Tereza Cruvinel
Usina Nuclear Angra
dos Reis
Com a volta das privatizações à agenda
do governo interino de Michel Temer, até mesmo o monopólio do Estado na
construção e operação de reatores para a produção de energia nuclear está
ameaçado. Uma emenda constitucional apresentada em 2007 dormiu nos escaninhos
da Câmara estes anos todos e reapareceu agora, com chances de ser aprovada em
breve.
A denúncia do conselheiro do Clube de
Engenharia Paulo Metri, que explica melhor o assunto na entrevista abaixo. Ele
informa que a emenda do deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR), de 2007, foi
apensada a outra, de 2011, do deputado também tucano Calos Sampaio (PSDB-SP).
No último dia 12 de junho foram aprovadas pela Comissão de Constituiçãoe
Justiça da Câmara e agora estão prontas para ir a plenário. Se aprovada, diz
ele, a mudança na Constituição abrirá o setor à participação estrangeira, com
graves reflexos no desenvolvimento nacional. As empresas nacionais, diz Metri,
não teriam tecnologia nem capitais para entrar em área tão sensível e
estratégica. Tanto os dois autores como o relator são expoentes da base
governista de Temer.
Veja
a entrevista de Paulo Metri.
247 - O que a PEC 122 representa de fato
para o setor nuclear nacional?
Paulo Metri - O deputado federal Alfredo
Kaefer, do PSDB do Paraná, apresentou em 2007 a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) no 122, que visa modificar os artigos 21 e 177 da nossa
Constituição para excluir do monopólio da União a construção, operação e,
implicitamente, a posse de reatores nucleares para fins de geração de energia
elétrica. Hoje, só a empresa estatal Eletronuclear possui, constrói e opera no
setor. Salvo engano, esta proposta será submetida brevemente à votação do
plenário e pode ser aprovada sem grande debate.
Na verdade, está se falando da permissão de entrada de empresas
estrangeiras na geração nucleoelétrica no país.
247 - Mas o texto da PEC determina a
atuação de empresas nacionais no setor...
Metri - Não existe a possibilidade de
uma empresa privada genuinamente nacional vir a ter esta atividade, por causa
do porte e experiência requeridos. Podem até camuflar a entrada das empresas
estrangeiras no setor, colocando empresas privadas nacionais genuínas na
fachada, mas estas serão somente testas-de-ferro. É preciso diferenciar a
assistência técnica externa dada a empresa brasileira, como é o caso da Areva,
que assiste a Eletronuclear, do uso de uma empresa brasileira sem competência
no setor como testa-de-ferro. Então, na prática, o modelo do setor proposto
nesta PEC é o do convívio de subsidiárias das empresas nucleares estrangeiras
com a única brasileira de porte e tradição: a Eletronuclear, que já possui
Angra I, II e III.
247 - Por que é importante preservar a
construção, a manutenção e a operação de usinas nucleares na mão do Estado,
como hoje determina a Constituição?
Metri - As empresas estrangeiras não
irão querer ter no Brasil todas as atividades de projeto, construção,
fabricação de equipamentos e montagem das usinas. Seguramente, vão trazer o
projeto e os equipamentos do exterior. A construção e a montagem podem vir a
ser contratadas com empresas brasileiras, mas elas poderão também forçar para
que construtoras e montadoras estrangeiras entrem aqui. Quanto ao ciclo do
combustível, a proposta do deputado não menciona nada, mas elas irão importar,
certamente, elementos combustíveis, o que maximizará a operação de suas
unidades industriais no exterior. Não se pode esquecer que, além da obrigação
de oferecer energia elétrica, a mais segura e barata possível, para a
sociedade, outros objetivos do Estado são o de maximizar a geração de emprego e
renda no Brasil, que estão incluídos na maximização das compras locais. Assim, este
critério é muito melhor satisfeito pela Eletronuclear.
247 - Há um mercado de produtos e
serviços nucleares no mundo no qual o Brasil poderia se inserir em um futuro
próximo. As mudanças propostas pela PEC podem impactar essa participação?
Metri - Com a introdução do novo modelo
no Brasil, o país fica impedido de participar da parcela do mercado de produtos
e serviços nucleares no mundo, permitida pela Agência Internacional de Energia
Atômica (AIEA). Isso porque as subsidiárias estrangeiras aqui sediadas não irão
participar de concorrências em outros países, por falta de interesse das
matrizes de usar suas subsidiárias. Além disso, o lucro de uma eventual
exportação não ficaria no país. O Brasil poderia tentar entrar, no futuro, com
o consórcio Eletronuclear, Nuclep e INB, assistido pela Areva. Esta
possibilidade futura está sendo negada com a introdução, hoje, do novo modelo,
além do nível de desenvolvimento tecnológico dominado pelo país no setor vir a
regredir.
247 - Ainda em relação aos interesses e
às práticas de matrizes e subsidiárias, há outras perdas?
Metri - Sim. O total das remessas de
lucros e valores de assistência técnica para o exterior é superior no caso da
adoção do modelo alienígena. A diferença entre os valores do modelo estatal e
nacional e do modelo estrangeiro representa o montante que não será remetido
para o exterior e será reinvestido no país.
247 - Um ponto que sempre vem à tona em
debates sobre a geração energética nuclear é a segurança. A abertura à
iniciativa privada colabora com a segurança no setor?
Metri - Na verdade, a construção e a
operação privada de uma usina nuclear traz à tona o célebre conflito entre
lucratividade e segurança. Sabe-se que, com o acréscimo de medidas de
segurança, mais caro fica o investimento da usina. A iniciativa privada visa
ter o máximo lucro, dentro de uma atuação segura da sua atividade. Contudo, é
omitido que existem diferentes graus de segurança para qualquer empreendimento
e, a cada aumento da segurança, existe um investimento adicional, que aumenta o
investimento total. Também a escolha do grau de segurança a ser adotado em um
empreendimento é uma decisão que leva em conta o impacto na lucratividade, e
ninguém pode dizer, com certeza, qual é o grau mínimo de segurança suficiente.
Desta forma, pode-se dizer que a construção e a operação de usinas nucleares
diretamente pelo Estado podem resultar em usinas mais seguras, à medida que o
Estado não procura a maximização do lucro.
247 - A PEC prevê a criação de uma
agência que regularia o setor. Essa agência não seria suficiente para garantir
que as empresas privadas atendessem não só aos critérios de segurança, como
também aos interesses da população?
Metri -Esse é um contra-argumento
bastante utilizado. Há quem diga que existindo o ente do Estado fiscalizador da
segurança nuclear, atualmente a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a
segurança estará garantida. Entretanto, algumas das maiores agências
reguladoras do país, a ANP, a ANEEL e a ANATEL, que fiscalizam setores abertos
ao capital externo, são exemplos de agências dominadas pelas próprias empresas
reguladas. A ANP já colocou mais de 1.000 blocos do território nacional em
leilão para a busca de petróleo, atividade esta de pouco valor para a sociedade
e de grande valor para as empresas estrangeiras. A ANEEL deixou as
concessionárias cobrarem a mais dos consumidores por cerca de 10 anos. A ANATEL
deixa o Brasil ter uma das maiores tarifas de telefonia do mundo, em flagrante
ação de cartel das operadoras.
247 - Caso a PEC passe, qual será a
última trincheira de resistência?
Metri - Se passar, conto com a direção e
o corpo técnico da CNEN, ou da Agência que venha a ser criada, para oferecer
resistência aos assédios de cooptação do setor privado, que com certeza irão
existir, uma vez que virão junto com este novo modelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário