'Vi um grupo de policiais chegando, mas vinham a paisana. Carregavam galões e foram despejando gasolina sobre os veículos que estavam no acostamento.'
Arturo Cano, para o La Jornada, do México
O velho professor deixa por um momento sua coragem e se permite um sorrisinho burlesco quando perguntado sobre se votou por Gabino Cué, o famigerado governador do Estado de Oaxaca, no sul do México: “se te digo a qual partido pertenço, não vai acreditar”. Não espera pela nova pergunta: “sou do PRI desde 1964, entrei no partido quando o grande Carlos Madrazo o dirigia”.
A conversa ocorreu em meio ao bloqueio intermitente realizado pelos professores de Tamazulapan –os veículos ficam retidos durante 15 ou 20 minutos, até que os deixam passar após as revisões de praxe. O repórter pede para falar com algum secretário geral do movimento ou um líder estudantil, mas os jovens preferem que este professor mais experiente fale em nome do grupo, e ele não diz seu nome, mas oferece todos os dados sobre sua biografia.
O velho professor acaba de regressar de Nochixtlán, no Estado de Oaxaca. Foi para lá com uma comissão que levou medicamentos para os feridos na jornada de domingo passado. “Eu mesmo comprei alguns dos remédios”, diz ele, mas sem intenção de se gabar, outros colegas também o fizeram.
Os professores e moradores mobilizados compartilham a comida e a água, escutam a rádio alternativa e se revesam para cuidar da barreira – uma enorme tábua cheia de pregos – que garante que nenhum veículo passe sem aguardar durante algum tempo.
O homem que fala pelo movimento já tinha 15 anos docência quando o atual secretário de Educação, Aurelio Nuño, veio ao mundo. E embora milite orgulhosamente no partido do governo, o velho professor é um duro crítico: “não é possível fazer uma reforma educativa sem os professores, sem a sociedade, sem os especialistas, sem os que enfrentam diariamente a missão de educar, mas o senhor secretário teima em querer ser o próximo presidente da República, já não digamos candidato, e sim presidente…”
– Provavelmente, o governo calculou que vocês não aguentariam tanto tempo.
– O senhor secretário de Educação não conhece este país, menos ainda os Estados do sul. E não sabe nada da escola pública. Quando o escutamos falar de educação? Só fala em reprimir. Nós queremos somente diálogo, e ele pensa que a educação se resolve com balas, com mortos e feridos.
“De onde vem?”, perguntam os manifestantes, no bloqueio seguinte, no belo povoado de Santo Domingo Yanhuitlán, também em Oaxaca. Enquanto revisam os porta-malas, dois homens pedem que se diga que estão deixando as passarem e que aqui não há nada mais que professores. “Eu sou a autoridade aqui no povoado, libera uma das pistas. O que mais interessa a vocês já ficou para trás: viu os federais no caminho? Porque nos disseram que virão mais.
Os mesmos rumores se propagam em Nochixtlán, alguns quilômetros adiante, enquanto o palácio municipal ainda sente a fumaça e ouve o coro da população, com o grito de “assassinos” e os nomes do presidente da República, do governador de Oaxaca e de Daniel Cuevas, identificado como o cacique político local – sua família ocupa a maioria dos cargos importantes.
Estão abertos somente alguns bares e armazéns de beira de estrada. Na entrada do acampamento, grupos de professores e moradores conversam. Sobre as suas mesas, havia um montão de gazes, vendas e garrafas de álcool, que serviram para atender os mais de 100 feridos.
Um dos homens revisa duas cartolinas na parede, que estão resguardadas por outros manifestantes. Estão escritos ali os nomes das crianças que perderam seus pais no momento do ataque da Polícia Federal. “Escreva aí que o que aconteceu em Nochixtlán foi obra do povo. E mais, que estavam apenas 20% dos professores, mas somos muitos mais, e assim nos organizamos”, pede o homem.
Algumas ruas mais adiante, os letreiros fora de uma loja ilustram o que ele quis dizer com “obra do povo”. Na verdade, é o escritório de uma transportadora: “este terminal está apoiando os professores, pais e a população em geral”. Outra cartolina afirma: “nota: esta empresa não presta serviço à Polícia Federal”.
O encarregado do negócio diz: “é preciso escolher um lado, e nós estamos do lado do povo”. Logo, ele aponta um hotel que fica bem em enfrente ao seu local, e que está fechado: “os federais, da outra vez, ficaram aí, e depois não queriam pagar, por isso, agora o dono preferiu fechar”. Outro hotel, que também hospedou os federais, e que segundo os moradores locais é de propriedade de um parente do coronel do lugar, sucumbiu ao fogo dos protestos.
