terça-feira, 10 de maio de 2016

Fibrilação democrática: sobre o impeachment e o futuro que se descortina

Fibrilação democrática: sobre o impeachment e o futuro que se descortina

Os democratas não podem jamais tornar possível a maturação do ovo desta serpente cujo veneno provocaria a fibrilação do coração de nossa democracia.


José Carlos Garcia (1); Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (2)
roberto stuckert filho
A Folha de São Paulo publicou, em seu caderno Ilustríssima de 24 de abril, artigo do antropólogo Luiz Eduardo Soares intitulado Respiração artificial: Sobre o impeachment e suas implicações, no qual o autor faz uma crítica sobre o uso da expressão “golpe” para definir a forma concreta de condução do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, e procura fixar as bases (ou manifestar o desejo) de um processo de entendimento nacional. Dada a evidente finalidade daquele texto, hoje infelizmente rara, de buscar um campo de recomposição democrática que torne ainda viável a realização plena da política democrática na esfera pública, contendo os riscos de violências e de crescimento do fascismo social, cremos fundamental ingressar neste debate – com os mesmos objetivos, ainda que a partir de pontos de vista distintos.
 
Luiz Eduardo entende o que chama de “narrativa do golpe” como simplificadora e belicista, articulada a partir de intenções que secundarizam a qualificação dos fatos, tendendo ainda a gerar consequências extremamente negativas: se impeachment é golpe, como os membros da aliança anti-impeachment se relacionarão com as instituições que o legitimam – STF, MPF, Polícia Federal, Congresso Nacional, Forças Armadas, ou mesmo com a própria legalidade? Se golpe há, não haveria qualquer traço de legitimidade para o Vice-Presidente, apenas restando-lhe impor-se pela força bruta e pela impostura. E se o impeachment é um golpe, caberia às Forças Armadas agir em defesa da ordem constitucional, devendo a Presidente convocá-las e decretar o estado de sítio, prendendo os golpistas.
 
Como o ponto de partida de todo o seu raciocínio é a qualificação dos fatos, precisamos nos deter neste ponto. O impeachment, tal como encaminhado, é ou não um golpe? Para responder a esta questão, precisamos delimitá-la corretamente em relação ao debate nacional em curso: há absoluta clareza para todos os debatedores de boa fé de que o impeachment em abstrato não só não é golpe, como está expressamente previsto na Constituição. A discussão sobre golpe ou não golpe é, portanto, uma discussão sobre esta experiência histórica concreta de impeachment – ela reúne as condições constitucionais mínimas para ser sustentada dentro dos paradigmas constitucionais vigentes? Para uma resposta adequada precisamos compreender o que seja “golpe”. 
 
Ao contrário do que Luiz Eduardo Soares diz textualmente em seu artigo, “golpe de Estado” não é apenas uma categoria descritiva, mas um conceito, bastante bem sedimentado na Teoria Política. Suas origens históricas remontam à literatura política francesa, com a publicação, em 1639, da obraConsidérations politiques sur les coups d'État, de Gabriel Naudé, quando ainda diferia muito de seu uso contemporâneo. À época, o que Naudé entendia por “golpe de Estado” quase se confundia com “razões de Estado”, englobando até mesmo o massacre dos huguenotes na Noite de São Bartolomeu. Por outro lado, a análise clássica de Naudé implica a busca pela revelação das razões ocultas e dissimuladas do Príncipe em suas ações políticas excepcionais, fora do quadro do Direito e da Moral, por oposição a suas intenções manifestas. 

 
No Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio, Nicola Mateucci e Gianfranco Pasquino, de 1976, o verbete “golpe de Estado” discorre sobre sua história, origens e caracterização, ressaltando suas profundas modificações desde o início do uso da expressão, três séculos antes. Para Carlos Barbé, autor do verbete, em especial após o advento do constitucionalismo, a ênfase para a compreensão do conceito situa-se na referência “às mudanças no Governo feitas na base da violação da Constituição legal do Estado, normalmente de forma violenta, por parte dos próprios detentores do poder político”, resgatando mesmo a definição do Dicionário Larousse, que consagra a tradição francesa: o Golpe de Estado seria uma violação deliberada das formas constitucionais por um governo, uma assembleia ou um grupo de pessoas que detêm a autoridade.
 
