terça-feira, 10 de maio de 2016

A ponte para o passado

A ponte para o passado

Impichadores prometem reavivar um programa econômico com validade vencida. Tais ideias empurram o Brasil de volta à condição de exportador de commodities.


Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo
reprodução
Os neurônios dos impichadores emitem certezas dos maníacos-obsessivos: todos os males se encerram com o fim deste governo.
 
Cosmopolitas desconectados do resto do mundo, reapresentam as recomendações que comandavam as políticas sociais e econômicas desde os anos 80 do século XX. Os remédios estão com a validade vencida e a caducidade ocorreu ainda antes da Grande Recessão de 2008. 
 
A polarização entre o individualismo xenófobo de Donald Trump e o socialismo democrático de Bernie Sanders e as manifestações contra a reforma trabalhista que tomaram as ruas na França atormentam o mundo desenvolvido.
 
Esses desassossegos juntam-se aos escândalos dos Panama Papers, outrora acobertados pela alcunha de “planejamento tributário”, e às dificuldades em desatolar as economias da grana abundante desaguada nos dutos do quantitative easing. São os acordes finais da sinfonia inspirada nos arranjos melódicos do início dos anos 80.

 
A “reestruturação conservadora” preconizava a redução de impostos para os ricos “poupadores” e a flexibilização dos mercados de trabalho.
 
Os “reformistas” acusavam os sistemas de tributação progressiva de desestimular a poupança e debilitar o impulso privado ao investimento, enquanto os sindicatos teimavam em “prejudicar” os trabalhadores ao pretender fixar a taxa de salário fora do preço de equilíbrio.
 
Nos mercados de bens, a palavra de ordem era submeter as empresas à concorrência global, eliminando quaisquer políticas deliberadas de fomento industrial.
 
A liberalização das contas de capital permitiu arbitrar geograficamente salários, tributos, câmbio e juros, desarticulando os nexos nacionais entre investimento, renda e demanda. A desregulamentação dos mercados de capitais conferiu ao estelionato o status de engenhosidade financeira, embuçado na forma de veículos estruturados de financiamento.
 
A crise de 2008 emerge desse ambiente, forçando aos já fragilizados Estados a digerirem ativos financeiros podres, para desintoxicar o balanço dos bancos. Uma vez metabolizados, esses ativos se converteram em dívida pública, impondo dificuldades adicionais à gestão da política monetária e fiscal. 
 
Os eufemismos da linguagem econômica não são capazes de esconder do público o verdadeiro sentido de seus ditames: menos segurança e direitos aos trabalhadores. Que os idosos trabalhem por mais anos e recebam menos em sua aposentadoria.
 
Inviabilizar os direitos universais de acesso a serviços públicos. Enquanto recomendam esses “sacrifícios”, os bem fornidos fogem com suas polpudas poupanças para os paraísos fiscais. Abstenção e impostos são para os pobres imobilizados nos territórios nacionais. 
 
No Brasil, os programas econômicos e sociais dos impichadores permanecem aprisionados aos fracassos do passado, que fizeram o Patropi despencar no ranking das economias industriais e retornar para a condição de economia primário-exportadora, como o demonstra em seu último artigo o economista Pierre Salama.
 
A indústria da transformação que em 1985 detinha participação de 21% do PIB, é reduzida para 17% do PIB, em 2003, e 11%, em 2014.
 
As taxas reais de juro mais elevadas do mundo durante quase todo esse período estão associadas à inserção internacional da economia brasileira. Em 1994 a forte valorização cambial reduziu a inflação mensal para a casa do 1%, porém ampliou o componente que correlaciona a formação da taxa de juros com a expectativa de desvalorização do câmbio.
 
Assim, as taxas reais não podem ser reduzidas abaixo de determinados limites exigidos pelos investidores para adquirir e manter em carteira um ativo denominado em moeda fraca.
 
Não é de hoje que investidores individuais nacionais operam como não residentes por meio de bancos em paraísos fiscais, nos Mossack Fonseca da vida. 
 
Enquanto engorda os retornos dos “investidores”, a combinação entre juros elevados e câmbio corrói a indústria, a industriosidade. O Brasil da desindustrialização reproduz a trajetória de Père Goriot, o personagem de Balzac que vendeu a fábrica de massas para enriquecer com a dívida pública.
 
Morreu arruinado em uma pensão na companhia de Rastignac e Vautrin, depois de ser depenado pelas filhas seduzidas pela alta sociedade parisiense.
 
A indústria brasileira afundou nos juros elevados e no câmbio valorizado. Já a dívida bruta do setor público que em 94 representava 30% do PIB e, em 2003, alcança 58%, mesmo patamar apresentado em 2014, salta em 2015 para 66% do PIB.
 
O desempenho de superávits primários entre 1997 e 2014 foi incapaz de alterar essa dinâmica, fortemente influenciada pelas despesas com juros da dívida pública, que saltam de 27 bilhões de reais, em 1994, para o patamar de 500 bilhões, em 2015. 
 
Apesar da desarticulação do sistema industrial, com repercussões extremamente danosas à nossa economia, as políticas sociais dos últimos anos promoveram a melhora da qualidade de vida em parte significativa da população. A renda média do trabalhador cresceu 14%, entre 1993 e 2002, e 58% de 2002 a 2014.
 
O Pnad calculava 22 milhões de indivíduos extremamente pobres no Brasil em 1995. Esse número eleva-se para 26 milhões, em 2003, e cai para 8 milhões, em 2014. Em 1995, o número de pobres no Brasil era de 51 milhões. Subiu para 61 milhões, em 2003, e caiu a 25 milhões, em 2014.
 
A sociedade brasileira não é mais a mesma. Ainda que os espaços de informação e de formação da consciência coletiva estejam ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlados pela hegemonia das banalidades do discurso do dinheiro e dos poderes da finança, os milhões que ascenderam socialmente nos últimos anos não aceitarão retroceder pacificamente à posição em que estavam.


Créditos da foto: reprodução
 
Fonte: Carta Maior

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