O colapso ético
Roberto Amaral
Estamos em face do colapso do sistema
partidário, atingido pela inautenticidade, falência representativa e absoluta
renúncia a qualquer ordem de opção ideológica ou programática.
Nada menos do que 117 deputados federais
respondem a inquéritos, alguns de natureza penal, outros por compra de votos,
quase todos acusados de corrupção.
Por seu turno, e coroando o escândalo
que só não é visto por quem não quer, mais de uma dezena de senadores são alvos
de processos de natureza vária, desde delitos eleitorais a crimes comuns.
Um deles, então líder do governo, foi
preso em pleno exercício do mandato, o que denota tanto o caráter da composição
da câmara alta quanto sua pusilanimidade.
Seu ainda presidente sobrevive toureando
os processos que lhe move o Ministério Público, alguns já acatados pelo Supremo
Tribunal Federal.
Esse quadro, que sugere um colapso
ético, que revela a iminente tragédia política, se reproduz, como fractal, por
todo o país, nos parlamentos estaduais e nos municipais, indicando os riscos
que ameaçam a mambembe democracia representativa de nossos tristes dias,
infectada pelo vírus letal da ilegitimidade, que mais a distancia da soberania
popular.
O deputado Eduardo Cunha, afastado do
mandato parlamentar por inédita ordem do STF e presentemente aguardando a
inevitável cassação de seu mandato (não obstante a solidariedade cúmplice de
seus correligionários), é réu em processos da mais vária natureza.
Do inefável ex-presidente da Câmara dos
Deputados pode-se dizer que se trata de profissional, com rica folha corrida,
figura icônica da nova ordem política brasileira, esta que aos trancos e
barrancos nos governa, violando a ordem constitucional e ferindo tudo o que se
assemelhe a honra e dignidade.
Dessa ordem política de hoje, mesquinha
e pobre, pedestre, aflora o nanismo de personagens da linhagem de Michel Temer,
Jair Bolsonaro, Ronaldo Caiado, Eliseu Padilha, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima
..., nossos governantes de hoje, e, dentre outros, esse lamentável Waldir
Maranhão, ora retornado ao ostracismo, cuja alçada à presidência interina da
Câmara dos Deputados por si só é a mais contundente demonstração da falência de
um Parlamento que não se dá a respeito.
A sobrevida parlamentar de Cunha, por
sinal, deriva diretamente de sua condição como líder do ‘Centrão’, o valhacouto
que o elegeu e o sustenta ainda, depois de abrir, por mesquinharia, o processo
de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Nesse ‘Centrão’ se reúnem – e dele
partem para o assalto à República – o que há de pior do fisiologismo e do
assistencialismo, o pior da representação do agronegócio, dos grileiros e dos
latifundiários assassinos de índios e quilombolas, o pior do fundamentalismo
neopentecostal, o pior das bancadas dos empreiteiros, o pior do lobby dos
sonegadores de impostos financiados pelas FIESPs da vida.
O pior do atraso. O ‘Centrão’,
recuperado por Temer e hoje majoritário, é certeza de restauração do passado.
A questão grave, crucial, o caruncho que
está a construir nossa tragédia institucional, é que somos hoje governados por
essa horda dos piores, senhores de baraço e cutelo dos três poderes da
República.
Esse condomínio de interesses pérfidos
reúne algo mais que a maioria absoluta do Congresso Nacional e, assim, liderado
ideologicamente pelo atraso, apoiado pela grande mídia, dispõe das condições
objetivas para promover a restauração conservadora, a ressurreição do Brasil
arcaico, dependente, oligárquico, reacionário.
Essa coalizão – resultado do encontro do
pior da base de Dilma Rousseff com o pior da oposição ao seu governo e ao
lulismo – tem no Palácio do Planalto de hoje o comando do processo (e aí atuam
de braços dados Legislativo, Executivo e Judiciário) de retomada do atraso que
lembra os piores momentos da ditadura militar, com o agravante do entreguismo e
do sentimento antinacional, de que não podem ser acusados os militares.
A disfunção institucional, porém, é
profunda, é estrutural, e sua gravidade independe das figuras e figurinhas que
compõem nosso cenário político.
Estamos em face do colapso do sistema
partidário, atingido pela inautenticidade, falência representativa e absoluta
renúncia a qualquer ordem de opção ideológica ou programática.
