domingo, 6 de maio de 2018

MPF aponta série de inconstitucionalidades no 'Pacote do Veneno'

AGROTÓXICOS

MPF aponta série de inconstitucionalidades no 'Pacote do Veneno'

Relatório do ruralista Luiz Nishimori, que deve ser votado nesta terça (8), ignora os efeitos à saúde e ao meio ambiente e permite o registro de produtos que causam câncer e malformações
por Cida de Oliveira, da RBA publicado 06/05/2018 16h32
ARQUIVO/EBC
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Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos e permite produtos proibidos em outros países
São Paulo – O subprocurador-Geral da República e coordenador da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, Nívio de Freitas Silva Filho, encaminhou ao Congresso Nacional nota técnica advertindo sobre as diversas inconstitucionalidades contidas no substitutivo da Comissão Especial sobre o Projeto de Lei 6.299/2002, que deverá ser votado nesta terça-feira (8).
Assinado pelo relator Luiz Nishimori (PR-PR), deputado que integra a bancada ruralista, o substitutivo dá parecer favorável ao PL 6.299, apresentado pelo atual ministro da Agricultura Blairo Maggi, quando era senador, e aos demais 27 PLs a ele apensados – que juntos compõem o chamado “Pacote do Veneno”, revogando a atual Lei de Agrotóxicos (Lei 7.802/1989). 
A aprovação do pacote atende aos interesses dos fabricantes de agrotóxicos e sementes transgênicas e à bancada ruralista. Financiados por esse setor produtivo, esses parlamentares ganham ainda benefícios do governo de Michel Temer, que fez dos projetos moeda de troca pelo apoio político. 
De acordo com o Ministério Público Federal, dos quatorze motivos apontados por Nishimori para defender a aprovação do pacote e alterar a atual legislação, nenhum considera os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde ou meio ambiente.
Entre as inconstitucionalidades apontadas estão a extinção da competência dos municípios de legislar sobre o uso e o armazenamento local dos agrotóxicos, seus componentes e afins; o dever de adoção, pelo poder público, de políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doenças, à proibição de registro de produtos compostos por substâncias causadoras de malformações congênitas, câncer ou que provoquem distúrbios hormonais ou danos ao sistema reprodutivo. O registro de substâncias com estas características passa a ser legal se o substitutivo for aprovado.
O MPF destaca ainda que o Pacote limita a atuação dos órgãos de saúde e de meio ambiente, como a Anvisa e o Ibama, que passam a ter o papel de homologar a avaliação de risco toxicológico e de risco ambiental apresentada pelos requerentes. O procuradores da 4ª Câmara destacam que, no caso do órgão ambiental, não é facultado nem sequer a solicitação de complementação de informações. E que a homologação é contrária a princípios importantes da administração pública, como a indisponibilidade do interesse público e a indelegabilidade do poder de polícia.
“Não pode o Estado renunciar aos seus mecanismos de avaliação e controle prévio de substâncias nocivas ao meio ambiente e à saúde, mediante sua substituição por mero ato homologatório de uma avaliação conduzida pelo particular, distante do interesse público”, destacam.
Outra inconstitucionalidade destacada é a possibilidade de utilização de agrotóxicos sem o devido receituário agronômico “em situações excepcionais”, quando já são conhecidos os riscos da utilização indiscriminada de substâncias tóxicas (clique aqui para acessar a íntegra da nota técnica do MPF).

Agroecologia

O tema foi amplamente discutido ontem (5), em seminário sobre agrotóxicos realizado na 3ª Feira Nacional da Reforma Agrária do MST, em São Paulo. A professora de Geografia da USP, Larissa Bombardi, apresentou dados do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, que demonstra de maneira clara a relação entre o uso desses produtos e o crescimento da incidência de doenças, como malformações e câncer, entre outras, que tendem a multiplicar com a aprovação do pacote  (clique aqui para acessar o atlas).
A gravidade do panorama  foi reforçada por estudo apresentado pela médica Ada Cristina Pontes Aguiar, integrante do Núcleo Tramas, da Universidade Federal do Ceará, que desenvolve pesquisas na região da Chapada do Apodi, onde a água de consumo humano está contaminada pela pulverização aérea de agrotóxicos. Segundo a pesquisadora, há forte relação entre o aumento nos casos de malformações e puberdade precoce entre crianças da população local a partir da contaminação. 
O coordenador da organização Terra de Direitos e presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), advogado Darci Frigo, destacou as manifestações da sociedade contra o pacote, entre elas do conselho que preside (clique aqui), e defendeu urgência no debate e encaminhamento de propostas para a construção de uma política nacional de agroecologia como alternativa à produção agrícola baseada no uso de agrotóxicos. O Brasil é o maior consumidor desses produtos em todo o mundo e permite o uso de substâncias proibidas em outros países – situação que tende a piorar, e muito, com a aprovação do substitutivo de Luiz Nishimori.

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