PAÍS PODE TER UMA CONVULSÃO SOCIAL
(Sul21 entrevista Lindberg Farias)
Marco Weissheimer
O agravamento das crises social,
política e econômica está mostrando o governo de Michel Temer cada vez mais enfraquecido e em processo de decomposição.
Paradoxalmente, quanto mais fraco o governo fica, mais ele tenta acelerar o seu
programa de reformas, especialmente nas áreas trabalhista e previdenciária. Com
o agravamento desse quadro, o risco maior que o país corre é de mergulhar num
quadro de convulsão social, como se viu recentemente no Espírito Santo e no Rio
de Janeiro. A avaliação é do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que esteve em
Porto Alegre esta semana participando de um debate sobre o processo eleitoral
dentro do PT.
Em entrevista ao Sul21, o senador fala
sobre o atual momento político nacional e sobre a sua possível candidatura à
presidência nacional do PT. Lindbergh identifica um descolamento da base do
partido em relação à atual direção e defende uma mudança de programa e de
política de alianças para a possível candidatura de Lula em 2018. “Houve uma
subestimação da luta de classes no país e o resultado disso ficou evidente no
golpe. O programa de 2002 não serve para fazer um governo de transformações”,
defende.
Veja
a entrevista:
Sul21: O PT vive um momento de debate
interno para a renovação de suas direções e o seu nome foi apresentado para
disputar a presidência nacional do partido. Como é que está se desenrolando
esse processo dentro do PT?
Lindbergh
Farias: Estamos vivendo um momento
extremamente grave da história do país. Eles diziam que era preciso
simplesmente afastar a presidenta Dilma para resolver os problemas da crise
política e da crise econômica. Alardearam isso em alto e bom som pelo país. O
que estamos vendo é o agravamento da crise política e econômica. Acho que vamos
entrar numa situação que não é apenas de crise social, podendo mergulhar numa
convulsão social. Basta olhar os episódios recentes ocorridos no Espírito Santo
e no Rio de Janeiro, para ver o grau de fragilidade no qual estamos entrando.
Neste
cenário, vemos pesquisas que colocam o presidente Lula liderando em todos os
cenários. A última pesquisa CNT/MDA mostra Lula liderando em todos os cenários,
chegando a ter 40% de intenções de voto no segundo turno. Eu diria que a grande
tarefa do PT neste momento é como resistir a essa restauração do neoliberalismo
no país e como construir uma candidatura do presidente Lula com outro programa
e outra política de alianças. Estamos vivendo outro momento.
Sul21: Quais deveriam ser, em sua opinião, as principais
mudanças em relação a programa e política de alianças?
Lindbergh
Farias: Quando olhamos para trás e
consideramos as políticas que os governos do PT implementaram, vemos uma
quantidade impressionante de avanços como a inclusão social gigantesca que
ocorreu no país. Creio, inclusive, que esse crescimento do presidente Lula nas
pesquisas tem a ver com isso. Uma parcela do povo começa a perceber o que está acontecendo,
com perda de direitos, reforma previdenciária e reforma trabalhista. Quando
comparam esse cenário com o que foi a experiência do governo do presidente
Lula, percebem que o povo mais pobre teve uma ascensão muito grande.
Mas também tivemos muitas limitações.
Quando falamos da necessidade de fazer um balanço sobre o que fizemos é com o
espírito de corrigir para o presente e para o futuro. Achamos que é preciso
elaborar outro programa para o presidente Lula. Houve uma política de
conciliação de classes que mostrou as suas limitações. Há vários exemplos
disso. No primeiro ano do governo Lula, com o grande cacife político que havia
naquele momento, não era para termos avançado no debate sobre a democratização
dos meios de comunicação? Claro que era. Mas se acreditou que era possível
governar sem mexer com os interesses do andar de cima. Vimos a limitação dessa
escolha, principalmente agora no golpe.
Para fazer um governo de reformas
profundas, precisaremos mexer também no sistema tributário que é profundamente
desigual. Quem paga imposto neste país são os trabalhadores e a classe média.
Um funcionário que recebe 5 mil reais paga 27,5% de Imposto de Renda. Um grande
empresário que recebe por mês 300 mil reais a título de distribuição de lucros
e dividendos paga zero de imposto. Precisamos mexer com a situação do rentismo
no Brasil. Temos um Banco Central completamente descolado da realidade
internacional, com a maior taxa de juros do mundo, que acaba consumindo mais de
30% do nosso orçamento para pagar juros para esse sistema da dívida. Houve uma
subestimação da luta de classes no país e o resultado disso ficou evidente no
golpe. O programa de 2002 não serve para fazer um governo de transformações.