Proliferando graças à irresponsabilidade
da dupla STF-TSE, os partidos, na sua maioria – e relembremos sempre as
exceções oferecidas pelos partidos de esquerda, em que pese sua crise coletiva
– nada mais são hoje que meras siglas, ‘sopas de letrinhas’ sem significado,
quase todos transformados em projetos empresariais que se beneficiam do fundo
partidário e vendem tempo de televisão no processo eleitoral, além de apoios no
Congresso a cada votação do interesse do Governo ou dos lobbies, chantageando a
ambos.
Por fora dos partidos formais,
corroendo-os, ultrapassando-os, desmoralizando-os, agem os ‘partidos reais’, as
bancadas interpartidárias, como as mais notórias, as bancadas do boi, da bala,
da bíblia e a dos bancos, a bancada dos donos de emissoras de radio e tevê, e,
até, as bancadas sérias, como a da saúde e a dos educadores, dentre outras, mas
significando sempre o fracasso organizacional e programático e doutrinário dos
partidos.
O chamado ‘presidencialismo de coalizão’
vive seus estertores, após haver levado o governo Dilma à debacle política
conhecida.
A necessidade de reforma profunda,
estrutural, aquilo que Darcy Ribeiro chamaria ainda hoje de “passar o Brasil a
limpo”, é, porém, tarefa do Congresso que temos, o grande beneficiário de todas
essas mazelas.
O que fazer? Sem respostas objetivas,
mas apenas sonhos, resta-nos crer que a exaustão política, aguçando a crise,
levará esse Congresso, ou o que se instalar em seu lugar em 2019 (se assim
chegarmos até lá), a, pressionado pelo clamor das ruas, finalmente realizar as
reformas sem as quais poderá estar escrevendo seu necrológio.
A
eleição na Câmara dos Deputados
A disputa pela sucessão de
Cunha-Maranhão (retrato de corpo inteiro da degenerescência que invade todo o
organismo político brasileiro) travou-se entre um representante do ‘Centrão’
profundo e um líder orgânico da direita, vitorioso.
Em seu discurso, ao assumir a
Presidência da Câmara, o representante do DEM, ex-PFL, ex-Arena, um dos líderes
do golpismo em curso, agradeceu a todos os que o apoiaram, agradeceu ao
interino Temer que por ele tanto batalhou, mas, significativamente, agradeceu
também ao PT e ao PCdoB.
Uma vez mais e desta feita mais
imperdoavelmente do que nunca, a esquerda parlamentar revelou-se incapaz de
interpretar corretamente a realidade e assim, falha em estratégia, terminou por
renunciar ao papel de sujeito, imobilizada por uma falsa dúvida hamletiana
entre as vias pragmática e programática, sem saber que nenhuma opção é em si
boa ou má, pois o que as qualifica são as circunstâncias.
Por fim, e por tudo isso, a esquerda
ficou sem papel, nem marcou a posição política necessária nem interferiu no
processo eleitoral, e ainda ficou devendo aos seus militantes uma explicação
por, já lançada a candidatura de Luiza Erundina, haver ora optado por apoiar o
candidato do PMDB, desidratado por seu correligionário Temer, ora por lançar
mais uma anticandidatura.
Ao fim e ao cabo, com nossas dúvidas,
nossas vacilações, nossos erros de avaliação, nossa ausência de estratégias,
nosso apego às táticas como fatos isolados, a eleição do deputado Rodrigo Maia
como presidente-tampão representou mais uma vitória da direita brasileira,
passo importante na implementação de sua restauração conservadora, ansiada e
frustrada ao longo de nada menos que quatro eleições presidenciais!
O próximo pilar político será, tudo o
indica, fincado em agosto, quando da decisão sobre o impeachment no Senado
Federal.
Fica a velha lição: quem não aprende com
a experiência está condenado a repetir seus erros.
Bases
dos EUA na Argentina
Luis Tibiletti, ex-Secretário de
Segurança da Argentina e Secretário Acadêmico do CEE do Ministério da Defesa do
governo Nestor Kischner, escreve-me para informar a inexistência de qualquer
acordo visando à cessão de território argentino para instalação de bases
militares dos EUA, objeto de comentário meu na última coluna.
Fonte: blog do Roberto Amaral
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