medidas iguais sobre comícios para a presidente Dilma Rousseff e contra o impeachment: ela cobriu todos, sem mencioná-los antes deles realmente acontecerem, concedendo-lhes o mesmo espaço que foi dado aos protestos anti-Dilma. Quando o processo de impeachment começou na Câmara dos Deputados do Congresso, reservamos igual espaço de tempo para defesa e acusação. O Grupo Globo não apoia o impeachment em editoriais. Simplesmente declarou que, independentemente do resultado, tudo tinha sido conduzido de acordo com a Constituição, algo que na verdade tem sido o caso até agora. O Supremo Tribunal Federal – onde oito dos onze juízes foram nomeados pelas administrações presidenciais do PT, Lula e Dilma – aprovou todo o processo. Culpar a imprensa para a atual crise política brasileira, ou sugerir que ela serve como uma incitadora, é repetir o antigo erro de culpar o mensageiro pela mensagem. Por último, a afirmação de que o Grupo Globo lidera a mídia nacional, especialmente vindo de um cidadão brasileiro, só pode ser feita com má fé. A imprensa brasileira é um panorama vasto e plural de várias organizações independentes, 784 jornais diários impressos, 4.626 estações de rádio, 5 redes nacionais de transmissão de televisão, 216 canais a cabo pagos e outra infinidade de sites de notícias. Todo mundo compete com grande zelo pela audiência brasileira que, por sua vez, é livre para fazer suas escolhas. Entre fortes concorrentes, o que se encontra é a independência, sem qualquer tolerância para ser conduzido. O sr. Miranda tem o direito de dizer o que quiser para atingir os seus objetivos. Ao Grupo Globo resta a responsabilidade de relatar os fatos como eles aconteceram. É nosso dever.
Atenciosamente,
João Roberto Marinho, presidente do conselho editorial”
Tomei a liberdade de traduzir algumas respostas – de gente como a gente – a este petardo global:
Polvilho: “Claro que eles diriam isso, não?
É um sofisma ilusório, especialmente no que diz respeito a pluralidade da mídia. Dos 221 canais de televisão mencionados, a Globo detém 122 deles. Em 1995, eles tentaram censurar o filme “Muito Além do Cidadão Kane”, que discutiu sua posição obscenamente dominante na mídia, a ponto de ter as locais de exibição invadidos pela Polícia Militar, que foi assistir ao filme e confiscá-lo.
Quanto a apenas ‘relatar os fatos’, e às lágrimas de crocodilo no que diz respeito à corrupção, ela não deu muita cobertura ao fato de que eles estão mencionados copiosamente nos Panama Papers e tampouco com relação às transações financeiras irregulares relacionadas com a garantia dos direitos de exibição da Copa Libertadores.”
É um sofisma ilusório, especialmente no que diz respeito a pluralidade da mídia. Dos 221 canais de televisão mencionados, a Globo detém 122 deles. Em 1995, eles tentaram censurar o filme “Muito Além do Cidadão Kane”, que discutiu sua posição obscenamente dominante na mídia, a ponto de ter as locais de exibição invadidos pela Polícia Militar, que foi assistir ao filme e confiscá-lo.
Quanto a apenas ‘relatar os fatos’, e às lágrimas de crocodilo no que diz respeito à corrupção, ela não deu muita cobertura ao fato de que eles estão mencionados copiosamente nos Panama Papers e tampouco com relação às transações financeiras irregulares relacionadas com a garantia dos direitos de exibição da Copa Libertadores.”
DeadJello: “Acho engraçado que a resposta da Globo se esforça para afirmar que eles nunca informaram antes sobre as manifestações que aconteceram. Soa quase como se eles pudessem ter tido um pressentimento de que elas estavam prestes a ocorrer. Eu não sei nada sobre essa organização, mas soou um pouco ‘desconectado’”.
Kikinaskald: “Duvido que o processo da Lava Jato foi conduzido de acordo com o Estado de Direito, como foi afirmado no post. Alguns juízes são clara e abertamente políticos, a tal ponto que há boas razões para não confiar em suas posições. Um deles parece ser incompetente, e houve reportagens em todos os lugares sobre ações de outro, que agiu de uma forma vergonhosa para obter um dos melhores empregos no Brasil para sua filha**. Esses juízes realmente odeiam o PT. Coloquei um link em outro post para uma peça séria de jornalismo investigativo sobre um desses casos. Este é o verdadeiro escândalo no Brasil. Eu me pergunto se Globo, com todos os seus recursos, jamais mencionou o caso. Está em toda parte. Está, também, na Globo?”
* Marina Lang é jornalista e pesquisadora (FFLCH-USP)
* Marina Lang é jornalista e pesquisadora (FFLCH-USP)
Fonte: RD- Reporter Diário
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