Dilma vai
enfrentar seus Judas
Júlia Dias Carneiro
BBC
Brasil: O senhor é agora réu em
processo por tentativa de obstrução da Justiça nas investigações de corrupção
na Petrobras e decidiu apelar ao Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Por que o senhor decidiu recorrer a essa instância internacional?
Lula: Tem uma coisa muito esquisita aqui no Brasil. Você
tem uma investigação, eu sou vítima de acusações em que você não tem uma única
prova.
Eu penso que os procuradores e os
delegados que me acusaram estão com uma dificuldade muito grande, e a imprensa
numa dificuldade maior, porque como eles mentiram muito tempo a respeito das
acusações, em algum momento, isso vai vir à tona, eles vão ter que provar se
procede alguma das coisas que eles me acusaram.
Por falta de prova, eles começaram a
preparar um discurso, que você deve conhecer bem, que é a teoria do domínio do
fato. Ou seja, se o Lula é presidente, ele deveria saber. Não existe essa de
você julgar em tese. Ou você prova ou não prova. Ou você pede desculpa ou não
pede desculpa.
E eu não quero nada, só quero que peçam
desculpas pelas mentiras que contaram a meu respeito. Nós temos uma
força-tarefa nesse processo. Que envolve um juiz, procurador e Polícia Federal.
Então, você não sabe quem investiga, quem acusa e quem vai julgar. Uma mistura,
todo mundo faz tudo.
Então, nós entramos com um processo no
escritório da ONU, em Genebra, para que a gente mostre que há, no mínimo, uma
certa suspeição no comportamento, ou seja, as pessoas querem transformar em
verdade uma mentira que eles inventaram num processo.
Estão procurando razões para justificar
o processo. Eu estou tranquilo, tenho consciência do meu papel nessa história
toda, estou tranquilo porque eles inventaram que eu tenho um apartamento e vão
ter que provar que o apartamento é meu, ou me dar um apartamento.
Disseram que eu tenho uma chácara que eu
frequentava, e a chácara não é minha, a chácara tem dono, foi pago com cheque
administrativo, e acho que em algum momento eles vão ter que dizer: “Olha,
presidente Lula, desculpa, pensávamos que tinha, mas não tem”.
A imprensa mentiu muito e não sei se a
imprensa vai ter caráter para pedir desculpas. É por isso que eu recorri a uma
instância das Nações Unidas para ver se existe pelo menos um comportamento
exemplar de uma Justiça a serviço da Justiça.
BBC
Brasil: O que o senhor acha que a ONU
pode trazer de efeitos concretos aqui no Brasil?
Lula: Eu não sei se pode trazer efeito concreto. O que eu
acho é que pode haver um debate. E esse debate já começou por advogados,
sindicalistas e políticos de outros países. E pela imprensa. Se não fosse a
imprensa estrangeira cobrir com certa isenção e autonomia o impeachment da
presidente Dilma, a versão da imprensa brasileira é um horror.
Porque a versão da imprensa brasileira,
ela não quer saber da verdade, ela sabe que a Dilma não tem culpa, sabe que a
Dilma está sendo cassada politicamente e não cometeu nenhum crime, mas finge
que não sabe.
Então graças a Deus, foi através da
imprensa estrangeira que a gente conseguiu fazer com que líderes importantes no
mundo inteiro se dessem conta de que golpistas estão rasgando a Constituição,
estão rompendo com a nossa democracia incipiente. É isso que eu quero, que haja
um debate no mundo sobre o que está acontecendo no Brasil.
BBC
Brasil: O senhor tem falado muito em
uma caça às bruxas, mas por outro lado o senhor tem enfrentado alegações muito
sérias, que precisam ser investigadas.
Lula: Nenhum presidente na história desse país fez o que a
presidenta Dilma e eu fizemos para dotar o Estado de instrumentos de combate à
corrupção. Se você perguntar para qualquer procurador qual foi o governo que
mais criou condições para autonomia do Ministério Público, eles vão dizer que
foi o do PT.
Se você perguntar a qualquer delegado
qual foi o partido que mais investiu na Polícia Federal, que mais investiu na
inteligência da Polícia Federal, eles vão dizer que foi o PT. Se você perguntar
quem fez as maiores transformações na legislação, inclusive com a lei da
delação premiada, foi PT que fez, numa demonstração que o PT entende que a lei
é para todos, e que ninguém está livre de qualquer investigação.
