A bomba
Fernando Limongi*
Elite
política colhe resultados da sua irresponsabilidade
O cenário político continua conturbado.
O preparo da massa para a pizza teve que ser adiado. A coalizão que comandou o
processo de impeachment se esfacelou, perdeu o rumo e trabalha para catar os
cacos. Difícil que se recomponha ou ache seu rumo. A pinguela ruiu, levando
consigo muitos dos que dela se serviram para atravessar o rubicão.
Tanto quanto Dilma no início de 2016,
Temer é um paciente terminal.
Sobrevive, contudo, por falta de
alternativa. Falta o que ele próprio foi para a presidente Dilma: a alternativa
que deu a todos a esperança da salvação.
Encontrar um substituto não é simples.
O ungido tem que sobreviver, não pode
estar contaminado pelo material tóxico que se abateu sobre Temer.
Eis aí o problema: restam poucas
alternativas. Para onde quer que se olhe, qualquer que seja o nome aventado
como a saída, em pouco tempo, problemas aparecem e a candidatura se torna
radioativa.
Nenhum político cabe no figurino e
apelar para juízes, aposentados ou não, representa um salto no escuro.
A situação é trágica, um verdadeiro fim
de linha.
A elite política brasileira colhe os
resultados da sua irresponsabilidade, da inconsistência das estratégias que vem
adotando, cujo exemplo mais acabado é o processo movido por Aécio Neves contra
a chapa Dilma-Temer, iniciado, segundo suas confidências a Joesley, apenas para
"encher o saco", uma resposta às "sacanagens" de que teria
sido vítima ao longo da campanha.
Aécio e seus estrategistas tiveram
inúmeras oportunidades para rever o curso da ação. O ambiente político mudou e
Temer se tornou presidente com o apoio de Aécio, mas a ação não foi retirada,
mesmo diante dos apelos do novo presidente. A irresponsabilidade e a
inconsistência da estratégia beira a insanidade. Pior que cometer um erro, é
insistir no mesmo, algo que os que se prestam a defender Temer deveriam
considerar.
Ao longo da semana, na ausência de uma
alternativa, as vozes em defesa de Temer ganharam força. Com o tempo, o número
dos que aderiram à defesa do presidente cresceu. As gravações, disseram, não
provariam que o presidente estaria apoiando a mesada para comprar o silêncio de
Eduardo Cunha e de Lúcio Funaro.
Os defensores do presidente aferram-se
aos detalhes, perdendo de vista o contexto e o significado do encontro escuso
arrumado com celeridade incomum.
Na operação resgate, é preciso
desconsiderar a intimidade e a proximidade entre o presidente e o empresário,
os assuntos discutidos, a forma como Joesley foi recebido e tudo o mais, para
concentrar-se em umas algumas poucas frases.
Não faltam evidências que comprometem
qualquer tentativa de fazer do presidente vítima de um ardiloso plano para
derrubá-lo. Ainda assim, pedem-se provas irrefutáveis. A técnica pode funcionar
em juris, mas não restaura a dignidade e a honra do personagem.
O contorcionismo necessário é evidente.
Se o presidente é uma vítima, é preciso
fabricar algozes e valores mais elevados envolvidos no caso. O truque é
conhecido. A melhor defesa é o ataque. Nesta torsão, o tribunal de exceção em
que a Lava-Jato teria se transformado passou a ser o inimigo a combater.
Estaríamos diante de repetidas e flagrantes violações da presunção da inocência
e do direito da defesa.
Enfim, estaríamos diante de um ataque
orquestrado ao estado de direito e à liberdade, bens supremos que pediriam
defesa intransigente e resoluta.
Sem a menor cerimônia, sem o menor
compromisso com a coerência, inventam-se distinções descabidas. Como quer o
editorial de sábado de "O Estado de S. Paulo", de um lado estariam
"políticos que receberam doações eleitorais qualificadas pelos delatores como
propina", enquanto, em polo radicalmente distinto, estariam os
"meliantes que elaboraram um plano de assalto bilionário aos cofres da
Petrobras". Feita a ginástica, arremata o editorialista: "Dallagnol,
em sua reiterada imprudência, infelizmente comum a alguns de seus pares, dá
tratamento isonômico a todos os políticos citados nas delações premiadas."
Como diz o ditado, para os amigos tudo,
para os inimigos, a lei.
E o que os amigos pedem não é pouco.
A ex-presidente do BNDES que o diga.
Como já adiantara a imprensa especializada, a gestão austera de Maria Silvia
não atendia as necessidades do governo. Nota no site da CNI explicou o que se
espera da nova administração: "O novo presidente do BNDES não pode perder
a oportunidade de executar com celeridade os projetos de financiamento para a
indústria e para a infraestrutura".
Para defender Temer, convenientemente,
privilegia-se o acessório e deixa-se de lado o essencial do episódio.
Esquece-se a presteza com que Temer se dispôs a encontrar o empresário e o tema
da conversa que o incriminaria. Temer pode não ter discutido o pagamento das
mesadas, mas o fato é que para ele, como para muitos outros, é essencial que
Eduardo Cunha e Lúcio Funaro se mantenham em silêncio.
Por isto precisava confirmar que os
acordos estavam e seriam mantidos.
Aliás, não é outra a razão para que as
prisões alongadas de Curitiba tenham se tornado um problema. Cunha e Funaro têm
emitido sinais de que podem falar, razão suficiente para espalhar pânico
Brasília afora.
Os movimentos para interromper a
continuidade das investigações são flagrantes.
O juiz Sergio Moro, que sabe o quanto
pode esticar a corda, percebeu o risco e, fato raro, deu ouvido ao seu
"coração generoso", absolvendo a esposa de Eduardo Cunha.
Moro conhece seus limites, sabe que nem
sempre é recomendável fustigar a fera com vara curta. A prisão da esposa de
Cunha poderia elevar a pressão sobre seu tribunal.
Pelo andar da carruagem e pelo que as
investigações vêm revelando, o presidente até pode se safar deste episódio
particular, mas dificilmente resistirá ao que ainda está por vir. Temer não
depende apenas da boa índole Rodrigo Rocha Loures.
A bomba continua detida em Curitiba,
dando indicações de que está pronta a explodir.
* Professor do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisador do
CEBRAP
Nenhum comentário:
Postar um comentário