quarta-feira, 7 de março de 2018

Baiana brilha em programa de culinária na TV da Dinamarca

Televisão

Baiana brilha em programa de culinária na TV da Dinamarca

por Radio France Internationale — publicado 07/03/2018 00h30, última modificação 05/03/2018 18h43
Ex-participante da versão local de "Pesadelo na Cozinha", Jacira faz sucesso com restaurante brasileiro em Copenhague
Margareth Marmori / RFI
Jacira
Jacira diz que já sofreu episódios de racismo no país nórdico
* Por Margareth Marmori, correspondente da RFI em Copenhague
Moqueca, feijoada e acarajé são as grandes estrelas do menu de um restaurante brasileiro em Copenhague, mas num programa da televisão dinamarquesa quem brilhou foi a baiana Jacira Mariete Berlowicz, que mora há 35 anos na Dinamarca. Jacira é a dona do restaurante “O Tempo” e ficou conhecida pelo público do país depois de participar da versão local do programa de televisão “Pesadelos na Cozinha”.
O restaurante foi aberto há três anos numa área central da capital dinamarquesa e lá ela frequentemente promove tardes do acarajé, que atraem centenas de pessoas. O programa de televisão foi exibido pela primeira vez em novembro passado e tem ajudado a atrair novos clientes, inclusive pessoas que vivem no interior da Dinamarca e que aproveitam o passeio em Copenhague para provar a culinária brasileira pela primeira vez. Mas, como ela conta, o convite para participar da produção a pegou de surpresa.
“Foi o louco do meu marido que me inscreveu no programa. Só que ele não me falou nem me perguntou, só me inscreveu. Aí, de repente, alguém liga e diz: ‘Olha, você foi chamada para participar do programa, mas a gente tem que te entrevistar primeiro para saber se vale a pena ou não’. Aí eles gostaram de mim, gostaram da história da minha vida. E aí, pronto, aceitei. “
Jacira é casada com o engenheiro Robert Berlowicz e o casal tem uma filha. Robert foi a razão para Jacira deixar Salvador e se mudar para Copenhague, onde ela fez cursos de culinária e trabalhou por mais de vinte anos em cantinas de empresas e órgãos públicos. Durante todo esse tempo, ela sempre sonhou em ter seu próprio restaurante, mas a decisão de abrir o negócio só foi tomada depois de um incidente que a entristeceu muito.
Ela conta que, antes de ter o restaurante, trabalhava na cantina de um estabelecimento, que ela prefere não citar o nome. Numa ocasião, depois de uma licença médica, ela percebeu que seus colegas dinamarqueses tinham esperado a volta dela ao trabalho para que ela fizesse a limpeza de um equipamento da cantina. Intrigada, Jacira perguntou o motivo ao chefe da cantina. Ao ouvir a resposta, ela não teve dúvidas de que estava sendo vítima de racismo. 
Eu perguntei a ele o porquê. Ele respondeu: ‘O pessoal da África está aqui para isso’”, conta.
Jacira pediu demissão imediatamente depois do incidente, mas decidiu não denunciar seu ex-chefe por achar que não tinha como provar a discriminação. Ainda hoje ela se emociona quando lembra o que aconteceu:
“Chorando, eu passei aqui [local onde fica o restaurante] e vi a placa do ponto à venda. Aí, pronto. A gente dá o que pode da gente num país estranho. Ser tratada de outra maneira porque sou preta, eu acho triste isso.”
Segundo Jacira, aquela não foi a primeira vez que ela sofreu racismo na Dinamarca, principalmente de pessoas que acham que ela é africana.  Apesar disso, ela é grata pelas oportunidades oferecidas pelo Estado dinamarquês, como os cursos de formação profissional a que teve acesso e que agora lhe dão condições de administrar o restaurante.
No restaurante, a clientela é simpática e curiosa sobre a culinária brasileira. Cerca de 70% dos fregueses são dinamarqueses e o restante são principalmente brasileiros e portugueses. O restaurante ainda não dá lucro nem rende o suficiente para pagar o salário de Jacira, mas ela não pretende desistir do negócio sem antes lutar muito pelo seu sonho.
Aliás, lutar é algo que Jacira conhece muito bem. Ainda criança, aos nove anos de idade, ela perdeu a mãe e, três meses depois, o pai. A partir daí a vida de Jacira se tornou uma luta incessante. Ela foi separada dos oito irmãos e passou a viver no orfanato mantido por um convento de Salvador (BA).
“No convento eu aprendi muita coisa, mas foi uma vida bem, não vou nem dizer sofrida, mas cansativa, porque a gente trabalhava muito. Eu fui para lá com nove anos e saí com dezoito. A gente fazia caixa de sapato e caixa para chocolate no convento. Tinha que lavar a própria roupa, porque não tinha ninguém para fazer. Foi vida dura, bem dura mesmo”, ela relembra.
Para levar o restaurante adiante, Jacira está seguindo alguns dos conselhos do apresentador do programa de televisão, Thomas Castberg, que é um chefe de cozinha famoso na Dinamarca. No programa, ele fez algumas críticas à administração e à decoração do restaurante, mas elogiou o talento gastronômico de Jacira, como ela conta:
Eu fiquei muito orgulhosa quando ele falou que gostou muito do meu tempero e que a comida brasileira era uma comida boa, cheia de sabor; também porque ele repetiu isso várias vezes. Não é que ele chegou disse: ‘eu gostei do seu tempero’. Ele falou isso muitas vezes, durante sete dias. E quando as câmaras estavam desligadas, ele estava na cozinha comendo. Significa que ele gostou mesmo, não é?"
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