A natureza violenta ou não do golpe como conceito prende-se à sua função como categoria descritiva da realidade e, portanto, à análise de sua casuística histórica. Como evidenciado, golpes são violações da Constituição do Estado “normalmente de forma violenta”, mas o uso da violência não é intrínseco ao conceito. Partindo do que então eram pesquisas recentes, Barbé afirmava que havia uma “proliferação de golpes, embora com características bem diferentes”. Às vésperas da publicação da primeira edição do Dicionário, em meados dos anos 70, “mais de metade dos países do mundo tinha Governos saídos de Golpes de Estado e o Golpe de Estado, por conseguinte, tornou-se mais habitual como método de sucessão governamental do que as eleições e a sucessão monárquica”, mas os seus atores haviam mudado, sendo, àquela altura e na maioria (não na totalidade) dos casos, “os titulares de um dos setores-chaves da burocracia estatal: os chefes militares. O golpe militar oupronunciamento, segundo palavra cunhada pela tradição espanhola, tornou-se, assim, a forma mais frequente do Golpe de Estado”.
 
É a partir da análise da nova casuística das instabilidades de governos democraticamente eleitos no mundo que precisamos definir se o conceito de golpe é ou não aplicável a casos concretos de deposição aparentemente constitucional do chefe de Estado, e não pelo uso das armas. Em recente estudo sobre o tema, Aníbal Pérez-Liñán (Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America, Cambridge University Press, 2007), após analisar detalhadamente as crises presidenciais da América Latina no período de 1950 a 2004, conclui que, após 1990, emergiu um novo padrão de instabilidade política na região, em que formas de impeachment ou declaração de incapacidade dos chefes de Estado transformaram-se, mais do que os golpes militares, no mecanismo por excelência da deposição de presidentes eleitos, e que se criaram condições para sujeitar os legisladores a diferentes mecanismos de pressão para tomarem a iniciativa do impedimento presidencial. Como muitas das condições históricas modificaram-se intensamente, as elites civis não mais podiam invocar intervenções militares para resolver suas desavenças políticas, o que as levou a buscar mecanismos constitucionais para este fim. “O impeachment presidencial emergiu como o mais poderoso instrumento para desalojar presidentes ‘indesejados’ sem destruir a ordem constitucional”, como ele pontua. E adverte, ao final: “Golpes militares podem ter sido o drama do passado, mas há razões para acreditar que crises sem ruptura serão o drama da América Latina nos anos vindouros”.
 
O principal problema contido no texto de Soares, portanto, reside no que nos parece ser uma dupla inconsistência decorrente de uma severa redução narrativa: em primeiro lugar, ele reduz o fenômeno “golpe de Estado” a uma de suas múltiplas manifestações históricas, talvez aquela mais usual no nosso subcontinente, mas nem de longe a única possível, que é a usurpação pura e simples do poder político a partir de um putsch militar em que a violência das armas, efetivada ou prometida, se constitui em ingrediente essencial. Essa redução narrativa produzida pelo autor implica a redução subsequente, ou seja, o rol de reações ao golpe por parte do poder constituído que ele alinha mantem-se, coerentemente, preso à redução narrativa anterior – as reações listadas são típicas reações a golpes de violência real, inclusive a militarização da crise pelo uso defensivo das Forças Armadas.
 
Ocorre que o golpe de novo tipo, o que se esmera em apresentar uma fachada constitucional e legal, aquele que se realiza pelo uso dissimulado de recursos institucionais contra as próprias instituições, cuja legitimidade formalmente se reivindica, é sobretudo um golpe de violência simbólica, operado na esfera das instituições jurídico-políticas. A reação a este golpe – a um tempo midiático, jurídico, legislativo, levado a efeito através da utilização intensiva de recursos discursivos – não se dá pela força militar, mas na ativação conflitiva da esfera pública, única forma efetiva (política, e não militar) de impedir a concretização do golpe, ou ao menos colocar em questão sua legitimidade democrática. Preso a sua própria narrativa de golpe de Estado como golpe militar, herdada da tradição das últimas décadas na América Latina, Soares não consegue vislumbrar nem o mecanismo institucional que oculta o golpe, nem a forma adequada de sua revelação e de reação a ele, a saber, a ampliação do espaço democrático da política. 
 
