Política
Opinião
Os desdobramentos de Porto Alegre
por Aldo Fornazieri* — publicado 01/02/2018 00h30, última modificação 31/01/2018 13h24
A força política e social organizada é decisiva para enfrentar as elites predatórias
Ricardo Stuckert
É hora de redobrar a aposta
Embora previsível, a condenação de Lula por unanimidade na turma que o julgou não pode deixar de ser contabilizada como uma grave derrota para o ex-presidente, para o PT e para todas as forças progressistas e democráticas do País. Foi mais um passo dado, pelo esquema golpista, com vistas à consolidação de uma alternativa de poder com o afastamento de todas as forças que signifiquem mudança e justiça social.
Não foi, porém, uma derrota definitiva. Os desdobramentos dessa condenação dependerão muito mais de Lula e das forças que resistem à consumação do golpe, do que propriamente das forças políticas adversárias. O pressuposto de que se deve partir é de que o Judiciário, depois de violar leis e rasgar a Constituição, irá até o fim na tentativa de tirar Lula da disputa eleitoral.
As forças partidárias conservadoras não têm moral ou legitimidade para convocar a população para possíveis confrontos visando influir sobre o impasse criado pela condenação. É bem verdade que o PT e os movimentos sociais têm baixa capacidade de mobilização, como demonstrado na quarta-feira 24. À exceção de Porto Alegre, as reações ao julgamento foram tímidas. Mas é preciso observar que, com o descrédito do governo e com a destruição que ele tem promovido, o momento é favorável às forças democráticas e progressistas e a Lula.
Setores amplos da sociedade perceberam que Lula é vítima de perseguição judicial e que foi condenado sem provas. Se essa percepção se aprofundar, e se for bem trabalhada pelo próprio Lula e pelas forças que o apoiam, a adesão ao ex-presidente poderá crescer. Não basta, no entanto, apenas conscientizar os cidadãos acerca do golpe em curso no País. É preciso fortalecer as organizações partidárias, os sindicatos e os movimentos sociais, pois essa guerra desencadeada pelo golpe e pelas elites será decidida na base da força política e social.
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Diante desse cenário, Lula e as forças que o apoiam precisam ir até o fim com a candidatura. Precisam mantê-la mesmo à revelia das decisões judiciais. É preciso tensionar e esticar o arco até seus limites para que as flechas possam conter esse avanço do golpe, do conservadorismo e da destruição das conquistas sociais. Se Lula e o PT recuarem, será uma derrota de largas proporções e por muitos anos. Uma derrota sem honra, porque sem luta.
O recuo poderá significar a prisão de Lula, a destruição de sua força simbólica e uma drástica redução da influência política do PT. Qualquer recuo representará um risco mortal. Levar o impasse até as últimas consequências, mesmo que no final haja uma derrota eleitoral, significará uma luta com honra e uma vitória no acúmulo de forças, pois esta criará uma nova esquerda. Uma esquerda combativa, corajosa, apta a enfrentar futuras batalhas e a superar a síndrome histórica de derrotas sucessivas nos momentos cruciais das crises.
Outra consequência da condenação de Lula deverá ser uma divisão e uma fragmentação maior no campo governista e golpista. O cálculo desse campo é o de que Lula está fora do jogo e que não terá força para emplacar um substituto para o segundo turno. Dessa forma, os interesses e as ambições dos indivíduos e dos grupos do campo conservador se explicitarão de forma mais aguda na busca do poder. Se isso ocorrer, as forças de esquerda terão de ter sabedoria para saber navegar nesta grave conjuntura.
Neste momento, é crucial manter a unidade progressista em torno da defesa do direito de Lula ser candidato e da defesa da democracia. É nesse leito que haverá mobilizações. A definição da unidade ou da pluralidade de candidaturas de esquerda deverá ser uma consequência do desdobramento desses embates. Qualquer erro de avaliação poderá representar uma derrota histórica para os progressistas e para os trabalhadores e o povo pobre do País. Os interesses do povo, dos pobres e do Brasil devem ser postos acima dos interesses partidários.
Em paralelo à denúncia do caráter persecutório e golpista da decisão judicial que condenou Lula, as forças progressistas precisam construir um programa que expresse a ideia de um novo Brasil. Trata-se de propor um programa que expresse uma verdadeira revolução democrática. Não basta propor políticas sociais focalizadas para enfrentar os graves problemas de pobreza e da falta de direitos mínimos.
É preciso propor um programa reformador capaz de remover as condições estruturais da pobreza, da desigualdade, da injustiça e da inaptidão do Brasil para o desenvolvimento sustentável (desenvolvimento humano, educacional, ambiental, científico, tecnológico e industrial).
As forças progressistas e Lula precisam mostrar se serão capazes de resolver os problemas cruciais que mantêm o Brasil preso às iniquidades humanas, ao atraso no seu desenvolvimento e a uma presença marginal no mundo globalizado. A apresentação desse programa tornará o combate ao golpe muito mais convincente e eficaz, pois as forças conservadoras, dado o seu caráter predatório, são incapazes de apontar qualquer caminho de futuro para o Brasil.
Por conta da fragilidade organizativa das forças progressistas, Lula terá de ser o comandante desse movimento, pois sua força simbólica e carismática é a maior potência que pode existir para enfrentar esse momento de adversidade e de confronto. No bojo das caravanas, das mobilizações e da energia que Lula pode desencadear, as esquerdas precisam se organizar.
É preciso aprender de uma vez por todas que a força política e social organizada é decisiva para enfrentar as investidas e os golpes recorrentes das elites predatórias. Se essa lição não for aprendida, o povo brasileiro continuará a viver séculos de tragédias e iniquidades.
*Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP)
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