Ser contra Mais Médicos é desconhecer o país, diz fotógrafo
O premiado Araquém Alcântara, fotógrafo-viajante, conta seu entusiasmo com o programa de saúde que ele registrou em livro
Escrito por: Isaías Dalle • Publicado em: 20/06/2016 - 16:50 • Última modificação: 20/06/2016 - 17:36
Fotos de Roberto ParizottiAraquém mostra o livro
Saiba Mais
Depois
do início de carreira em jornais e revistas, o fotógrafo Araquém
Alcântara ouviu um chamado, ele que diz ter um “xamanismo natural”.
Ouviu e obedeceu. São 46 anos no meio das florestas, do cerrado, da
caatinga, do pantanal, dos pampas e de todo o tipo de ecossistema
brasileiro, registrando animais, plantas e, especialmente, pessoas.
“O
Brasil não conhece o Brasil, né? O Brasil sequer conhece seus
brasileiros. E o que eu faço? Eu vou lá e mostro pra eles”, conta o
fotógrafo, ao nos receber em seu escritório, uma pequenina casa na Vila
Olímpia, São Paulo.
Araquém
havia voltado de quase um mês de expedição no Pantanal, onde caçava
imagens para produzir um livro sobre a onça-pintada. Quando ficar
pronto, será seu 50º livro, sem falar nas participações em edições
coletivas.
Livro
que ficou parado por um ano por conta de outro desses chamados que o
fotógrafo diz ouvir. “A minha bem-aventurança é criar belezas, mas,
sobretudo, reparti-las. A minha fotografia é feita para provocar, para
dar prazer, para inquietar. Nesse contexto, eu percebi intuitivamente
que estava diante de um belíssimo trabalho, acima de qualquer posição
partidária”.Capa do livro - Divulgação
“Vou contar essa história”
Foi
assim, num estalo, na cerveja de fim de tarde com o amigo Fausto
Figueira Júnior, médico e à época assessor do então ministro da Saúde,
Artur Chioro, que Araquém decidiu voltar aos ditos confins do Brasil
para realizar uma longa reportagem sobre o programa Mais Médicos, criado
no governo Dilma.
“Eu
percebi um veio humanístico nesse projeto. Caralho, vou contar essa
história”, relembra. O artista afirma que o único apoio recebido do
Ministério da Saúde foi transporte e ajuda de funcionários em cada local
que visitava para registrar os médicos participantes do programa e seus
pacientes. Nasceu o livro “Mais Médicos”, lançado no final de 2015 por
sua própria editora, a Terra Brasilis.
“Primeiro
pensei: 700 municípios sem atendimento. Vai ter um velhinho que pela
primeira vez vai ver um médico. E um jornalista estará lá. E o Araquém
foi pra lá”, resume. “Essa coisa da essência brasileira, eu acho que
entendi o caráter desse povo, andando bem perto dele. Quem não faz isso
não percebe o caráter de um povo. Você vai entender os valores de um
povo se estiver entre ele”, explica.Eu vou lá e mostro o Brasil, diz o fotógrafo
Neste ponto da conversa, o fotógrafo da CUT Roberto Parizotti, o Sapão, acrescenta: “O Capa (Robert Capa, célebre fotógrafo de guerra nascido na Hungria) falava isso. Se a sua foto não está boa, é porque você não está perto do objeto”.
Sentido de brasilidade
E,
para Araquém, isso ocorre não só com fotógrafos, mas com a sociedade
como um todo. “Há um certo distanciamento do sentido de brasilidade”,
diz. Na opinião dele, esse é um dos fatores que provocou tanta
hostilidade ao programa Mais Médicos por parte da oposição, da mídia e
de corporações médicas. “O maior é a falta de consciência de nação,
mesmo. E se transforma nessa coisa triste: o cara não quer fazer nenhum
esforço, ele quer toda a mamata do mundo porque ele é...médico. Ele é
doutor”, provoca.
Entre
seus colegas, Araquém sentiu a mesma resistência à aventura do Mais
Médicos. “Eu vi a mídia ignorando esse livro, e é um puta livro, meu
irmão, feito com sangue, com suor”, diz, com vocabulário e sotaque de
sua cidade natal, Santos (SP). “Vieram me patrulhar: ‘Pô, você está
trabalhando para esse governo?’ Eu teria respostas na ponta da língua,
mas é melhor não. São tão medíocres que não dá pra responder”.
Histórias
Formado
jornalista e com talento também para redação, Araquém é um grande e
pródigo contador de histórias. Desde o olhar fixo de uma onça sobre si
até a experiência de sobreviver à queda de um monomotor na Amazônia, o
fotógrafo vai contando um Brasil de pobrezas, destruição da natureza,
ausência do Estado mas, também, de esperança, reforçada pelo que viu e
viveu enquanto fazia o livro “Mais Médicos”.
“Conheci
uma médica que descobriu que havia um grande índice de esquistossomose.
Ela percebeu que as crianças tomavam banhos nos arrozais contaminados.
Ela começou a fazer um trabalho social e diminuiu a esquistossomose. Pô,
aí nós temos chance. É a presença do Estado”.
Entre
as histórias vividas durante o livro, há o encontro com João Goulart
Neto, médico que se inscreveu no programa para atender pessoas nos
morros do Rio de Janeiro.
Reencontro de culturas
Em Poço Redondo, Sergipe, viu o reencontro de culturas salvando vidas e preparando o futuro. “Um médico que era da santeria cubana
encontra uma quilombola parteira, a dona Josefa, da umbanda, que tinha
feito não sei quantos partos, os dois se identificam, e estão mudando a
história da comunidade. Como? O cara percebe nela uma liderança, se
agrega a ela, os dois começam a fazer palestras de sexualidade para as
crianças”, narra.Ele foi patrulhado em função do livro por, segundo ele, medíocres
“O
Mais Médicos extrapola suas funções. É obrigado a conhecer e atuar na
comunidade, porque se ficar de fora, morre na solidão”, diz o fotógrafo.
Outra cena que o emocionou foi o encontro de uma idosa que, ao cruzar
com o médico numa rua empoeirada do vilarejo, abraçou-o para agradecer o
remédio que lhe havia curado. E deu a ele uma galinha de presente.
“As
mudanças que vejo no país são mudanças de consciência, por intermédio
de pessoas que agem localmente. E o Mais Médicos se insere nisso, sem
dúvida nenhuma”, avalia.
Perguntado
o que pensou quando o ministro interino da Saúde manifestou a intenção
de eliminar os estrangeiros do programa Mais Médicos, Araquém dispara:
“Eu não esperava outra coisa dessa excrescência de governo”. Ele diz que
torce pela volta de Dilma. Se isso ocorrer, garante, fará uma segunda
edição do livro “Mais Médicos”.
A seguir, algumas das fotos do livro “Mais Médicos”, cedidas pelo autor:
Fotos
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Foto: Araquém Alcântara
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Foto: Araquém Alcântara
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Foto: Araquém Alcântara
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Foto: Araquém Alcântara
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Foto: Araquém Alcântara
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