“Foram disparos diretos”
Perto dali, na direção da saída do povoado, a cena que produzida pela atuação das forças federais parece a de uma minissérie de zumbis. Esqueletos de trailers e outros veículos, montes de restos de calotas queimadas, vidros e pedras que voaram de um lado para outro, bombas molotov que nunca explodiram.
Moradores e repórteres caminham sobre os escombros buscando restos, alguma pista, cartuchos de bala, indícios dos disparos que, segundo a versão governamental, saíram das armas de grupos radicalizados.
“Não acredite em nada disso”, diz o professor Roberto, que insiste em dizer que só a polícia disparou, como também afirmam outras testemunhas dos fatos de domingo.
Uma parte do seu relato diz assim: “eu vi um grupo de policiais chegando, mas vinham a paisana. Carregavam galões e foram despejando gasolina sobre os veículos que estavam no acostamento. Quando avançaram, os uniformados foram ateando fogo. Depois, começaram a atirar. Os disparos foram diretos. Um dos nossos companheiros foi executado a queima roupa, outro foi alvejado quando estava escondido debaixo de um carro”.
Algumas horas antes, os habitantes de Nochixtlán fizeram uma homenagem de corpo presente a três dos oito falecidos.
Um orador menciona o presidente Enrique Peña Nieto, e o governador de Oaxaca, Gabino Cué. “Assassinos! Assassinos!”, é o grito que acompanha os seus nomes.
O pai de David Jiménez Santiago diz que este governo “já se apropriou do lema de, Ulises Ruiz (velho coronel local), de que em Oaxaca não está acontecendo nada”. Fala também de defender a educação pública, e pergunta: “qual é a nossa missão agora? Manter-nos firmes e continuar lutando”.
Naquele momento, ninguém sabia que as mais altas autoridades do país e do Estado de Oaxaca estavam numa coletiva de imprensa, na que garantiam que o caso será investigado, para se descobrir de onde saíram os disparos, embora os representantes da Comissão Nacional de Segurança Pública tenham dito que seus elementos não foram os autores, porque estavam desarmados.
A alguns passos do local onde um pai de família conversa com os jornalistas está a estátua de Abraham Castellanos Coronado, famoso educador nascido em Nochixtlán, contemporâneo da Revolução Mexicana e homem ligado ao general Salvador Alvarado. Sobre a efígie, se observa um grande livro aberto, com a célebre frase do filho predileto deste povoado: “para formar pátria, o segredo está na educação das massas”.
Tradução: Victor Farinelli
A conversa ocorreu em meio ao bloqueio intermitente realizado pelos professores de Tamazulapan –os veículos ficam retidos durante 15 ou 20 minutos, até que os deixam passar após as revisões de praxe. O repórter pede para falar com algum secretário geral do movimento ou um líder estudantil, mas os jovens preferem que este professor mais experiente fale em nome do grupo, e ele não diz seu nome, mas oferece todos os dados sobre sua biografia.
O velho professor acaba de regressar de Nochixtlán, no Estado de Oaxaca. Foi para lá com uma comissão que levou medicamentos para os feridos na jornada de domingo passado. “Eu mesmo comprei alguns dos remédios”, diz ele, mas sem intenção de se gabar, outros colegas também o fizeram.
Os professores e moradores mobilizados compartilham a comida e a água, escutam a rádio alternativa e se revesam para cuidar da barreira – uma enorme tábua cheia de pregos – que garante que nenhum veículo passe sem aguardar durante algum tempo.
O homem que fala pelo movimento já tinha 15 anos docência quando o atual secretário de Educação, Aurelio Nuño, veio ao mundo. E embora milite orgulhosamente no partido do governo, o velho professor é um duro crítico: “não é possível fazer uma reforma educativa sem os professores, sem a sociedade, sem os especialistas, sem os que enfrentam diariamente a missão de educar, mas o senhor secretário teima em querer ser o próximo presidente da República, já não digamos candidato, e sim presidente…”
– Provavelmente, o governo calculou que vocês não aguentariam tanto tempo.
– O senhor secretário de Educação não conhece este país, menos ainda os Estados do sul. E não sabe nada da escola pública. Quando o escutamos falar de educação? Só fala em reprimir. Nós queremos somente diálogo, e ele pensa que a educação se resolve com balas, com mortos e feridos.
