Paraísos Fiscais, Déficit
Público e Concentração do Poder Econômico
No Brasil, além de uma estrutura tributária extremamente regressiva, há
o escape de recursos para empresasoffshore localizadas em paraísos fiscais.
O vazamento de mais de um milhão de informações das operações da
empresa panamenha, especializada na criação de empresas em paraísos fiscais,
está tirando o sono de muitos poderosos pelo mundo. Os chamados “Panama Papers”
expõem à luz do sol o submundo das operações pessoais e empresariais cujos
efeitos têm sido, sobretudo, o empobrecimento fiscal dos países. Um estudioso
dos paraísos fiscais, Gabriel Zucman, autor do livro “The Hidden Wealth of Nations”,
calcula que 8 % de toda a riqueza mundial esteja denominada em paraísos
fiscais.
Essas operações não estão, necessariamente, ligadas a ações ilegais, na
ponta, ou seja, na abertura das empresas. Há, evidentemente, políticos que
fizeram fortunas com propinas; há empresários com ganhos ilegais; há ricos e
famosos que obtiveram ganhos por fora; e há mafiosos que lavam dinheiro. Para
esses casos, a resposta é a ação da polícia e do fisco de cada país, obedecida
a legislação vigente. Zucman estima que 80% daquela riqueza sejam ilegais.
Mas também preocupam as ações legais, os 20 % restantes, avalizadas
pelas brechas legais das legislações superadas dos países e da inação com
respeito ao assunto ao nível mundial. Os paraísos fiscais são legais. As
empresas delas se beneficiam e pessoas no topo da pirâmide da distribuição de
renda também.
Um exemplo paroquial. O que fez o ex-ministro Joaquim Barbosa
exemplifica essa ação fiscalmente danosa, mas legal, acreditando que, de fato,
assim tenha sido. Ele evitou pagar os necessários tributos pela transferência
de recursos ao exterior, pela abertura de uma empresa em paraíso fiscal somente
com uma intenção: a de comprar um apartamento no exterior sem pagar os tributos
que lhe incorreriam se o fizesse sem a triangulação pela empresa offshore,
criada apenas para isso. É uma burla. Mas, ao que tudo indica, uma burla legal.
Do ponto de vista das contas públicas do Brasil a operação do ministro
pode ser uma agulha no palheiro. Não digo o mesmo do ponto de vista ético, até
porque usou como endereço um apartamento funcional, o que não poderia, além de
sinalizar para a sociedade que faça o que digo, mas não faça o que faço. Mas as
coisas de fato se tornam grandiosas se somarmos a circulação de dinheiro por
essas vias feitas pelos grandes grupos financeiros, como, por exemplo, as Organizações
Globo. Quanto escapa dos cofres públicos por esse logro, ainda que “dentro da
lei”? Em pleno período de escassez gritante de recursos fiscais, essas manobras
tributárias são responsáveis por quanto do déficit público hoje?
Na Europa a palavra de ordem do momento é “austeridade fiscal”. A crise
de 2008 gerou uma escassez de recursos públicos em razão tanto da redução do
crescimento econômico e, em boa parte, da queda do próprio PIB, quanto da
necessidade de socorro aos bancos premidos por dívidas não pagas. Receita em
queda, despesa em alta: aumento do déficit público. A solução proposta tem sido
a “austeridade” que significa, na verdade, a perda de direitos sociais e
redução de salários e benefícios, enquanto, ao lado, uma pletora de recursos
financeiros são desviados do que deveria ser receita pública para bolsos
privados.
A outra consequência que faz par com a questão fiscal é a contribuição
à crescente concentração de renda e da riqueza, fenômeno que ninguém mais
desconhece como característico das últimas décadas, o que devemos muito à
excepcional discussão provocada pelo livro de Thomas Piketty. Uma das
consequências da extrema concentração de renda e da riqueza pouco discutidas,
entretanto, é o desequilíbrio no poder que cria, no caso, o poder de
influenciar a legislação tributária. Essa a razão pela qual os países europeus
e os Estados Unidos têm conseguido avançar no combate ao uso ilegal dos
paraísos fiscais, mas menos do que se poderia esperar. Qualquer medida que
afete os interesses dos mais ricos, eles constituem poderosos “lobbies” junto
às autoridades impedindo o avanço das medidas que atingiriam não só os ilegais,
mas também os legais.
No Brasil, o silêncio cauteloso da mídia com a matéria faz ver como
funciona esse poder. Entre os dez homens mais ricos do Brasil estão os três
Marinhos, donos das Organizações Globo. Já é conhecida a ligação com a
Mossack& Fonseca. Seu poder fez interromper a investigação que em fevereiro
estava a pleno vapor na Lava Jato, inclusive com a invasão da sua sede no
Brasil pela PF. E agora consegue o silêncio de quem tem a chave das informações
sobre os “Panama Papers”, no caso, o Estadão, a UOL, e a Rede TV.
No Brasil, além de uma iníqua estrutura tributária, extremamente
regressiva, há o escape do recurso de rendimentos elevados para empresas
offshore localizadas em paraísos fiscais.
Um último registro. É escassa a ação de economistas e outros
profissionais à busca de informações sobre as consequências para o poder
público da evasão fiscal legal (da ilegal existe em maior número). Isso ocorre
no Brasil e no exterior. São os poderes em ação. Mais uma consequência da
perversa concentração de renda.
Fonte: Carta Capital,
05/04/2016
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