O que não queremos e não poderemos
aceitar é que as pessoas façam um pacto com a imprensa, contem mentiras para a
imprensa, ou a imprensa conte mentiras para eles, porque tanto a imprensa serve
a alguns procuradores como os procuradores servem à imprensa, tanto o delegado
serve à imprensa quanto a imprensa serve ao delegado. É uma alimentação mútua
na perspectiva de criar fato consumado.
Eu não acho isso um comportamento
inteligente da Justiça. Um comportamento inteligente é aquele que investiga,
prova, acusa, julga e condena. Um julgamento que não é inteligente, faz um
pacto com a imprensa, a imprensa faz a manchete de jornal, ela vai
criminalizando junto à opinião pública sem nenhuma prova. Depois de dez
acusações em horário nobre na televisão ou na primeira página dos jornais, a
pessoa, mesmo inocente, estará condenada dentro pela opinião pública.
BBC
Brasil: O senhor tem dado indicações
de que poderia voltar a se candidatar, mas as pesquisas mais recentes mostram
que está bem atrás daquela popularidade lá em cima de alguns anos atrás, e isso
tem a ver com todas as acusações de corrupção que vem afetando tanto o PT como
o senhor. Como o senhor reage a isso?
Lula: Olha, primeiro eu reajo com muita naturalidade, ou
seja, estou há praticamente seis anos fora da política, até por respeito à
presidenta Dilma, que acho que ela tinha que ter liberdade para governar o
país. Então é normal que a pesquisa não seja mais a pesquisa do ano que eu saí
da Presidência, com 87% de “bom e ótimo”.
Mas tenho clareza de que na hora que a
gente começar a debater neste país, que a gente começar a mostrar o que o PT
fez nesse país, da diferença do governo do PT com os governos do passado, eu
tenho certeza que o povo vai se lembrar que o que o PT trouxe em 12 anos de
benefício para esse povo – com educação, saúde, trabalho, politica agrícola –
eles não fizeram em 200 anos.
Então eu estou tranquilo que eles não
vão conseguir nem criminalizar o PT, e muito menos criminalizar o Lula. É
preciso que a verdade venha à tona e é isso que estamos buscando, que o
Judiciário tenha liberdade, que o Ministério Público tenha liberdade, e defendo
a tese de que toda instituição, quando ela é forte, ela tem que ser séria.
Os que representam aquela instituição
têm que ser sérios, não podem brincar, não podem mentir. E hoje o que a gente
percebe são pessoas se colocando a serviço de uma revista, de um jornal. Muitas
vezes a imprensa recebe o relatório antes do advogado de defesa. Isso não é
inteligência, é brincar com o direito que todo cidadão tem de ser respeitado
pela lei, de ser investigado corretamente, de ser julgado corretamente. É para
isso que brigo, é por isso que mudei leis neste país, é por isso que a Dilma
mudou leis.
Você veja, é tão grave o que esta
acontecendo no Brasil que mesmo os 81 senadores, sabendo que a presidente Dilma
não cometeu nenhum crime contra a Constituição, eles resolveram cassá-la
politicamente por interesse.
Ou seja, na medida em que a economia não
estava bem, na medida em que a pesquisa não estava ajudando a presidente Dilma,
eles resolveram dar um golpe político, um golpe parlamentar. Imagina se isso
prevalece no mundo inteiro. Cada vez que o índice de popularidade de um
governante baixa na pesquisa, a gente manda derrubar o governante.
Na verdade, não foi a Dilma que foi
cassada, o que está sendo cassado é o voto de mais de 54 milhões de brasileiros
que votaram na Dilma. E amanhã os senadores vão ter que prestar conta aos
eleitores, aos seus filhos e netos. Porque eles não querem ser chamados de
golpistas, mas o que fizeram foi dar um golpe na Constituição e dar um golpe
parlamentar contra uma presidenta democraticamente eleita pelo povo brasileiro.
BBC
Brasil: O senhor tem usado a
expressão golpe para falar do que está se passando com a presidente Dilma
Rousseff, mas o senhor também viveu o golpe militar. Pode-se usar a mesma
expressão?
Lula: Dá. Da mesma forma como usamos a palavra golpe
militar porque foi um golpe militar em 31 de março de 64, e naquele tempo a
gente vivia tempo de Guerra Fria, havia acusação de que o comunismo ia tomar
conta do Brasil, então os militares e os conservadores desse país deram um
golpe para evitar a ascensão da esquerda neste país. Agora não tem essa razão.
