quinta-feira, 28 de junho de 2018

Conservadorismo A ordem moral como sustentação de uma ordem desigual

Conservadorismo

A ordem moral como sustentação de uma ordem desigual

por Ismael Bastos* — publicado 27/06/2018 21h00, última modificação 27/06/2018 13h10
Como entender como um candidato como Bolsonaro se tornou nesse atual “mito” eleitoral?
Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Um fato que me tem dado uma certa inquietação nesses últimos dias é o conservadorismo brasileiro. Como entender como um candidato como Bolsonaro se tornou nesse atual “mito” eleitoral? Por que, apesar de tanta violência, castração cultural, casos de corrupção envolvendo o “sacrossanto” Regime Militar recém divulgado pelas mídias, muita gente ainda pede a volta da ditadura militar?
O Brasil é um país geograficamente grande, o que de alguma forma, dificultou a formação de uma identidade nacional entre seus habitantes, somado aos elementos da colonização com sua produção de riqueza e formação social calcada no escravagismo.
O Brasil só começa a formar um princípio de identidade nacional já no fim da República Velha entre artistas e intelectuais da Semana de Arte Moderna em 1922, e amalgamada no governo Vargas (1930/1945), sob forte intervenção estatal com auxílio repressivo do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que embora ajudasse a imprimir uma certa unidade nacional, o fez por meio de medidas autoritárias.
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Alguns intelectuais ajudaram também a formular questões sobre a constituição do povo brasileiro, como Gilberto Freyre, Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda, dentre outros. Segundo Jessé Souza, as análises feitas por alguns destes intelectuais nos levam a crer que as características do povo brasileiro entram no aspecto do “homem cordial”, aquele homem “violento e apaixonado em sua raiz, que contribuirá para a criação de um Estado patrimonialista, que tem como característica não distinguir muito bem os limites entre o público e o privado” - e que desagua no famoso “jeitinho” brasileiro, hoje ainda atual em nossa linguagem comum.
Jessé Souza faz uma análise crítica a essa tese consolidada e afirma em uma matéria do Jornal GGN de 23/11/2015 que: “temos uma concepção que foi montada por grandes intelectuais entre nós, depois ela vai para as universidades, vai para as escolas, influenciar decisivamente o que o jornalista escreve no jornal, o que o juiz decide no tribunal etc.
E essa concepção é extremamente conservadora, ela é elitista, ela serve para legitimar os interesses mais privados em interesses públicos.”. Ou seja, as imagens ou estereótipos que carregamos de nós mesmos já vem dos primeiros circuitos intelectuais do país que ainda abrangem e consolidam a opinião pública.
A nossa classe média começa a se formar em virtude da urbanização e modernização tardia do país frente ao bloco econômico mundial, correndo contra o tempo e contra a adversidade para acompanhar a economia mundial, começando então a formar um mercado de consumo já com um padrão de anseio similar ao dos nossos amigos mais ricos de outros continentes. Pelos meios de comunicação as necessidades homogeneizadas da sociedade ocidental se tornaram necessárias.
O Estado brasileiro, embora laico, é predominantemente cristão, encabeçado pelas igrejas católica e protestante, formando assim, a base dos que são contra qualquer política em prol das minorias e dos menos favorecidos.
Em conversas cotidianas, no trabalho, na rua, nos bares e nas redes sociais, presencio algumas pessoas se referindo à política e a sociedade sempre com certo aspecto moral, quase sempre apelando para uma ética platônica impraticável no mundo real, acreditando que os problemas mais cruciais de nossa complexa sociedade contemporânea possam se resolvidos apenas com questões de ordem usando discursos genéricos que soam bem aos ouvidos, como golpes de frases feitas.
O modelo platônico anti-corrupção que vislumbra um ser não-político imaculado na pele de um gestor, ou um salvador da pátria com autoridade e caráter, honestidade e “Deus no coração” de um certo capitão que faz afirmações de desprezo escancarado pelas minorias e pessoas mais pobres.
Essa discussão binária e maniqueísta, quando encarada apenas de forma imediata, encontra sustentação nas redes sociais e em alguns grupos midiáticos, mas não se sustenta quando levamos à reflexão sobre: o tamanho do país; as diversidade existentes neste território; a forma como o país se desenvolveu economicamente e socialmente desde o colonialismo até os dias atuais; como foram desenvolvidos os sistemas políticos no país e suas respectivas rupturas (quase sempre com caráter golpista); e o porque vivemos numa sociedade tão desigual.
Embasados por um conceito duvidoso meritocracia, alimentado por padrões morais construídos socialmente até por grandes intelectuais, a desiguladade social existente é encarada como um processo ideologicamente natural, e parece até necessária para uma parcela da população que adora exemplos morais de virtudes, que nada mais são do que artifícios criados para manter privilégios de uma pequena parte de pessoas existentes em nosso país. Uma suposta moral elevada como elemento de manutenção do status quo.

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