O "Fora Temer" e os limites do engajamento alegórico
A hora é de mobilização, não de resistir com atos que têm pouca ou nenhuma capacidade de reverter o quadro ilegítimo
por Rosana Pinheiro-Machado — publicado 12/08/2016 13h10
Fernando Frazão / Agência Brasil
Protesto contra Temer em 10 de junho: a subversão acaba por afirmar o poder do interino
Tomou conta do Brasil uma forma de engajamento lúdico e artístico-criativo para engrossar o coro do "Fora Temer". Performances corporais, cartazes nos Jogos Olímpicos e até copo do Starbucks.
Reconheço o valor destes atos e admiro-os na mesma proporção. Todavia, estrategicamente, não é hora de engajamento de subversão.
Sociologicamente, essa forma de protesto é definida como “resistência”: o ato microscópico, “o poder dos fracos” que se manifesta por meio de pequenos gestos pulverizados e individualizados ante a um poder hegemônico. Mas já estamos reconhecendo a hegemonia e o poder inabalável do governo Temer?
Atuar por meio do poder dos fracos ou de forma feliz nas redes sociais é altamente desmobilizador neste momento. Primeiro porque sua simbologia reconhece certa inevitabilidade do poder. Portanto, reforça a própria estrutura que está aí.
Segundo, porque não estamos sob um regime ditatorial, apesar do golpe. Logo, a resistência estética e individual, tão bela e necessária, corre o risco de esvaziar-se de sentido, de tornar-se o engajamento festivo individual, que ameniza a culpa da classe média, que, a esta altura, quer mais é curtir os Jogos.
Não há problema nenhum em se divertir e protestar. O problema é quando isso se torna a única forma de resistência ante a uma votação que vai acontecer e que só será revertida se o mundo vier abaixo.
Não é hora de entregar o jogo. Não é hora dar pausa para os Jogos. A votação se aproxima e, ao que tudo indica, os cartazes felizes não estão funcionando e a presidenta será afastada definitivamente.
Seria a hora de aproveitar que a imprensa internacional está no Brasil. Se este governo é ilegítimo, a hora é de afronta, protestos em massa e greves. O poder das ruas neste momento é insubstituível.
Não é meu objetivo responsabilizar as pessoas que estão protestando da maneira que podem. Muito pelo contrário, trata-se de uma ressonância pulverizada ante a frustrante incapacidade de mobilização de massas que estamos atravessando neste momento.
Existe aí um paradoxo imenso que precisa ser conciliado: de um lado, uma grande parte da população que não engole o presidente interino e que se manifesta como pode. De outro, a falência da capacidade mobilizadora de massa dos líderes do Partido dos Trabalhadores.
Poucos engolem Michel Temer, mas nem todos se identificam a sair às ruas para defender a bandeira do PT – pois é assim que são lidas as manifestações anti-impeachment. Parece-me que o próprio PT desistiu de puxar o barco e focar-se nas eleições municipais.
Eu havia entendido que a luta não era por Dilma ou pelo PT, mas pelos direitos constitucionais.
O que resta é a mobilização desmobilizada, individualizada e profundamente solitária daqueles que ainda acreditam que essa farsa toda é uma afronta à democracia.
Os votos já estão definidos e já se fala em crescimento econômico novamente. A população está calma e distraída com os Jogos Olímpicos. Não há a mínima chance de reverter essa votação sem reação avassaladora em massa. Há mobilização e motivação para isso? Ou teremos que passar os próximos dois anos escrevendo Fora Temer no copo de nossos cafés?
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