sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A era esquerdista da América Latina está se esvaindo? Pergunte ao Brasil e à Colômbia

07/10/2016 17:09 - Copyleft

A era esquerdista da América Latina está se esvaindo? Pergunte ao Brasil e à Colômbia

A Colômbia rejeitou o acordo de paz com rebeldes Marxistas no domingo, no mesmo dia, eleitores no Brasil concederam uma derrota ao PT em São Paulo


Simon Romero, New York Times
Fabio Arantes/SECOM
RIO DE JANEIRO — Não foi um bom dia para os esquerdistas da América Latina.

A Colômbia rejeitou o acordo de paz com rebeldes Marxistas no domingo, dando uma vitória pública ao ex-presidente conservador que fez uma campanha apaixonada contra o acordo. No mesmo dia, eleitores no Brasil concederam uma derrota ao partido de esquerda que uma vez já controlou o país, derrubando-o nas eleições municipais.

Foi só mais um sinal da mudança à direita na América Latina. Em menos de um ano, eleitores contrariaram o movimento esquerdista na Argentina e elegeram um ex-banqueiro de investimentos como presidente do Peru, enquanto os legisladores impicharam a líder de esquerda no Brasil.

“Simplesmente, os conservadores estão em ascensão na América Latina”, disse Matías Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, uma universidade no Brasil.






Muitos fatores estão alimentando a tendência. A queda brusca nos preços das commodities erodiu o crescimento econômico na América Latina e o apoio que os governos de esquerda já receberam dele. A influência das mega-igrejas cristãs evangélicas está se expandindo, e está confrontando políticas socialmente liberais e afunilando a insatisfação generalizada com o status quo.

Mas em um país atrás do outro, os resultados são os mesmos: os líderes estão abraçando políticos simpáticos ao mercado e estão eclipsando os esquerdistas que exercitaram essa influência nas Américas na década passada. Presidentes de esquerda que já foram poderosos como Luiz Inácio Lula da Silva do Brasil e Cristina Fernandez de Kirchner da Argentina agora enfrentam investigações de corrupção.

Ainda assim, analistas políticos alertam que a tendência não necessariamente envolve uma rejeição de políticas que ganharam admiração e votos nos governos de esquerda nos últimos anos. Por exemplo, Michel Temer e Mauricio Macri, os líderes do Brasil e da Argentina, expressaram apoio pela manutenção de programas populares anti-pobreza.

O novo presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, se apoiou em uma aliança com a esquerda para derrotar sua rival, Keiko Fujimori, a filha de Alberto Fujimori, o ex-presidente encarcerado.

Da mesma maneira, a votação na Colômbia sobre o acordo de paz ofereceu um exemplo do quão imprevisível está se tornando a política em algumas partes da América Latina. Os líderes na região – de uma gama de históricos ideológicos – apoiaram o acordo, que foi forjado entre o presidente Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC.



Os colombianos rejeitaram o acordo por acharem muito leniente com as FARC, permitindo que muitos combatentes saiam impunes. Mas o resultado também mostrou o quão prontos estão os eleitores para rejeitarem o que o establishment político estava oferecendo.

“Os eleitores desafiando o status quo é algo peculiar para a Colômbia”, disse Michael Shifter, presidente do Diálogo Inter-americano, um grupo de política em Washington. “Encaixa em um padrão que pode ser discernido da Argentina, Brasil, Venezuela, México e outros países.”

Líderes ao redor da América Latina estão prestando atenção para a mudança de humor em seus países. No Chile, a presidente Michelle Bachelet retornou ao cargo em 2013 com uma plataforma de redução de desigualdade.

Mas Bachelet mudou de curso em face a uma economia desacelerada e um escândalo de corrupção envolvendo sua família, citando um ministro das finanças respeitado pelo establishment dos negócios. O orçamento do seu governo para 2017 prioriza a tradição fiscal chilena de prudência enquanto reinam os pacotes de estímulo.

No Brasil, um país de 206 milhões de pessoas, metade da população da América do Sul, a guinada à direita se iniciou em um cenário de divisão política crescente.

Contrários do impeachment da presidente, Dilma Rousseff, argumentam que sua saída foi o equivalente a um golpe, uma visão que questiona a legitimidade de Temer, seu ex vice-presidente que se rebelou. Candidatos do seu partido de centro, o PMDB, também foram derrotados nas eleições para prefeito no domingo nas maiores cidades do país.

Mas o PSDB, que teve suas origens na oposição à ditadura militar do país, antes de se transformar em um grupo conservador que agora ancora a coalizão de Temer, teve grandes ganhos. Um dos membros do partido, João Dória, ex-apresentador de um reality show que envolvia a demissão de participantes ao vivo, conquistou a vitória na corrida para prefeito em São Paulo, a maior cidade do país.

Alguns na região vêem paralelos com a votação do “Brexit” na qual a Grã Bretanha escolheu deixar a União Européia, ou com a chance de Donald Trump, que também estreou em um reality show no qual demitia competidores, vencer a eleição presidencial nos EUA.

A votação na Colômbia refletiu uma mudança “de realismo mágico para o realismo trágico”, disse o escritor colombiano Héctor Abad Faciolince no twitter, se referindo às narrativas míticas de autores da América Latina como Gabriel García Marquez. “Tudo o que falta agora é Trump ganhar”.

Colômbia, por sua parte, por tempos afrontou explicações fáceis para sua política. Um aliado principal de Washington na América Latina, o país tem sido tradicionalmente mais conservador politicamente do que alguns de seus vizinhos, mesmo com guerrilhas de esquerda persistindo por décadas em suas matas.

A guinada à direita foi interrompida em algumas partes da região. Enquanto a oposição ganhou o controle da Assembléia Nacional da Venezuela ainda esse ano, o presidente esquerdista do país, Nicolás Maduro, conseguiu atrasar um referendo para removê-lo do cargo mesmo com a economia em colapso.

Na Bolívia, o governo esquerdista de Evo Morales, recebeu aplausos do FMI pela sua gerência da economia. O banco central do país disse em setembro que esperava que seu PIB expandisse cerca de 5% esse ano, colocando o país entre as economias de crescimento mais rápido na América Latina.

Mas em um discurso recente recheado de referência à Marx e Lênin, até o vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, reconheceu a influência decadente dos esquerdistas na região.

“Estamos vivenciando um ponto de inflexão histórico na região; alguns estão falando de retrocesso”, disse García Linera, comparando a situação atual à períodos anteriores de ressurgimento conservador na América Latina. “Devemos reaprender com o que aprendemos nos anos 80 e 90, quando tudo estava contra nós.”

Enquanto líderes da esquerda recolhem os pedaços em partes da América Latina, seu dilema agora se assemelha ao políticos conservadores que há tempos lutam para desalojar.

“Podemos pensar na mudança como uma variante da América Latina do romance do ocidente com movimentos anti-establishment”, escreveu Mohamed El-Erian, conselheiro econômico chefe na Allianz, a gigante alemã dos serviços financeiros. “Por agora, partidos de direita e agendas políticas são os maiores beneficiários da desilusão econômica e social da região.”


Créditos da foto: Fabio Arantes/SECOM




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