terça-feira, 21 de junho de 2016

'EUA querem bases em Ushuaia e na Tríplice Fronteira'

'EUA querem bases em Ushuaia e na Tríplice Fronteira'

Moniz Bandeira afirma que bases militares estão em processo de negociação entre Washington e o governo de Mauricio Macri.



Martín Granovsky - Página/12
Casa Rosada/ Gobierno de Argentina

– Existe algum padrão comum que relacione a política adotada por Macri e o golpe no Brasil?

– Sim. Há muito tempo que os Estados Unidos buscavam uma mudança de regime na Argentina e no Brasil, dois países que frustraram a conformação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) em 2005. Tentaram fazê-lo pela via eleitoral, e alcançaram esse objetivo na Argentina, com a vitória de Mauricio Macri. No Brasil não. Dilma Rousseff venceu o candidato neoliberal Aécio Neves, ainda que por uma pequena diferença de votos. Mas a crise econômica, a recessão agravada pelos erros políticos da presidenta Dilma Rousseff, a queda em sua popularidade, as denúncias de corrupção na Petrobras, entre outros fatores, criaram o clima para que a oposição pudesse promover o processo de impeachment, que ainda deve ser confirmado no Senado. Entretanto, o governo do presidente interino Michel Temer vem atuando, desde a primeira hora, como governo definitivo, e se passou a impulsar uma política para atender aos interesses de Washington e Wall Street.

– Você estudou com detalhes a relação entre os Estados Unidos e o Brasil. Há indícios ou provas de uma participação dos Estados Unidos no golpe de Michel Temer?


– Os indícios são muitos. Tanto o juiz Sérgio Moro, que lidera a Operação Lava Jato, como o procurador-geral da República Rodrigo Janot mantêm contato constante com organismos estadunidenses. Janot esteve em reuniões com o Departamento de Justiça, o FBI e funcionários da Securities and Exchange Comission (SEC), buscando informações sobre a Petrobras. Moro realizou cursos no Departamento de Estado, em 2007. No ano seguinte, ele passou um mês num programa especial de treinamento, na Escola de Direito de Harvard, acompanhado por sua colega Gisele Lemk. Em outubro de 2009, Moro participou de uma conferência regional sobre “Illicit Financial Crimes” promovida no Rio de Janeiro pela Embaixada dos Estados Unidos. Mas não há pista mais evidente de suas conexões que o fato dele ter sido eleito um dos dez homens mais influentes do mundo pela revista Time, em 2015. Além da Operação Lava Jato, Moro teve e tem como alvo companhias como a Petrobras e a Odebrecht, que trabalha na construção do submarino nuclear com tecnologia francesa.

– A construção de um submarino nuclear junto com a França influiu na relação entre o Brasil e os Estados Unidos?

– É uma iniciativa (a construção do submarino nuclear) não convém aos Estados Unidos de nenhum modo, e por isso eles mantêm a 4ª Frota navegando no Atlântico Sul, próximo às reservas de petróleo que estão sob a camada do Pré-sal, o conjunto de formações rochosas localizadas na zona marítima de grande parte do litoral da América do Sul. Principalmente em território do Brasil. Se trata de uma faixa com grande potencial de geração e acumulação de petróleo.

– Também na Argentina?

– As reservas petrolíferas da companhia inglesa Lockhopper’s North Falkland até maio de 2016 se duplicaram, chegando a mais de 300 milhões de barris. As estimativas às que eu tive acesso indicam que o potencial na zona é de quase um bilhão de barris. Outras duas companhias inglesas estavam por operar nos jazimentos petrolíferos das Malvinas. A vitória de Mauricio Macri aumentou o apetite dos investimentos dos Estados Unidos na região. Este é, possivelmente, um dos fatores que levam os Estados Unidos a estabelecer negociações para a implantação de uma base militar em Ushuaia, e na Patagônia, mais próximas da Antártida, além de outra na Tríplice Fronteira, onde está parte do Aquífero Guarani, o maior manancial subterrâneo de água doce do mundo, com um total de 200.000 km². O manancial transfronteiriço abarca territórios no Brasil (840.000 Km²), Paraguai (72.500 Km²), Uruguai (58.500 Km²) e Argentina (225.000 Km²).

– Mas as bases não estão pronta, ou estão?

– As bases ainda não existem, mas tenho informação de que estão sendo negociadas com Macri. É um velho desejo dos Estados Unidos, e agora aproveitam a situação política favorável. As bases têm uma tipologia comum. Se chamam quase-bases, módulos que podem servir em caso de emergência. No Paraguai, começaram com a construção de uma grande pista no aeroporto de Mariscal Estigarribia. Essa quase-base foi iniciada em 1980, com a construção de módulos para alojamento de 16 mil soldados, que depois foi ampliada, com uma nova pista do aeroporto, radares e hangares. Logo, as atividades foram freadas, em grande medida devido a pressões do Brasil, e assim não se viu nenhum contingente militar estacionando por lá, embora já houvesse a garantia legal de imunidade aos soldados estadunidense, aprovada pelo Senado do Paraguai em 2005.

