sexta-feira, 27 de maio de 2016

Resistência até o fim

Política

Entrevista - Dilma Rousseff

Resistência até o fim

Serena no seu peculiar exílio, nesta entrevista Dilma Rousseff afirma que o último capítulo do impeachment ainda não se encerrou
por André Barrocal, Mino Carta e Sergio Lirio — publicado 22/05/2016 06h35, última modificação 22/05/2016 18h32
Roberto Stuckert Filho/PR
Dilma
"O golpe é o parasita, a democracia o hospedeiro. Este precisa ser salvo"
Dilma Rousseff, ao contrário do que pretende a propaganda da mídia nativa, aparenta notável tranquilidade. Ela enfrenta até com sorrisos o seu peculiar exílio no Palácio da Alvorada, hoje residência permitida a uma presidenta afastada, e esta não é a visão de quem não trai a verdade factual.
Há uma lógica no comportamento de Dilma, surgida de uma esperança plausível, como se verá por esta entrevista, a mostrar que ela pretende resistir, e jogar cartas na mesa ao longo do capítulo final e ainda inconcluso do processo do impeachment, conforme a pauta do inédito golpe à brasileira. Leia a íntegra da entrevista na edição 902 de CartaCapital, que já está nas bancas.
Dilma Rousseff: Eu entendo que algo vai se revelar de forma muito clara. Quem conduz este processo? A questão é importante para perceber sua natureza, e o véu se levanta ao se analisar a composição do ministério provisório, ligado ao controle de um certo grupo do PMDB que assumiu o PMDB, capaz de transformar um partido de centro em um partido golpista de direita. Temos o governo do Cunha. Que mais é do Cunha? Os 217 parlamentares do centrão indicam André Moura, homem do Cunha. Podem tirar o André Moura, indicarão outra pessoa ligada ao Cunha.
CC: André Moura, salvo engano, é réu no STF...
DR: Haverá dificuldade em achar quem não é. Mas voltando. Desde 1988, nosso presidencialismo requer uma coalizão, até aí nada de mais. É impossível um país desta envergadura e deste tamanho ser dirigido sem uma coalizão. Ela foi de centro-direita, no período FHC, ele precisava de três partidos para conseguir a maioria, às vezes de quatro ou cinco para fazer os dois terços. Cada vez mais, pela fragmentação partidária, pelo aumento dos interesses em criar partido dado o fundo partidário, foi aumentando a quantidade de partidos e esse aumento se deu dentro dessa ideia muito imprecisa de centro político, mas é a que eu tenho.
Lula já precisava de oito partidos para ter a maioria simples, em torno de uns 10 ou 12 para ter dois terços e eu precisei, nos meus dois períodos, cada vez mais de mais partidos. Aí depende de quantos e de quem. No grande partido de centro, o que veio desde a Constituinte, emerge uma figura tipicamente conservadora de direita, fundamentalista, com uma capacidade de articulação razoável, com mecanismos de reprodução e controle de parlamentares também razoáveis, e esse processo leva a uma imensa dificuldade na relação Executivo-Legislativo, Eduardo Cunha.
Imensa dificuldade que não é determinada somente, por exemplo, pelos três votos que ele nos pediu para não entrar com o processo de impeachment, chantagem que o próprio autor do processo de impeachment, o ex-ministro do FHC, Miguel Reali Júnior, chamou de chantagem explícita. A origem do impeachment não está  no PSDB e no DEM, não tinham força para tanto. Se na Câmara tivemos 145 votos e eles 367, o Centrão hoje é muito significativo, é o maior grupamento... se você fizer a conta, verifica que se estabelece um controle pela direita de 217 parlamentares no mínimo.
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O governo provisório não é de Michel Temer. Quem manda ali e na Câmara é o Cunha (Foto: Marcelo Camargo/ABr)
CC: Uma reforma política não resolveria o problema do nosso presidencialismo?
DR: Reforma política é imprescindível. Recordam 2013? Propusemos uma Constituinte a qual precisa do respaldo das instituições, a não ser que a rua tenha a reforma como bandeira. Ora, a rua não tinha, vinha com uma fala mais difusa. Talvez, em momento algum, como hoje se tenha percebido a premência da reforma.
CC: O que a senhora acha do parlamentarismo, que volta e meia vem à baila?
DR: Acho muito difícil a compreensão do povo brasileiro. O presidencialismo foi a única instância que permitiu fazer transformações dentro da legalidade. Por quê? Porque a relação do voto popular com o presidente implica uma discussão sobre rumos que não têm filtros, nem oligárquicos nem regionais, nem de interesses econômicos. É uma relação quase direta. O Senado tem alguma autonomia nos espaços estaduais, mas a melhor oportunidade para a relação transformadora no Brasil por meio de eleições diretas foi o presidencialismo. O parlamentarismo do Brasil tenderia a ser oligárquico, porque teria enorme influência nos poderes localizados. Isso vem desde o império, a meu ver.
CC: O que explicaria o fato de a senhora ter tido como companheiro de chapa alguém que na interinidade lançou uma agenda tão distinta daquela que foi vitoriosa em 2014. São os problemas do nosso sistema político sobre os quais falamos há pouco aqui ou foi um processo exterior que tem a ver mesmo com tomada de poder?
DR: Já vi o PMDB como partido de centro e acho que segmentos dele ainda são, mas uma parte do PMDB foi de fato capturada para uma posição conservadora de direita. Perdão, é falar mal dos conservadores, na realidade são golpistas de direita. Acho que houve um processo dentro do PMDB de reagrupação de forças, de tal forma que hoje a hegemonia dentro do partido é de Eduardo Cunha e seu grupo. Mesmo afastado pelo Supremo, ele continua dando as cartas na Câmara e no governo. E mesmo no Senado através deRomero Jucá.
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Vejam só, até no Senado a mão de Cunha aparece, com a presença de Romero Jucá (Foto: Marcelo Camargo/ABr)
Fonte: Carta Capital

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