quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

"O objetivo da direita é expulsar a classe trabalhadora da política"

"O objetivo da direita é expulsar a classe trabalhadora da política"

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Em entrevista, Reginaldo Moraes (Unicamp) comenta sobre o livro Capitalismo, classe trabalhadora e luta política no início do século XXI
Por Tatiana Carlotti
Da Carta Maior
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A nova configuração da classe trabalhadora neste início de século e o impacto de suas transformações na vida política, luta social e confronto de classes são analisadas em Capitalismo, classe trabalhadora e luta política no início do século XXI, pelos professores Marcio Pochmann (UNICAMP) e Reginaldo Carmelo Corrêa de Moraes (UNICAMP / INCT-Ineu). 
Recém lançada pela Fundação Perseu Abramo (acesse a íntegra aqui), a obra investiga as características da classe trabalhadora em quatro países – Brasil, Inglaterra, França e Estados Unidos – e problematiza os desafios dos trabalhadores em meio à crise capitalista iniciada em 2008.

Trata-se de um dos mais completos diagnósticos da classe trabalhadora contemporânea. O livro é, também, o primeiro de uma trilogia que trará um segundo volume sobre os capitalistas e detentores de poder e riqueza, e um terceiro sobre as “classes médias”. 

Em entrevista ao nosso site, o professor Reginaldo Moraes conta sobre o livro e traz um alerta: “Não se trata apenas de compreender o que mudou, mas de encarar essas transformações pensando em como atuar nesse processo. O livro não traz nenhuma receita mágica, até porque a solução terá de ser encontrada pelos agentes envolvidos, de acordo com a realidade de suas regiões”.

Acompanhe a entrevista:

Como surgiu a ideia do livro?

Reginaldo Moraes – Depois da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e do crescimento de grupos de ultradireita na Europa, falou-se muito que segmentos cada vez maiores das classes trabalhadoras passaram a atender mais os apelos da nova direita do que os da velha esquerda. Afirmava-se que a classe trabalhadora – até então base social dos partidos socialistas, trabalhistas, socialdemocratas, comunistas etc. – estava mudando sua orientação política e aderindo aos partidos de direita. 

Nós investigamos se essas afirmações eram ou não verdadeiras e chegamos à conclusão de que se tratam de avaliações apressadas que não batem com os fatos. Então resolvemos analisar as mudanças na organização da classe trabalhadora, do ponto de vista da sua composição, reorganização das ocupações, concentração das empresas, mudanças na natureza dos contratos, verificando como a fragmentação dessa classe vem impactando a sua percepção de mundo, comportamento e alinhamento político, valores e votos.

O que vocês descobriram?

Reginaldo Moraes – Nós descobrimos que essa ideia de que houve uma migração da classe trabalhadora, fundamentalmente de esquerda, para uma posição de direita é muito forçada. 

Em primeiro lugar, a classe trabalhadora nunca foi tão de esquerda como se fala. Mesmo em bairros operários na França, Itália, Alemanha etc., onde o voto se alinha com os sindicatos e os partidos socialistas e comunistas, sempre houve um forte voto de direita. 

Na França, por exemplo, em regiões populares e de operários, sempre se votou na direita, até porque não há apenas operários ou sindicalistas nessas localidades, mas uma classe trabalhadora conservadora e uma classe média ligada ao comércio local, que sempre votou na direita. Muitos desses votos, inclusive, migraram para a extrema direita francesa.

A direita percebeu que a globalização, a deslocalização das empresas e a migração de empregos eram pontos fracos que poderiam ser explorados; e preparou um discurso para os trabalhadores precarizados e desempregados. Na Inglaterra, por exemplo, o discurso dos “nacionais” contra os imigrantes foi muito utilizado. Muitos compraram a ideia de que os imigrantes estavam roubando os empregos. Um discurso eficaz e muito usado pela direita de Marie Le Pen (França) a Donald Trump (EUA). 

A questão central é que, em todos esses casos, houve muito menos uma migração dos votos da classe trabalhadora para a direita e muito mais um alheamento dessa classe que optou em não fazer nada, ou seja, não votar nem na direita, nem na esquerda. 

Abstenção, voto em branco, voto nulo, todas essas formas de alheamento da política tiveram grande impacto nas eleições. No Brasil, como o voto é obrigatório, o que se viu nas últimas eleições municipais, foi o crescimento de votos nulos e brancos e menos da abstenção porque não votar dá muito trabalho. Uma realidade oposta a dos Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório e a eleição acontece durante a semana. Lá, votar é um esforço.

Como isso contribui com a direita?

Reginaldo Moraes – Nós podemos dizer que, em certa medida, a vitória da direita foi, justamente, fazer com que se produza apatia e alheamento da população. Em todos os momentos de crescimento da abstenção, votos brancos e nulos, quem perde é a esquerda. A direita sempre ganha com isso. 

Isso contradiz o argumento de que houve uma migração dos votos da classe trabalhadora, supostamente toda sindicalizada, da esquerda para a direita. Trata-se de algo muito mais complexo e que não deixa de ser problemático, porque o alheamento e apatia da classe trabalhadora são uma conquista da direita tanto quanto os votos em Trump ou em Le Pen.

