Política
Análise
“Numa democracia, a declaração de Villas Bôas é um descalabro”
Segundo Eloísa Machado, professora da FGV, ao se pronunciar sobre o julgamento de Lula, o comandante do Exército infringe regras das Forças Armadas
Agência Verde-Oliva
Carmén Lúcia e o general Villas Bôas, que agora decidiu pressionar o STF
A declaração do general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, que disse, via Twitter, “compartilhar os anseios de todos os cidadãos e bem” de “repúdio à impunidade” é “totalmente inoportuna” e mostra um descompromisso com as próprias regras das Forças Armadas, afirma Eloísa Machado, professora de direito da Fundação Getulio Vargas.
“Se o próprio comandante se sente à vontade para violar suas próprias regras, fica claro que o comando não tem nenhuma autocontenção”, acrescenta. Não à toa, "existe essa restrição nas normas das Forças Armadas para que não se pronunciem sobre assuntos de política".
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A afirmação do general em sua conta do Twitter, na noite de terça-feira 3, foi feita pouco depois da realização de atos de manifestantes favoráveis à prisão e Lula, e às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-presidente no Supremo Tribunal Federal.
A declaração sobre impunidade, afirma Machado também “é de um mau gosto tremendo”, visto que “as Forças Armadas tanto resistiram e ainda resistem para a elucidação das graves violações que ocorreram na nossa ditadura”.
No mesmo dia, ainda, via Twitter, Villas Boas disse: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?"
E, em seguida. "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais."
A declaração provocou uma série de reações entre outros oficiais do Exército. O general Paulo Chagas, pré-candidato ao governo do Distrito Federal, prestou continência virtual a Villas Bôas e declarou que tem “a espada ao lado, a sela equipada, o cavalo trabalhado e aguardo suas ordens”.
A professora defende o enquadramento do general, mas descarta essa possibilidade, por causa da situação frágil de Michel Temer no poder. Resta lembrar que Temer se aproximou das Forças Armadas ao propor a intervenção federal no Rio de Janeiro.
Confira abaixo a entrevista que Eloísa Machado concedeu a CartaCapital.
CartaCapital : Como viu posicionamento do general-comandante Eduardo Villas Bôas?
Eloísa Machado: Não só essa manifestação, como quaisquer manifestações sobre o cenário político brasileiro são absolutamente indesejadas quando vindas das Forças Armadas. Elas têm um papel Constitucional, mas esse papel é distante das decisões políticas. Não é à toa que existe essa restrição nas normas das Forças Armadas para que não se pronunciem sobre os assuntos de política. Vi com bastante pesar essa e todas manifestações dos últimos meses das Forças Armadas sobre o cenário político.
CC: Ele deveria ser punido?
EM: Uma das partes mais complicadas é justamente quando essa manifestação absolutamente inapropriada parte do próprio comando. Então, de maneira geral, o sentimento que se passa é que não há nenhum tipo de autocontenção das Forças Armadas, sobretudo diante da posição que seu próprio comandante adota em redes sociais sobre política, e o que é ou deixa de ser impunidade. E nesse ponto merece um adicional: as Forças Armadas que tanto resistiram e ainda resistem para a elucidação dos bárbaros crimes e graves violações de direitos humanos que ocorreram na nossa ditadura, falarem de impunidade, é de um mau gosto tremendo.
CC: Você viu a declaração como uma ameaça?
EM: Não vi como uma ameaça, vi como uma manifestação inoportuna. Mas se é de fato ou não uma ameaça, a gente vai saber, infelizmente, nos próximos dias.
CC: Outros militares reagiram após a declaração. Como vê esses posicionamentos?
EM: Se o próprio comandante hierarquicamente superior se sente confortável para violar suas próprias regras, se manifestar sobre a política e violar toda lógica constitucional que relega as Forças Armadas a um papel muito distante da política, os subordinados se sentem ainda mais confortáveis. Então não há nenhuma surpresa depois do exemplo que o próprio comandante deu.
CC: Você vê uma ofensiva dos militares?
EM: Não consigo dizer, o que consigo dizer é que intervenção federal feita pelo presidente Michel Temer, que concede poder militar ao interventor viola a Constituição e talvez tenha deixado as Forças Armadas bastante animadas com a possibilidade de se aproximar da política novamente.
CC: O antropólogo Luiz Eduardo Soares disse, em redes sociais, que a declaração do comandante do Exército é a maior chantagem à Justiça desde a ditadura, você concorda?
EM: Eu não sei se é uma chantagem, é um tuíte que é inoportuno, inapropriado, mostra descompromisso das Forças Armadas com suas próprias regras e com a Constituição Federal. E se sentem confortáveis para falar sobre impunidade, veja só, logo as Forças Armadas. Isso é reprovável, inoportuno, e que teria que ser desconsiderado por todas as autoridades e assim que possível enquadrado o Comandante e todos que violaram as regras.
CC: Como ele deveria ser enquadrado?
EM: As Forças Armadas respondem ao Presidente da República, que é quem tem o controle das Forças Armadas. O órgão máximo de controle é civil, não é um controle político. Como a presidência vai se posicionar nesse caso tão sensível? Deveria se posicionar em favor da Constituição, deixando muito clara que essa posição é inaceitável. Mas sabemos que isso não vai acontecer porque é a própria Presidência que tem favorecido essa nova aproximação das Forças Armadas com a política.
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