“De onde vem?”, perguntam os manifestantes, no bloqueio seguinte, no belo povoado de Santo Domingo Yanhuitlán, também em Oaxaca. Enquanto revisam os porta-malas, dois homens pedem que se diga que estão deixando as passarem e que aqui não há nada mais que professores. “Eu sou a autoridade aqui no povoado, libera uma das pistas. O que mais interessa a vocês já ficou para trás: viu os federais no caminho? Porque nos disseram que virão mais.
Os mesmos rumores se propagam em Nochixtlán, alguns quilômetros adiante, enquanto o palácio municipal ainda sente a fumaça e ouve o coro da população, com o grito de “assassinos” e os nomes do presidente da República, do governador de Oaxaca e de Daniel Cuevas, identificado como o cacique político local – sua família ocupa a maioria dos cargos importantes.
Estão abertos somente alguns bares e armazéns de beira de estrada. Na entrada do acampamento, grupos de professores e moradores conversam. Sobre as suas mesas, havia um montão de gazes, vendas e garrafas de álcool, que serviram para atender os mais de 100 feridos.
Um dos homens revisa duas cartolinas na parede, que estão resguardadas por outros manifestantes. Estão escritos ali os nomes das crianças que perderam seus pais no momento do ataque da Polícia Federal. “Escreva aí que o que aconteceu em Nochixtlán foi obra do povo. E mais, que estavam apenas 20% dos professores, mas somos muitos mais, e assim nos organizamos”, pede o homem.
Algumas ruas mais adiante, os letreiros fora de uma loja ilustram o que ele quis dizer com “obra do povo”. Na verdade, é o escritório de uma transportadora: “este terminal está apoiando os professores, pais e a população em geral”. Outra cartolina afirma: “nota: esta empresa não presta serviço à Polícia Federal”.
O encarregado do negócio diz: “é preciso escolher um lado, e nós estamos do lado do povo”. Logo, ele aponta um hotel que fica bem em enfrente ao seu local, e que está fechado: “os federais, da outra vez, ficaram aí, e depois não queriam pagar, por isso, agora o dono preferiu fechar”. Outro hotel, que também hospedou os federais, e que segundo os moradores locais é de propriedade de um parente do coronel do lugar, sucumbiu ao fogo dos protestos.
“Foram disparos diretos”
Perto dali, na direção da saída do povoado, a cena que produzida pela atuação das forças federais parece a de uma minissérie de zumbis. Esqueletos de trailers e outros veículos, montes de restos de calotas queimadas, vidros e pedras que voaram de um lado para outro, bombas molotov que nunca explodiram.
Moradores e repórteres caminham sobre os escombros buscando restos, alguma pista, cartuchos de bala, indícios dos disparos que, segundo a versão governamental, saíram das armas de grupos radicalizados.
“Não acredite em nada disso”, diz o professor Roberto, que insiste em dizer que só a polícia disparou, como também afirmam outras testemunhas dos fatos de domingo.
Uma parte do seu relato diz assim: “eu vi um grupo de policiais chegando, mas vinham a paisana. Carregavam galões e foram despejando gasolina sobre os veículos que estavam no acostamento. Quando avançaram, os uniformados foram ateando fogo. Depois, começaram a atirar. Os disparos foram diretos. Um dos nossos companheiros foi executado a queima roupa, outro foi alvejado quando estava escondido debaixo de um carro”.
Algumas horas antes, os habitantes de Nochixtlán fizeram uma homenagem de corpo presente a três dos oito falecidos.
Um orador menciona o presidente Enrique Peña Nieto, e o governador de Oaxaca, Gabino Cué. “Assassinos! Assassinos!”, é o grito que acompanha os seus nomes.
O pai de David Jiménez Santiago diz que este governo “já se apropriou do lema de, Ulises Ruiz (velho coronel local), de que em Oaxaca não está acontecendo nada”. Fala também de defender a educação pública, e pergunta: “qual é a nossa missão agora? Manter-nos firmes e continuar lutando”.
Naquele momento, ninguém sabia que as mais altas autoridades do país e do Estado de Oaxaca estavam numa coletiva de imprensa, na que garantiam que o caso será investigado, para se descobrir de onde saíram os disparos, embora os representantes da Comissão Nacional de Segurança Pública tenham dito que seus elementos não foram os autores, porque estavam desarmados.
A alguns passos do local onde um pai de família conversa com os jornalistas está a estátua de Abraham Castellanos Coronado, famoso educador nascido em Nochixtlán, contemporâneo da Revolução Mexicana e homem ligado ao general Salvador Alvarado. Sobre a efígie, se observa um grande livro aberto, com a célebre frase do filho predileto deste povoado: “para formar pátria, o segredo está na educação das massas”.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: reprodução
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