Este o principal motivo pelo qual, na mais recente experiência latino-americana que se assemelha ao atual caso brasileiro, não houve uma evolução militar do conflito político: no caso de Fernando Lugo, no Paraguai, em 2012, mesmo consideradas as imensas diferenças entre os dois países e suas circunstâncias políticas, assim como o golpe legislativo buscava uma forma aparentemente democrática para sua efetivação, evitando-se uma ruptura formal com a Constituição, assim também o Presidente deposto manteve seu compromisso com a continuidade constitucional, mesmo denunciando politicamente o golpe sofrido (no que foi acompanhado pela comunidade internacional, como restou evidente pelo conjunto de sanções e dificuldades para reconhecimento do governo posterior por parte das instâncias internacionais, principalmente regionais).
 
Por outro lado, dizer que a forma concreta de utilização do impeachment no caso atual é um golpe dissimulado contra a democracia não implica necessariamente uma teoria conspiratória global que nivele a forma de participação de todos os atores em cena: Soares menciona o Supremo, o Ministério Público, a Polícia Federal, o Congresso Nacional, as Forças Armadas, ou mesmo a própria legalidade como um todo (poderia ter incluído a grande mídia corporativa, peça-chave neste processo), mas é evidente que tais atores, absolutamente múltiplos e heterogêneos entre si, concorrem de modo inteiramente desigual e por motivações absolutamente díspares e por vezes mesmo inconciliáveis para o processo em curso. 
 
Esqueçamos por um momento as Forças Armadas, que se mantiveram adequada e constitucionalmente silentes neste episódio, e foquemos apenas em dois atores essenciais, o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal: declarações recentes de integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato têm mesmo reforçado a intenção manifesta de, espelhados na Operação Mãos Limpas da Itália dos anos 1990, proceder a uma “limpeza” do sistema político como um todo, ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, expressam seu temor pelo eventual cerceamento às investigações após eventual sucesso do impedimento presidencial; e em um contexto de grande pressão de opinião pública, fomentada por vários anos e em uníssono pela grande mídia oligopolizada, seria mesmo razoável esperar do Supremo Tribunal Federal um nível mais intenso de intervenção na dinâmica interna do Congresso Nacional que, para o bem ou para o mal, representa o eleitorado brasileiro? 
 
Não é preciso acreditar em uma conspiração ficcional de seriados de televisão americana e atribuir a estes vários atores tão diferenciados entre si uma “coordenação central do golpe” para que um golpe se produza – basta alinhar corretamente as peças no tabuleiro a partir da mobilização da opinião pública, do bombardeio midiático cerrado, constante e em várias frentes, em torno da criminalização de atores políticos (de forma seletiva ao menos no vazamento e amplitude da divulgação de escutas e delações premiadas), da geração e financiamento de entidades e grupos sem representação que assumam a convocação de massas, de uma estratégia política da oposição de bloqueio e sabotagem a qualquer iniciativa de governo para enfrentar um contexto de crise econômica,  e a preservação de uma continuidade formal da ordem constitucional para que os mecanismos de controle relaxem e se fragilizem. Estas instituições tenderão sempre a responder não de modo necessariamente instrumental ou estratégico, mas de acordo com suas autocompreensões normativas, cultura institucional e modo de atuação cotidiana, quadro que é previsível para quem efetivamente se beneficia do processo e move as peças. 
 