O comunismo já não amedronta mais. Não tem a Guerra Fria.
Por que o golpe na Dilma? Não foi o
golpe militar. Foi um golpe parlamentar. Uma maioria eventual se juntou para
tirar a presidente Dilma da Presidência da Republica. Uma maioria no Senado e
uma maioria na Câmara resolveram afastar a presidenta. O que é um absurdo.
As pessoas que estão fazendo isso não
querem que a gente fale golpe, porque diz que é feio, que não é golpe militar.
O presidente interino (Michel Temer) é constitucionalista. E ele sabe que o que
eles estão fazendo é ilegal, porque a Dilma não cometeu crime e, segundo,
porque é um golpe parlamentar.
BBC
Brasil: O que isso representa para o
legado do PT depois de tantos anos, porque este período está terminando com um
quadro bastante ruim, com recessão, inflação, desemprego aumentando e com a
presidente saindo desta forma, com o impeachment. O senhor tem alguma
responsabilidade nesta situação?
Lula: Olha, se fossem tirar os governantes do mundo, hoje,
por conta de crise econômica, por conta do desemprego, não tinha um governo no
mundo. Já tinham caído todos. O governo inglês, americano, alemão, italiano,
francês, chinês. Porque a crise é geral. E é uma crise causada pela
irresponsabilidade do sistema financeiro que começou com o problema
habitacional americano, o subprime, e
terminou com queda do Banco Lehman Brothers. A partir daí todos os países
entraram em crise.
Quando participamos da reunião do G20,
em Londres, em 2009, decidimos que, para evitar uma crise econômica muito
grande, era necessário não adotar políticas protecionistas e aumentar o
comércio exterior, para poder gerar mais emprego para as pessoas. Foi feito
exatamente o contrário. Cada país tentou se proteger, a crise aumentou e 90%
dos países ainda não resolveram seus problemas.
Aqui, no Brasil, a gente poderia não
estar em crise. A gente poderia não estar na situação em que a gente está,
porque poderíamos ter tomado decisões mais rápidas. Mas não tomamos. Agora, não
é uma coisa do Brasil. Mas se a Dilma está sendo afastada não é por uma questão
econômica. É porque uma parte da elite política e econômica desse país não
admite a ascensão social dos mais pobres.
Os mais pobres subiram um degrau na
escala social. E isso já começou a incomodar, porque muito pobre começou a
andar de avião, ir a restaurante, comprar coisa que era só de 30% da população.
Pobre na universidade, nós colocamos nas universidades mais jovens que 100 anos
de governos conservadores, criamos em 12 anos quatro vezes mais escolas
técnicas do que eles criaram em 100 anos.
BBC
Brasil: Mas essa parcela mais pobre
da população que teve ascensão social também está sofrendo com a recessão. E é
difícil argumentar que é uma crise global porque a situação do Brasil no
momento está pior do que em outros países.
Lula: Onde é que o crescimento foi retomado? Estados
Unidos, muito menos do que se imaginava, na Europa, muito menos do que se
esperava. A crise no Brasil chegou por último. Alguns anos depois que nos EUA e
na Europa. O que eu acho que o Brasil deveria ter feito? O Brasil tem um mercado
interno extraordinário. São 204 milhões de pessoas.
E defendo a ideia de que os pobres nesse
país, toda vez que está em crise, os pobres são a solução. Basta que a gente
permita que o pobre receba o crédito necessário para poder consumir alguma
coisa, e que a gente faça investimentos necessários em infraestrutura, de que o
Brasil tanto precisa. Isso não foi feito e a gente está pagando o preço por
isso.
E o Brasil vai sair da recessão, todos
os países vão sair. E o que vai fazer o país sair da recessão é investimento,
consumo e produção. E isso está diminuindo em tudo que é lugar. O que nós temos
que admitir é que só para resolver o problema do sistema financeiro já foram
gastos mais de US$ 13 trilhões, e ainda não resolveu. Se esses US$ 13 trilhões
fossem colocados para financiar desenvolvimento nos países pobres, a gente não
teria essa crise durante o tanto que durou.
BBC
Brasil: Como isso deixa o legado do
seu governo? Um pouco atrás estava se falando no Brasil como superpotência
econômica e agora a realidade é totalmente outra, a recessão no pior nível das
últimas décadas. O que isso representa para o legado dos 13 anos do governo do
PT?