– Que tipo de vínculos os Estados Unidos mantêm com as Forças Armadas do Brasil, e com que profundidade?

– As Forças Armadas do Brasil mantêm relações cordiais e de colaboração, em diversos setores, com as Forças Armadas dos Estados Unidos. Mas há desconfiança. Desde a guerra das Malvinas, em 1982, a primeira hipótese de guerra em estudo por parte do Estado Maior das Forças Armadas do Brasil é a de um conflito com uma potência tecnologicamente superior, por exemplo com os Estados Unidos, na Amazônia. E os altos mandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica são conscientes de que os Estados Unidos não querem o desenvolvimento do Brasil como potência militar, com um papel internacional relevante. Por isso, o Pentágono insiste em que a tarefa das Forças Armadas brasileiras sejam somente a de polícia interna. Nossos militares não a aceitam. As contradições são muitas. E as condições no Brasil e no mundo não são as mesmas de 1964, ano do golpe militar. O último ministro de Defesa de Dilma, Aldo Rebelo, era do Partido Comunista do Brasil. Não houve nenhum problema.

– Existe um desenho continental dos Estados Unidos voltado para a América do Sul?

– Existe um desenho geopolítico e estratégico criado por Washington, que consiste na instalação de uma base em Ushuaia e outra na Tríplice Fronteira, como já comentei. Seu objetivo é recuperar e aumentar a presença militar na América do Sul, que parece ter se reduzido desde a perda da base de Manta, no Equador, e desde que a Justiça da Colômbia considerou inconstitucional a instalação de sete bases no país. Bases reconhecidas como tais existem em El Salvador (Comalpa), Cuba (Guantánamo), Aruba, Curaçau e Porto Rico. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos mantêm na América Latina algumas bases informais e legalmente ambíguas. O Pentágono as chama quase- bases, para evitar tanto o escrutínio do Congresso quanto a reação interna dos países. As quase-bases estão no Peru, Honduras, Costa Rica, Panamá, Equador e Colômbia, entre outros países ao largo do litoral do Pacífico. As quase-bases na Antártida e na Tríplice Fronteira representam uma ameaça à soberania de Argentina e à segurança do Brasil. O presidente Lula rejeitou o acordo para que os Estados Unidos tivessem bases de lançamentos de foguetes em Alcântara, no norte da Amazônia.

– Como são articulados o poder do dólar, o poder militar, o do comércio e o soft power da cultura, o consumo ou as séries?

– Os Estados Unidos usam pressões comerciais, manobram o mercado mundial, e emitem sanções econômicas, enquanto os meios de comunicação hegemônicos difundem a propaganda, se tornando instrumentos de operações de guerra psicológica.

– Você mencionou a USAID, a agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento internacional. O presidente Evo Morales a expulsou da Bolívia.

– O peso da USAID é muito variável, depende do país em questão. A Bolívia foi o segundo país, depois da Rússia, a expulsar a USAID, e o fez porque ela tinha um papel central no estímulo à oposição. O presidente do Equador, Rafael Correa, ameaçou fazer o mesmo. A USAID realiza um trabalho profundo de cooptação de jornalistas, financiamento à instalação de meios de comunicação e redes sociais contra o governo dos países onde atua, entre outras coisas.

– Os Estados Unidos tomaram alguma determinação específica sobre a América do Sul ou aproveitaram a debilidade dos regimes populares ou progressistas?

– Parece que os Estados Unidos agora voltaram sua atenção para a América do Sul, que não estava nas prioridades de sua política exterior até há pouco tempo. Mas sua perspectiva é incerta, devido à possibilidade de vitória de Donald Trump nas eleições de novembro. Igualmente, com ou sem ele na Casa Branca, tampouco é segura a aprovação, por parte do Congresso, dos tratados de livre comércio já assinados pelo presidente Barack Obama.

– Existe alguma novidade geopolítica no mundo?

– Nenhuma recente. O impasse entre os Estados Unidos e a Rússia continua, está presente no conflito da Ucrânia e na guerra da Síria, por exemplo. Enquanto isso, a OTAN se move nas proximidades das fronteiras da Rússia. Há uma guerra híbrida ente as grandes potências – Estados Unidos, Rússia e China –, mas não creio que possa ocorrer uma confrontação militar direta. Alemanha, França e alguns outros países europeus não desejam uma guerra no continente. Por outro lado, os movimentos da OTAN, alegando a ameaça da Rússia à Polônia e aos países bálticos, passam a ser um grande pretexto para alimentar uma indústria bélica a qual sustenta milhares de empregos nos Estados Unidos.

– Qual é o papel que a Rússia e a China exercem hoje na América do Sul?

– O rol da Rússia não é muito relevante. Está envolvida em problemas maiores na Ucrânia e na Síria. A Venezuela, desde os últimos anos do governo do ex-presidente Hugo Chávez, tentou uma aproximação com a Rússia, mas não havia nenhuma possibilidade de convencer Moscou a intervir na América do Sul. Com relação à China, a situação é diferente. É um país que tem mercado e possui enormes recursos financeiros para investir. Mais que os Estados Unidos. Seu papel é cada vez mais relevante. A China é o maior sócio comercial e o principal investidor de capital no Brasil, com cifras previstas superiores aos 54 bilhões de dólares, e o segundo maior sócio comercial da Argentina, depois do Brasil.