Como até mesmo os defensores do impedimento admitem, sua prática é e deve ser excepcional, não banalizada. Medida extrema que implica sempre a colocação em xeque da representação política e do voto direto de milhões de eleitores, seu uso deve ser reservado a hipóteses em que ao menos as acusações enquadrem-se inequivocamente no delineamento geral que a Constituição e as leis conferem aos crimes de responsabilidade – ainda que se possa controverter sobre a efetiva prática do crime pela Presidente. As acusações concretas que estruturam o pedido de impedimento da Presidente, tal como recebido pelo Presidente da Câmara dos Deputados, centram-se especifica e exclusivamente em seis decretos não numerados que abririam créditos suplementares em suposto desacordo com a lei orçamentária e as chamadas “pedaladas fiscais” no âmbito do Plano Safra. Ora, tem sido notória a intensa polêmica na comunidade jurídica nacional quanto à qualificação destes atos, mesmo em abstrato, como crimes em geral, quanto mais como crimes de responsabilidade, aptos à instauração do processo de impeachment contra a Presidente. Com base em critérios técnico-jurídicos que não vem ao caso detalhar aqui, por irrelevantes para o argumento, muitos juristas, inclusive opositores do Governo, tem-se manifestado pela inexistência, neste caso, de crime de responsabilidade na forma do art. 85 da Constituição e da Lei 1.079/50. Além disso, segundo a própria grande imprensa nacional, as mesmas práticas vêm sendo adotadas ininterruptamente no âmbito federal, ao menos desde os mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o mesmo ocorrendo hoje com pelo menos 16 governadores de estado no tocante às chamadas “pedaladas fiscais”. 
 
Nos parece evidente, independentemente de quaisquer posicionamentos quanto ao mérito, que acusações sobre cuja ilicitude há ampla controvérsia na comunidade jurídica, e que tem sido largamente aceitas como práticas de governo nos âmbitos federal e estadual ao longo dos anos, não podem servir como base jurídica aceitável para instauração de processo de impedimento, ao menos não sem levantar a fundada suspeita de desvio absoluto da finalidade do respectivo procedimento em relação aos seus contornos constitucionais, usando-se uma formatação constitucional abstratamente legítima para a obtenção de um fim político constitucionalmente inaceitável. É precisamente nesta retorção das normas constitucionais, no seu desvirtuamento conceitual para servir a um fim diverso daquele previsto na Constituição, que reside a adequação do uso da expressão “golpe” para designar as ações em curso no país: porque ele consiste no uso concentrado de uma profunda violência simbólica, viabilizada pela obtenção de maioria qualificada na Câmara e no Senado em oposição ao governo, com respaldo de parte importante da opinião pública, que implica a distorção acentuada do contexto constitucional autorizativo do afastamento presidencial, ainda que sob a tentativa de preservar a aparência de legalidade e de normalidade democrática.
 
A Operação Lava-Jato levantou uma quantidade impressionante de material tendente a demonstrar a prática de inúmeros crimes. Muitas condenações já aconteceram. Hoje se fala em suspender ou finalizar as investigações, quando elas sequer afetaram ainda todo o leque político nomeado nas delações – no governo ou na oposição. O prosseguimento das investigações, com seu espraiamento para partidos fora do bloco que até recentemente conferira sustentação política ao governo, assim como sua continuidade para os ex-aliados, seria essencial para o aprimoramento das instituições democráticas e representativas no país – ainda que muitas ressalvas possam ser feitas a parte dos procedimentos adotados até aqui pelas autoridades policiais e judiciais naquela Operação, e que ainda poderão receber revisão pelos tribunais superiores. Este prosseguimento até poderia, em tese, revelar novos fatos que demonstrassem a ocorrência de práticas criminosas que, desde que nos limites versados no § 4.º do art. 86 da Constituição, viessem a legitimamente sustentar o início de um processo de impedimento presidencial, sem qualquer mácula de golpe ou violência contra a ordem constitucional. 
 
Mas dar curso a um processo de impedimento com base em condutas cuja ilicitude não é clara sequer a vários especialistas de diferentes matizes técnicos, ideológicos e políticos, alinhados ou contrários ao atual governo, não pode ser senão uma temeridade inaceitável ante os princípios que norteiam nossa democracia. Qualquer estudante de Direito sabe que processos judiciais podem ser utilizados para fins ilegais ou imorais, e por isso os Códigos de Processo reiteradamente determinam que os juízes não permitam que isso aconteça. Reconhecer legitimidade a um processo de deposição da Presidente sem que a acusação formal seja inequivocamente apta a este fim é permitir que um processo constitucional seja distorcido para desvirtuar o resultado eleitoral e a soberania popular.
 
