Glenn Greenwald
Desde o começo da campanha para impedir
a presidente democraticamente eleita, Dilma Rousseff, a principal justificativa
era de que ela havia se utilizado do artifício conhecido como “pedaladas”
(“peddling”: atraso ilegal de pagamentos aos bancos estatais) para mascarar a
dívida pública. Mas nesta semana, enquanto o Senado conduz o julgamento do
impeachment, esta acusação foi suprimida: o relatório de peritos do Senado concluiu
que “não há indício de ação direta ou indireta de Dilma” em nenhuma destas
manobras orçamentárias. Como colocou a Associated Press: “Auditores
independentes contratados pelo Senado brasileiro disseram em relatório
divulgado na terça-feira que a presidente suspensa Dilma Rousseff não agiu na
modificação da contabilidade de que foi acusada no julgamento de seu
impeachment”. Em outras palavras, os próprios técnicos do Senado esvaziaram o
primeiro argumento na defesa de que o impeachment era outra coisa que não um
golpe.
O relatório não isenta Dilma totalmente,
concluindo que Dilma abriu linhas de crédito sem a aprovação do Congresso, o
que é parte do caso do impeachment. Mas foi a acusação das pedaladas que
dominou todo o debate.
Se o impeachment de Dilma foi de fato
motivado por seu motivo declarado – a quebra de leis – esse relatório
devastador deveria interromper o percurso do impeachment. Elio Gaspari,
importante colunista da Folha de São Paulo, maior jornal brasileiro, escreveu
na terça-feira – sob o título “Há Golpe” – que, a luz deste novo relatório, o
Impeachment de Dilma pode não ter sido um “golpe” no sentido de que teria sido
realizado extrajudicialmente, mas é um golpe no sentido de que é realizado sem
eleições: por “estratagemas” através de “práticas ardilosas”.
Mas, é óbvio, o impeachment nunca teve
algo a ver com qualquer suposta quebra de lei de Dilma – esse era apenas o
pretexto para remover uma presidente democraticamente eleita por motivos
ideológicos – o que explica porque a destruição da mais importante acusação
contra ela sequer arranhou a dinâmica do impeachment. Mesmo o Estadão, jornal
veementemente contrário a Dilma, documentou esta semana como os principais
defensores do impeachment mudaram instantaneamente seu raciocínio: do argumento
de que as pedaladas exigem o impeachment para o discurso de que, na verdade,
isso nunca foi importante em primeiro lugar. Estas são as ações de pessoas
dedicadas a um fim sem se importar com as justificativas: eles estão
determinados a impedir Dilma por razões ideológicas, então a destruição do caso
judicial contra ela não faz diferença.
Ainda mais significante são as
crescentes evidências da enorme corrupção do substituto de Dilma, Michel Temer.
Em apenas 30 dias desde que assumiu, Temer perdeu três dos seus ministros por
conta da corrupção. Um deles, seu aliado extremamente próximo Romero Jucá, foi
flagrado em gravação conspirando pelo impeachment de Dilma como uma maneira de
estancar as investigações sobre corrupção, bem como indicando que os militares,
a mídia e os tribunais estavam tomando parte na conspiração pelo impeachment.
Um informante chave nas investigações, o
ex-Senador e executivo da construção civil Sergio Machado, agora disse que
Temer recebeu e controlou R$ 1,5 milhão em doações ilegais de campanha,
enquanto outro informante disse, na semana passada, que Temer era
“beneficiário” de R$ 1 milhão em subornos. Além disso, Temer está agora
impedido por uma ordem judicial de disputar qualquer eleição por 8 anos por
conta de sua violação das leis eleitorais. Para lembrar: este é quem, em nome
da “corrupção”, as elites brasileiras empossaram no lugar da Presidente eleita.