Muito mais do que seduzir para o seu partido ou candidato, o objetivo da direita é jogar a população fora da política. O discurso da direita é, inclusive, um discurso de criminalização da política. Ela procura convencer que a política não faz sentido e que o mercado é capaz de resolver tudo, como se fosse possível conquistar direitos, educação, saúde, por meio do mercado e sem luta política e social. 

As mudanças nas relações de trabalho favorecem essa apatia?

Reginaldo Moraes – Ao longo do século XX, a base social dos grandes partidos de esquerda foram as concentrações de trabalhadores. A grande fábrica era a base de organização dos sindicatos. Hoje, porém, vemos o surgimento de uma nova classe trabalhadora de serviços, cuja fragmentação rompe com as formas tradicionais de organização e manifestação. 

O emprego formal migrou para o setor de “serviços”, categoria muito genérica e residual que abarca todas as atividades que não se encaixam na agricultura, manufatura ou indústria. Do cabelereiro ao psicólogo, até mesmo o padre, tudo é “serviços”. Trata-se de um conceito muito amplo que engloba, inclusive, os trabalhadores que migraram do interior da fábrica para as chamadas empresas prestadoras de serviços. 

O caso da Volkswagen é emblemático. Nos anos 1970, a empresa contava com 40 mil trabalhadores, hoje são 10 mil. Era uma grande cidade e todos os trabalhadores – do refeitório a serviços de logística – eram representados pelo Sindicato dos Metalúrgicos. Isso não existe mais. 

Hoje, são as prestadoras que fornecem alimentação, vigilância, marketing etc. Os trabalhadores não são mais funcionários da Volkswagen, não foram apenas terceirizados, mas terciarizados, passando à condição de prestadores de serviços. Isso, obviamente, tem grande impacto nas formas de mobilização, reinvindicação e, também, na vida política desses trabalhadores.

É possível resistência nesse contexto?

Reginaldo Moraes – Pela força desse processo, certamente, novas formas de resistência substituirão as antigas. Os sindicatos e partidos precisam prestar muita atenção nisso para estimular e criar novas formas de organização em outros espaços, além da fábrica.

Nos Estados Unidos, a AFL-CIO, que congrega vários sindicatos, criou um movimento nos bairros operários e vem atuando junto ao trabalhador desempregado ou precarizado. Surgiram, também, movimentos de trabalhadores imigrantes, muitos em situação de ilegalidade, que, a partir de seus locais de residência, organizaram uma rede de serviços e apoios de toda natureza. 

Há uma espécie de movimento comunitário e sindical surgindo nos bairros operários dos Estados Unidos. Alguns sindicatos procuram se associar a esses movimentos, ajudando no trabalho de organização. Não é fácil, até porque o movimento sindical norte-americano sempre foi muito conservador, mas houve uma mudança significativa na direção de alguns sindicatos. 

Se eles não se unirem, correm o sério risco de se tornarem inoperantes. Os sindicatos do Partido Democrata estão perdendo adesão e capacidade de atuar nas eleições, basta ver a alta abstenção em várias regiões operárias nos Estados Unidos. A Hillary não dizia nada para esses trabalhadores. 

Como você avalia o caso brasileiro?

Reginaldo Moraes - A fragmentação se reflete no crescimento de votos brancos e nulos. Nisso pesa, obviamente, a política deliberada dos meios de comunicação que, muito forçadamente, criminalizam a política, fazendo crer que ela é exercida apenas por pessoas más, em uma espécie de “deixe a política para eles”. O resultado é o que vemos no Congresso brasileiro hoje: a hegemonia da fina flor da direita e da ultradireita de negócios.

Em termos de resistência, vale lembrar que muitos movimentos populares se constituíram nas paróquias dos bairros periféricos das grandes cidades nos anos 1970, um período de aliança tática entre a chamada esquerda católica (Teologia da Libertação e padres progressistas) e a não católica. Isso também aconteceu em outros países, não apenas no Brasil.

Naquele período, as paróquias eram locais de socialização e de luta. Vários clubes de mães da periferia, movimentos por saúde, creche, transporte foram organizados em torno das paroquias dos padres progressistas. O movimento sindical, inclusive, interagia com esses movimentos, até do ponto de vista logístico. Era onde que os trabalhadores se reuniam e se concentravam porque os sindicatos eram extremamente controlados pelo aparato repressivo. 

Essa aliança foi liquidada em 1979, com a ascensão do papa João Paulo II que perseguiu ativamente a Teologia da Libertação, deslocando os padres progressistas de suas paróquias, em uma ação concertada com a direita. A partir daí aquele espaço foi ocupado pelas igrejas neopentecostais. O Edir Macedo surge e se fortalece neste momento. Isso, obviamente, teve um preço: a teologia da prosperidade e o discurso do “faça você mesmo”, orientada por uma ideia de crescimento e investimento individuais – e, claro, investimentos na Igreja – e na promessa de sucesso garantido por Deus. 

O fato é que essas igrejas evidenciam o quanto é falho o discurso de que os trabalhadores não têm interesse em se reunir. Pelo contrário, eles participam dos cultos e das atividades de socialização e não apenas nos fins de semana. Usufruem da rede de serviços organizada por essas igrejas que tendem a suprir a imensa carência do Estado em áreas como segurança, saúde, emprego e assim por diante.

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