– Analisando o golpe no Brasil, vemos que Eduardo Cunha foi o cabeça de uma conspiração?

– Cunha foi apenas um instrumento, serviu para apresentar e impulsar mais rapidamente o pedido de impeachment. Ele é um corrupto, já está bastante desmoralizado, e logo será descartado, expulso do Congresso e possivelmente preso. O governo de Temer é fraco. Carece de legitimidade e apoio popular. É um governo totalmente podre, corrupto. E serve aos interesses antinacionais.

– Se Cunha foi somente um instrumento, de onde veio o plano?

– No Brasil, houve, e continua havendo, uma aguda luta de classes, fomentada principalmente com recursos financeiros que chegaram não somente das organizações empresariais de São Paulo e de outras fontes do país, mas também do exterior, por meio de ONGs, financiadas direta ou indiretamente com recursos de grandes capitalistas como George Soros, os irmãos David e Charles Koch, entre outros. Os irmãos Koch são a base do Tea Party. Quem também financia essas ONGs são milionários como Warren Buffett e Jorge Paulo Lemann, proprietários dos grupos Heinz Ketchup, Budweiser e Burger King, e sócios de Verônica Allende Serra, filha do atual chanceler do governo interino, José Serra, dona da sorveteria Diletto. Não se pode deixar de considerar o eventual rol das organizações vinculadas ao governo dos Estados Unidos, entre as quais cito a National Endowment for Democracy (NED) e a USAID.

– Quais fatores aceleraram o ataque contra o governo de Dilma Rousseff?

– No Brasil, existe uma poderosa facção empresarial, que se uniu ao setor da classe média que sempre odiou as políticas de Lula, que foram mantidas por Dilma. Agreguemos o fato de que Washington nunca gostou da política exterior que o Brasil desenvolveu a partir de 2003. A esperança de Washington em 2014, com Aécio Neves, era a de influir para mudar o rumo do país, com a volta ao poder do PSDB, que havia sido um fiel aliado estadunidense durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso. Mas era visível, antes das eleições de 2014, que Dilma Rousseff seria eleita. Por isso, a campanha contra ela começou já em 2013, com as manifestações de junho em São Paulo, Brasília e outras cidades, e as vaias durante a Copa del Mundo, uma estratégia baseada no manual do professor Gene Sharp, “Da Ditadura à Democracia”, para o treinamento de agitadores e ativistas, com cursos em universidades norte-americanas e nas embaixadas dos Estados Unidos. Os grandes meios de comunicação, pertencentes à oligarquia, atuaram com força decisiva para a derrubada da presidenta, em estreita aliança com o juiz Moro e o procurador Janot, que a nutriam com informações capciosas, escolhidas para servir de ataque contra o PT e o ex-presidente Lula.

– Que elementos foram decisivos para a queda na popularidade de Dilma?

– Não foi apenas devido à campanha da imprensa, mas também pelos erros da política econômica que ela implementou quando imaginava que poderia conter a oposição do empresariado. Nos protestos realizados recentemente, cujo pretexto era combater a corrupção, participaram sobretudo brancos e ricos, gente das classes média e média alta. Hoje, está claro que os mais corruptos são os que assumiram o governo com Temer, cujo programa é, sobretudo, a privatização das empresas estatais e a supressão ou redução dos benefícios sociais, a reinstalação do princípio da austeridade. Mas foram muitos os fatores que levaram Washington a trabalhar com as classes média e altas no Brasil, para alimentar a campanha pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O Brasil denunciou a espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA, por sua sigla em inglês) nas Nações Unidas, quando surgiu a notícia de que as comunicações da presidenta e da Petrobras estavam sendo monitoradas. Dilma chegou a cancelar uma visita de Estado aos Estados Unidos, em sinal de protesto. O Brasil comprou aviões na Suécia, o que representou um duro golpe para a divisão de defesa da Boeing, com a perda de um negócio de 4,5 bilhões de dólares. Também decidiu continuar com o programa de construção do submarino nuclear, e outros convencionais, com transferência de tecnologia francesa para o Brasil. O país não estabeleceu, durante os governos de Lula e Dilma, que compra mais equipamento militar nos Estados Unidos, porque o programa nacional de defesa, formulado e aprovado na gestão Lula, só autoriza esse tipo de contrato se houver transferência de tecnologia para o Brasil, coisa que as leis dos Estados Unidos não permitem. O Brasil é membro fundador do novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, instituído em Xangai. Para completar, é do interesse dos Estados Unidos acabar com o Mercosul, a Unasul e outro órgãos sul-americanos, os quais a Argentina é cofundadora e membro de grande importância.

Tradução: Victor Farinelli



Créditos da foto: Casa Rosada/ Gobierno de Argentina

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