Cultura
Carnaval
Nos bastidores do carnaval, a mão de obra vem de Parintins
Talentos do Amazonas são contratados para a folia em São Paulo e no Rio de Janeiro para produzir as alegorias
Victória Damasceno
Cerca de 500 profissionais amazonenses participam da produção das alegorias das escolas de samba
"São os melhores". É assim que o escultor Arthur Santana Brasil define a qualidade do trabalho dos artesãos parintinenses, responsáveis pelas quatro principais funções nos barracões das escolas de samba de São Paulo e do Rio de Janeiro: escultura, pintura, decoração e ferragem.
Natural de Parintins, no Amazonas, no Carnaval 2018 ele completa 13 anos atuando nos preparativos das alegorias dos desfiles no Sambódromo do Anhembi e na Sapucaí.
Ser um dos escolhidos para o trabalho sazonal na região sudeste do País não foi por acaso. Santana nasceu com as mãos no barro, recebendo as primeiras lições de escultura ainda menino, em uma escolinha de arte mantida por um missionário católico italiano em Parintins.
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Distante 365 quilômetros da capital Manaus, a cidade é conhecida pelo Festival Folclórico de Parintins, tradicionalmente conhecido como Festa do Boi, epicentro de uma disputa cultural histórica entre os bois Garantido e Caprichoso.
As origens da festa remontam ao início do século XX, mesclando tradições indígenas com outras trazidas por imigrantes nordestinos à Amazônia. Maior atração da cultura local, o festival impulsiona a economia da cidade e deixa os cidadãos divididos entre “garantidos” e “caprichosos”, rivalidade que permanece o ano todo, mesmo após a época do evento.
Sua importância é tanta que, conforme a data se aproxima, muitas famílias se preparam para a venda de alimentos para auxiliar na composição da renda. Os comércios, casas e hotéis se voltam para a recepção dos turistas e os artesãos trabalham dia e noite nos preparativos da decoração e das alegorias que formam a disputa. Segundo dados da Prefeitura de Parintins, estima-se que cerca de cinco mil empregados são gerados no período.
A ocupação, no entanto, é sazonal.
A cidade toda prepara-se nos meses de março, abril e maio para sediar a festa em junho. Nos meses seguintes, a desocupação cresce. Para os artesãos, a resposta para continuar gerando renda foi o carnaval de São Paulo e do Rio de Janeiro.
A escolha dos trabalhadores e artesãos é feita em meados de agosto, quando olheiros das escolas de samba, muitas vezes parintinenses que já participaram da montagem do carnaval, escolhem o time que será levado para os barracões.
Só em 2018, 500 pessoas aterrissaram na capital paulistana para trabalhar nos preparativos da folia, de acordo com informações da Liga das Escolas de Samba de São Paulo. A tradição se repete há pouco mais de duas décadas, quando os primeiros talentos foram "importados" do Amazonas.
Arthur Santana Brasil veio pela primeira vez aos 23 anos. Hoje com 35, o escultor é o artesão de confiança da escola Dragões da Real. Ao seu lado, outros 13 parintinenses são alguns dos responsáveis pelos serviços artísticos essenciais para colocar o carro da escola na avenida.
Há 13 anos, o artesão divide-se entre duas casas. Durante seis meses, vive na residência alugada pela agremiação. Nos demais, retorna à terra natal, onde também se envolve na Festa do Boi, além de matar a saudade da esposa e do filho.
“Eu venho para cá porque já tenho amizades e o dinheiro é bom. Mas o que me mata de saudade de lá é a família mesmo”, conta.
O principal aluno é o próprio filho. Segundo ele, o menino não leva jeito, além de não saber lidar com as cobranças do pai, que é perfeccionista. “Sempre incentivo ele, mas quando vê que não desenha tão bem assim, logo fica chateado.”
Santana quer se mudar para São Paulo para que sua família tenha mais oportunidades, mas ainda não é possível. A capital paulista oferece, em sua visão, mais dinheiro, além de trabalho o ano todo em sua ocupação.
No que depender das escolas de samba, Santana fica. Na Dragões da Real, sua estada é indeterminada.
A escolha dos profissionais de Parintins é feita pela qualidade na execução trabalho, “que de fato são os melhores”, garante o presidente da Dragões da Real, Renato Remondini. Além disso, a escola valoriza o “intercâmbio cultural”, diz. “Além da vasta experiência, do tato pra lidar com a coisa, eles são muito bons de trabalho contínuo.” Para ele, "não ter preguiça" é uma das qualidades dos artesãos.
O presidente explica que, no início dos preparativos, as jornadas de trabalho são amenas, com duas folgas semanais. Conforme o carnaval se aproxima, porém, o descanso diminui para um só dia.
“Pra gente é legal quando você consegue aliar a necessidade do trabalho com o principal, que é a qualidade”, explica, ao falar sobre a baixa disponibilidade de emprego para os artesãos parintinenses fora do período do Festival.
Além da moradia, a escola arca com os custos de alimentação, transporte para os barracões e para o sambódromo, além de comprar as passagens de ida e volta para Parintins.
Às vezes, a saudade da família é tanta e as oportunidades de emprego na terra natal são tão baixas que a saída é trazer o núcleo familiar para o sudeste. Foi o caso de Darlei Gomes, serralheiro ou "engenheiro", como ele diz, da agremiação.
Aos 35 anos, Gomes mora há quatro em São Paulo com a família. Pai de três filhos, divide as contas da casa com a esposa. O trabalho sazonal do carnaval, no entanto, ainda não é suficiente. Hoje, faz o processo inverso de seus companheiros: mora em São Paulo e volta para ficar três meses trabalhando pela Festa do Boi.
Na escola, ele monta toda a estrutura interna dos carros, feita de ferro e aço. No geral, prefere a vida paulistana, e aliou a pouca disponibilidade financeira com a vontade de se mudar. “Não tivemos muita opção. É um meio mais fácil de estar empregado, de ter um retorno melhor. E hoje a gente gosta do que faz”, conta.
O melhor de tudo para ele, porém, é as surpresas que o sambódromo prepara. “Cada carnaval é uma história”, diz, sorrindo.
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