Sul21: Há quem defenda, dentro do PT, que o próprio Lula
assuma a presidência do partido. Existe essa possibilidade?
Lindbergh
Farias: O que está ocorrendo dentro
do PT é um descolamento da base do partido em relação à atual direção. A base
petista quer uma postura de mais enfrentamento, não quer um PT acomodado,
burocratizado. O que aconteceu na eleição para a presidência da Câmara e do
Senado é um exemplo desse descolamento da base em relação a uma parte
majoritária da direção do partido.
Cogitar o apoio a uma candidatura como a de Rodrigo Maia ou a uma candidatura
como a de Eunício Oliveira, logo depois de um golpe, quando a nossa militância
foi para as ruas para lutar contra os golpistas é uma loucura.
Eu estou viajando pelo país e coloquei
meu nome à disposição para assumir a presidência do PT. A atual direção, até
agora, não encontrou um nome para disputar a presidência do partido. Por isso,
ficam pressionando o presidente Lula para ser candidato. O próprio Lula tem
dito que isso é contraditório. Ele tem que ser candidato a presidente da
República. Nós temos que organizar o PT, fazer alianças e viajar pelos estados
para ajudar a elegê-lo. Pelo que tenho percebido até aqui, creio que Lula não
será candidato à presidência do PT. Se Lula for candidato, não vou disputar com
ele. Temos um tempo grande até junho, mas cresce entre diversos setores do
partido a ideia de que precisamos de uma renovação.
Sul21: Como é que está o ambiente no Congresso, meses após
a consumação do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff? Houve alguma mudança
na composição de forças dentro da Câmara e do Senado?
Lindbergh
Farias: No Congresso, ainda não. Em
relação ao tema da Reforma da Previdência, a gente já vê muita gente da base de
Temer dizendo que não vai votar nesta proposta. Agora, o governo Temer está se
desconstituindo. Veja esse último episódio envolvendo o advogado José Yunes,
considerado o melhor amigo de Michel Temer, implicando o Eliseu Padilha que não
tem condições de voltar a ocupar a chefia da Casa Civil. É um governo que está
se desintegrando. Ele não tem nenhum compromisso com a sociedade brasileira.
Seu único compromisso é com quem deu o golpe com ele: a aliança com a mídia e
com o grande capital.
Quanto mais fraco ele fica, mais ele
tenta acelerar o programa de reformas. Há alguns articulistas, inclusive do
campo deles, admitindo abertamente que o governo Temer tem problemas de
corrupção, mas que ele está aí para fazer as reformas. Eles estão tentando se
segurar com esse argumento. É um governo completamente desmoralizado que teve o
seu núcleo diretamente atingido. Eduardo Cunha está preso. Eliseu Padilha não
pode voltar a ser ministro. Geddel teve que deixar o Ministério de Articulação
Política. Então, é um governo que pode cair a qualquer momento. Não sei se
chega ao meio do ano. As perguntas que o Eduardo Cunha têm feito para o termo
representam um roteiro para uma delação premiada.
O governo segue tendo muita força no
Congresso, mas tem uma fraqueza enorme na sociedade. O carnaval deste ano virou
o carnaval do “Fora Temer!”. Acho
que teremos um período de muita turbulência pela frente. Por isso, precisamos
falar do lançamento imediato da candidatura de Lula para que ele possa
apresentar um programa para tirar o país da crise, proteger os empregos, fazer
algo que ele já fez neste país, na crise econômica de 2008-2009. Enfrentamos
aquela crise, não com ajuste fiscal, mas aumentando os investimentos sociais,
colocando os bancos públicos para emprestar dinheiro, fazendo com que a
Petrobras investisse no país. Agora, ao invés disso, eles estão acabando com a
política de conteúdo local, o que é um absurdo.
Sul21: Qual o balanço que você faz da situação da esquerda
hoje no país? Mudou alguma coisa do impeachment para cá?
Lindbergh
Farias: Acho que há um grande desejo
pela renovação interna dos quadros e por uma reconexão com os movimentos
sociais e com a juventude. O espaço da luta institucional e parlamentar é
importante, mas as lutas de rua são fundamentais. Houve um processo de
acomodação neste período de mais de 13 anos de governo. Isso é inegável. O PT
não pode virar um partido só de parlamentares, precisa ter democracia interna,
voltar a ter núcleos, usar as redes para envolver seus militantes. Nós sabemos
que o golpe foi dado fundamentalmente pelos acertos que tivemos, pelas
políticas em favor dos trabalhadores e dos mais pobres. Mas precisamos
identificar onde foi que erramos. Eu acho que houve uma subestimação da luta de
classes. Houve muita ingenuidade neste processo todo.
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