Lula: Primeiro nós temos que ter em conta o que aconteceu
até 2014. Até 2014, esse país tinha gerado 22 milhões de novos empregos
formais, enquanto na Europa tinha 100 milhões de pessoas fora do mercado de
trabalho. Até 2014, todas as categorias tiveram reajuste salarial acima da
inflação. Até 2014, a massa salarial brasileira crescia muito e o desemprego
era de apenas 4,7%, igual à Dinamarca, Suécia, Noruega, menos do que outros
países europeus grandes.
Então o que aconteceu a partir de 2014
foi isso. É que a presidenta se deu conta de que o Orçamento tinha diminuído
porque ela fez R$ 500 bilhões de desoneração, ou seja, para manter a economia
crescendo.
De repente, a presidenta demorou ou não
percebeu que estava entrando menos dinheiro no caixa e ela foi obrigada a fazer
uma proposta de ajuste.
Essa proposta de ajuste foi para a
Câmara. Ao invés do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, colocar em votação,
ele começou a apresentar pautas aumentando cada vez mais o gasto, contrário
àquilo que a presidente deveria fazer.
Foi se perdendo a confiança. Os
empresários não investiam, o Estado perdeu capacidade de investimento e nós
chegamos a isso.
Eu sou muito otimista com relação ao
Brasil. Quando fui, em 2009, a Copenhague para reivindicar a sede das
Olimpíadas, a gente defendia que o Brasil chegaria em 2016 sendo a quinta
economia mundial. Nós tínhamos passado a Inglaterra naquele tempo, nós já
éramos uma economia mais rica do que a Inglaterra.
Esse país é muito grande. Não sei se eu
sou excessivamente otimista, mas sinceramente acho que é muito fácil fazer o
Brasil voltar a crescer. É muito fácil.
O que precisa é acreditar no Brasil e
acreditar que nossa solução está aqui dentro, confiando no povo brasileiro e
fazendo esse país voltar a acreditar em si próprio como fizemos nos últimos 12
anos.
Não dá para a gente ficar dependendo
apenas da economia mundial. Nós temos um potencial interno muito grande, um
mercado interno muito forte e um povo precisando de muita coisa.
Portanto, é preciso a gente pensar outra
vez que o pobre pode ser a solução do nosso país, e não o problema.
BBC
Brasil: O seu partido vem dizendo que
a situação econômica irá se deteriorar se o presidente interino, Michel Temer,
ficar no mandato. Então o recado para investidores é que se a situação for essa
é melhor se afastar do país?
Lula: Pelo contrário. Quando eu fui eleito, em 2002, você
sabe o que os economistas e os especialistas diziam? Que o país não tinha
jeito. Que o país estava quebrado. Que eu não ia conseguir governar o Brasil.
E o Brasil se recuperou, pagou a sua
dívida com o Fundo Monetário Internacional. O Brasil é o único país do G20 que
fez superávit primário todo ano.
Quando as pessoas falarem para você que
o Brasil tem uma dívida pública alta, você lembre às pessoas que a Alemanha tem
mais do que o Brasil, que os Estados Unidos, em 2007, tinham 64,8% de dívida
pública em relação ao PIB e hoje tem 107%.
E por que aumentou a dívida pública?
Para poder fazer a economia crescer.
BBC
Brasil: A grande questão é que isso
foi longe demais e será muito difícil trazer de volta o equilíbrio econômico.
Lula: É nada. Não é difícil não. Eu, sinceramente, não vou
ficar fazendo profecias aqui porque eu vou esperar o que acontece lá. Não é
difícil.
Eu acho que tem uma palavra mágica, que
vale para qualquer país do mundo, que é credibilidade. É preciso recuperar a
credibilidade do país no próprio país. E o importante é fazer que o povo
acredite que as coisas vão acontecer. Se o sistema financeiro não tem crédito,
se os empresários não confiam na política, se o Estado não tem dinheiro para
investir, não tem como acontecer um milagre.
Nós precisamos recuperar a capacidade do
Estado de investir, a confiança para o sistema financeiro fazer crédito e do
empresário para investir. E isso nós já fizemos. É possível fazer.
Quando você tem uma crise no país, a
política existe para isso. O problema não é técnico. Se fosse técnico, eu iria às
melhores universidades da Inglaterra, Estados Unidos ou Alemanha, pegaria os
dez melhores economistas do mundo e colocaria aqui. Mas não vai acontecer. Sabe
por que? Porque a decisão é política.