É nas ações comprometidas com a democracia e com o desvelamento do oculto, e principalmente na imprescindível necessidade de superar o evidente crescimento do fascismo social em curso no país, que temos maior acordo com Soares. Como ele bem pontua, é preciso superar os níveis de intolerância e o risco de derivação violenta da crise política, ainda que tal violência pudesse ficar restrita topicamente a certos atores. A divergência reside no preço político que cada um de nós entende razoável ser historicamente pago. Soares crê que a não utilização da expressão “golpe” possa desarmar em parte os espíritos, de sorte a tornar mais viável a possibilidade de articulação construtiva da divergência política e ideológica, ainda que ele mesmo considere que não há crime de responsabilidade no caso atual. Consideramos o preço muito alto para nossa tradição democrática.
 
Se há algo da tradição política do Brasil que nos parece relativamente consensual neste horizonte intensamente conflitivo é a persistência dos pactos de transição entre as elites sem superação ou resolução dos traumas do passado. Exemplo incontornável disso foi o fim do regime militar pós-64 e a estratégia de “abertura lenta, gradual e segura”, coroada com uma Lei de Anistia autopresenteada pelo regime que, ao contrário de alguns de nossos vizinhos, nos impediu, referendada que foi pelo Supremo Tribunal Federal, de investigar e punir torturadores e assassinos vinculados à institucionalidade ditatorial. O efeito disso sobre o grau de violência das forças policiais e sobre a fragilidade dos direitos e garantias individuais de suspeitos e réus no Brasil é algo que o próprio Soares relata consistentemente em muitos de seus excepcionais trabalhos acadêmicos. As dificuldades de funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, ou a patética aparição de defensores da “intervenção militar constitucional” ou de parlamentares que homenageiam torturadores em pleno Congresso Nacional, confirmam: o preço a pagar pelo entendimento não pode ser o confortável escamoteamento da verdade. 
 
A indispensável recomposição da qualidade dos enfrentamentos políticos em conflitos discursivos na esfera pública mobilizada, em sociedades que pretendem reivindicar validamente um Estado Democrático de Direito, somente pode repousar sobre o consenso mínimo existencial que esta sociedade se institui como paradigma geral de validade das ações e reações jurídico-políticas: a Constituição e os limites que ela impõe a todos os atores sociais. Se este paradigma é violentado, física ou simbolicamente, a denúncia desta violência é um ato inescapável àqueles que estão comprometidos com ela, e o preço a pagar por esta recomposição não pode ser o seu silenciamento. 
 
Outra coisa, com a qual concordamos, é que a forma desta denúncia deve-se limitar ao nível da política e da ação discursiva, vedando-se qualquer escalada de agressões recíprocas que fomente o crescimento de um fascismo social obviamente já presente e à espera de uma oportunidade histórica. Os democratas de quaisquer cores não podem jamais tornar possível a maturação efetiva do ovo desta serpente cujo veneno provocaria a imediata fibrilação do coração de nossa jovem e frágil democracia. Estes são os dois referenciais elementares que podem e devem unir apoiadores ou opositores do impeachment na reconstrução das pontes de compartilhamento da legítima e intensa divergência democrática: a defesa incondicional da Constituição, especialmente no que toca ao respeito à institucionalidade democrática e aos direitos e garantias fundamentais, e o isolamento absoluto de toda forma de fascismo social e de intolerância discursiva.
 
(1) Doutor em Direito pela PUC-Rio, membro do grupo de pesquisa  Democracia, Cidadania e Estado de Direito da UFF, juiz federal na 2a Região.
(2) Doutor em Sociologia pela UFRGS. Coordenador do PPG em Ciências Sociais da PUCRS.


Créditos da foto: roberto stuckert filho
 
 
Fonte: Carta Maior

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