Enquanto isso, o partido de Temer, PMDB,
é virtualmente o mais corrupto deste hemisfério. Seu Presidente da Câmara Eduardo
Cunha – que presidiu o processo do impeachment – está agora suspenso pelo
Supremo Tribunal, e o Conselho de Ética da Câmara acaba de votar por sua
cassação uma vez que ele mentiu sobre contas bancárias na Suíça, recheadas de
dinheiro de suborno, em seu nome. O mesmo executivo da construção, Machado,
testemunhou que três líderes do PMDB – incluindo Jucá – receberam pagamentos
num total de R$ 71,1 milhões em subornos. Ao mesmo tempo, dois aliados chave de
Temer do PSDB, partido de centro-direita derrotado por Dilma em 2014 – o
Ministro das Relações Exteriores de Temer, José Serra, e o oponente de Dilma em
2014, Aécio Neves – estão ambos sob investigação por corrupção.
Ate decidir apoiar o impeachment de
Dilma e empoderar seus próprios líderes corruptos, o PMDB era um importante
aliado de Dilma. O partido de Dilma, o PT, tem sua própria cota de figuras
corruptas. Mas o PMDB é pouco mais que um partido de negociação que existe para
lubrificar as engrenagens da corrupção e das propinas em Brasília. A ironia por
trás do fato de que este partido tenha sido alçado ao poder em nome da luta
contra a corrupção é grande demais para ser posta em palavras. Como afirmou o
New York Times em maio, o partido de Temer é o que controlou, e agora arruinou,
o Rio: “o mesmo partido que criou uma bagunça no Rio está agora gerindo o
país”.
Por mais expressivos que a corrupção de
Temer e a fraude do impeachment de Dilma já fossem, dois novos eventos nesta
semana vieram reforçá-lo. Primeiro, Temer jantou com dois membros do Supremo
Tribunal Federal – o órgão que preside a investigação sobre a corrupção e o
processo do impeachment. Também estiveram presentes o Ministro das Relações
Exteriores, Serra, e seu aliado próximo Aécio: ambos alvos da investigação
sobre corrupção. Temer está literalmente se reunindo secretamente com os
próprios juízes que estão julgando o impeachment e os processos de corrupção
(ao mesmo tempo em que políticos brasileiros, preparando a imposição de medidas
de austeridade, estão votando por bajular estes juízes com um enorme aumento de
41% em seus salários: a austeridade não pode ficar no caminho de enriquecer os
próprios juízes que decidem se você e seus amigos chegar a ser presidente ou ir
para a prisão).
Segundo, ao mesmo tempo em que Temer
está se reunindo em privado com estes juízes-chave, reportagens revelaram que
ele está trabalhando duro em um acordo para “salvar a pele” de Cunha, um dos
políticos mais corruptos do país. Temer se reuniu com Cunha nesta semana. Um
plano sendo ativamente discutido permitiria Cunha renunciar e então ter seu
processo criminal atribuído a juízes favoráveis. Outro prevê que Cunha
simplesmente renuncie à presidência da Câmara para aumentar as chances de que
ele não seja expulso da mesma por completo. Pior ainda, o Globo reportou hoje
que Toemer está agora trabalhado ativamente com Aécio para garantir que o
sucessor de Cunha seja favorávela ele: alguém que “não trabalhe pela cassação
de Eduardo Cunha”.
Basta pensar sobre o que aconteceu
quando estava em jogo o controle do quinto país mais populoso (e rico em
petróleo) do mundo. A presidente democraticamente eleita sofreu impeachment
apesar da falta de indícios de corrupção pessoal: por políticos que estão
afundados em escândalos de subornos e propinas. O principal pretexto utilizado
para impedi-la acaba de ser derrubado pelo relatório dos próprios auditores
independentes do Senado. E o homem marcado pela corrupção que implantaram no
lugar dela – que tem atualmente uma taxa de reprovação de 70%, e quem 60% do
país quer que sofra o impeachment – está agora se reunindo secretamente com os
juízes cuja suposta independência, credibilidade e integridade eram o principal
argumento contra a classificação deste processo de “golpe”, tudo enquanto ele
conspira para salvar seu companheiro de partido enriquecido por propinas. E
eles estão procedendo para impor uma agenda de direita de austeridade e
privatizações que a democracia nunca permitiria.
Sejam quais forem os motivos para se
livrar de Dilma, a ilegalidade e a corrupção claramente não tiveram na a ver
com isso. É só olhar para o relatório divulgado esta semana pelo Senado, ou o
rosto da pessoa que instalaram, para ver como essa é a verdade.
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