BBC
Brasil: O senhor está falando de
credibilidade, mas o problema é que para o PT é um momento de muito descrédito
por causa de todos os escândalos de corrupção e investigações em andamento. O
senhor acha que é o momento de fazer algum pedido de desculpas?
Lula: Eu não. Quem tem que pedir desculpas é quem está
inventando acusações. Eu vou te dar um dado impressionante. Você sabe qual era
a preferência eleitoral do PT em 2002, quando fui eleito presidente da
República? 11%. Você sabe qual é a credibilidade do PT e a preferência
eleitoral em 2016? 12%. É o dobro do PSDB. O dobro do PMDB.
Significa que o PT continua sendo o
partido de maior credibilidade eleitoral mesmo depois de sete anos de massacre.
Sabe por quê? Porque nós temos história. E temos vínculo com a sociedade como
nenhum outro partido teve. Obviamente, eu defendo a tese de que toda denúncia
de corrupção seja apurada ao limite máximo e que as pessoas envolvidas sejam
condenadas. É isso que eu espero do Brasil.
É por isso que nós criamos leis. É por
isso que nós aperfeiçoamos o sistema de investigação no Brasil. O que nós
queremos é que as pessoas tenham o direito de se defender. E queremos que as
pessoas não sejam condenadas pelas manchetes de jornais.
Se um jornal inglês fizer cinco
manchetes dizendo que você é corrupta, mesmo você sendo absolvida pela Justiça,
você está condenada diante da sociedade. É isso que está acontecendo no Brasil.
O que menos importa é a investigação. O que mais importa é a especulação.
BBC
Brasil: Do jeito que as coisas estão
caminhando, o senhor tem medo de ser preso?
Lula: Não. Não tenho medo de ser preso. Tenho a
consciência de que eles não têm razão na acusação, da minha inocência. Vamos
aguardar com a maior tranquilidade possível.
Eu não sou o primeiro ser humano a ser
vítima de um processo de calúnia e não serei o último. A história da humanidade
está cheia desse tipo de processo. Eu só encontro uma explicação para tentarem
fazer o que estão fazendo comigo: é tentar tirar o Lula da vida política desse
país. Eu que fiz tão bem.
A coisa é tão grave que todo mundo sabe
o esforço que eu fiz para trazer essa Olimpíada para o Brasil. E no dia da
inauguração da Olimpíada eu me senti como o menino do filme Esqueceram de Mim. Ou seja, eu não
estava presente numa festa em que fui responsável dela vir para cá.
Você pergunta se eu tenho lamentações,
frustrações. Eu não tenho, porque eu acho que política você não deve fazer
esperando agradecimento. A gente faz política porque a gente acredita, faz
política por convicção e eu tenho consciência de que vai demorar muito para um
governante, um partido, construir um legado como o PT construiu aqui no Brasil.
Porque ninguém nunca cuidou tanto dos
pobres desse país como nós cuidamos. Não é só cuidar materialmente, de melhorar
qualidade de vida. É cuidar da autoestima desse povo. É acabar com esse
complexo de vira-lata. O Brasil passou a ser importante no mundo, interlocutor,
protagonista.
Porque eu aprendi desde pequeno que
ninguém respeita quem não se respeita. E eu aprendi a me respeitar desde muito
cedo.
BBC
Brasil: O senhor acha que dá para
ignorar o fato de que a situação agora é totalmente diferente de cinco anos
atrás, quando era um momento de otimismo no Brasil? São dois momentos muito
diferentes. O legado se perdeu?
Lula: É como se uma pessoa com boa saúde, ficasse doente e
perdesse a esperança que fosse ficar boa outra vez. Até hoje o mundo se lembra
do New Deal feito pelo presidente
americano Franklin Roosevelt, e já faz quanto tempo? Foi na década de 1930. E
todo mundo lembra. Aquilo que é bom as pessoas vão lembrar a vida inteira.
Alguém pode querer que as pessoas
esqueçam, mas esse país um dia acreditou que era possível ser diferente e o
povo sabe disso.
BBC
Brasil: Neste caso o problema é que
começou com uma esperança de que havia um futuro promissor e a coisa não se
realizou.
Lula: Tem dia que a gente levanta muito bem de saúde e
daqui a pouco tem um infarto. Não significa que a vida acabou. Você vai para o
hospital, você volta e a luta continua.
O Brasil tem potencial econômico, um
povo que gosta de trabalhar, fronteira com 12 países, é um país que estabeleceu
relações comerciais com o mundo inteiro. Em minha opinião é fácil o Brasil se
recuperar.
BBC
Brasil: Qual o legado planejado que
as Olimpíadas trariam para o Rio durante o planejamento e como você acha que
está no momento atual?
Lula: Você não briga para trazer uma Olimpíada e resolver
os problemas sociais do país. Você briga para trazer uma Olimpíada para fazer
uma disputa esportiva e mostrar o seu país ao mundo e deixar como legado tudo o
que você gastou com as Olimpíadas.
E obviamente que o Rio de Janeiro está
muito mais bonito, com muito mais metrô, com uma cara mais limpa, vai ficar
muito melhor.
Resolveu todos os problemas? Não. Mas
não era para isso. Nós não estamos fazendo as Olimpíadas de restauração do
bem-estar social.
Eu tenho certeza que o mundo viu o Rio
de Janeiro como nunca em 500 anos. Um povo extraordinário, alegre, simpático.
As praças esportivas melhores do que em qualquer país do mundo, Atlanta,
Berlim.
Fui à China e as nossas praças
esportivas estão muito mais bonitas. Nós somos capazes.
E isso é o mais importante. Que depois
das Olimpíadas o povo vai ter transporte melhor, praças melhores, obras
extraordinárias, espaço público para eles.
Eu sinceramente acho que ganhamos as
Olimpíadas, porque a gente estava em um momento de ascensão econômica e
política, e porque a crise nos Estados Unidos estava maior do que no Brasil. A
crise na Espanha era pior do que no Brasil e nós fomos mais convincentes.
E acho que dificilmente algum país vai
conseguir apresentar uma proposta como a do Brasil, porque era 100% paixão,
100% alma e 100% razão.
Lamentavelmente os resultados, tanto na
Copa do Mundo contra a Alemanha e agora nas Olimpíadas, não são aquilo que a
gente esperava, mas eu te confesso uma coisa. Eu faria tudo outra vez. Iria
chorar, conquistar a Olimpíada e participar.
BBC
Brasil: Com a situação que está hoje,
o senhor se preocupa com o país no próximo ano?
Lula: Eu me preocupo todo dia com o Brasil. Eu acho que a
gente nesse instante de crise tem que pensar como sair da crise, não ficar
discutindo a crise.
Eu dizia, no G20 de 2009, que o problema
da crise era a falta de lideranças políticas para decidir politicamente o que
tinha que ser feito. E eu acho que aqui no Brasil a gente poderia ter saído da
crise mais rápido.
Quando se demora para tomar uma decisão,
pode virar um século. Nós demoramos, o Congresso quis prejudicar a presidenta.
A presidenta e o governo exageraram na política de desoneração.
É uma lição. A nossa briga agora é para
não permitir que os trabalhadores percam aquilo que conquistaram nos bons
períodos do país. Aumento de salário, programas sociais que não permitiram que
a miséria voltasse.
Lamentavelmente, nós estamos com o
desemprego crescendo e isso é muito ruim. O emprego é uma coisa que dá cidadania
ao ser humano. O ser humano se tem emprego, saúde e salário, ele está muito
bem.
Eu torço para o Brasil ficar bem em
qualquer momento. Porque se o Brasil estiver mal, eu também estou mal. Se o
Brasil for mal, o povo vai sofrer.
Primeiro, eu estou torcendo para no dia
29 o Congresso não afaste a Dilma. Eu tenho esperança. Eu sou um homem de muita
esperança.
Vai ser um momento importante, um
momento histórico porque a presidenta vai ao Senado se expor. Ela corajosamente
vai se colocar diante de seus acusadores para que o Judas Iscariotes possa
acusá-la na frente dela.
E ela vai tentar mostrar para eles o
erro que estão cometendo. Se a Dilma não conseguir convencer os 28 senadores
(número necessário para evitar o impeachment), ela vai estar fazendo um gesto
histórico neste país.
É uma mulher de coragem se expor diante
de 81 senadores e ouvir de cada um, olho no olho de cada um, a acusação e
poder, olho no olho, se defender.
Eu quero saber como os senadores vão
voltar para casa e olhar para suas mulheres, filhos, netos. Eles vão ter que
reconhecer que ilegalmente eles afastaram uma pessoa eleita nesse país.
E a história não julga na mesma semana.
Às vezes a história demora séculos para julgar e eu trabalho com isso.
A história não termina dia 29. Ela
começa dia 29.
www.tijolaco.com.br 19/08/2016
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