Política
História
Corrupção e morte na ditadura militar brasileira
O período autoriário do qual sente saudades o clube da reserva, atualmente bolsonarista, não ficou atrás em corrupção, conforme documento dos EUA
Desconhecido
Figueiredo ao lado de Maluf: durante sua gestão, embaixada dos EUA apontou potencial para corrupção
O Clube Militar é ponto de encontro dos oficiais do Exército que entraram para a reserva, categoria que abraçou a candidatura de Jair Bolsonaro. O vice bolsonarista, general Antonio Hamilton Mourão, dirigia a entidade até setembro. Nos últimos dias, o general que ocupa interinamente o posto deixado por Mourão, Eduardo José Barbosa, divulgou uma análise da situação do País em que aponta um “Estado politicamente partidarizado, aparelhado e tomado pela corrupção”.
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Para quem lê o documento, pode ficar a impressão de que na ditadura de 1964 a 1985 comandada pelo Exército, fonte de muita saudade entre os reservistas bolsonaristas, o Estado era um exemplo de virtude. Mas não foi bem isso.
Em 21 de setembro, o governo reconheceu que um diplomata brasileiro foi sequestrado, torturado e morto pela ditadura em 1979, conforme noticiou a revista Época. O reconhecimento veio com a mudança na causa da morte do embaixador José Jobim, cuja certidão de óbito original dizia “causa indefinida”.
Jobim sumiu uma semana depois de ter comparecido à posse do último presidente golpista, o general João Baptista Figueiredo (1979-1985). Em sua passagem por Brasília, comentou que preparava um livro de memórias na qual contaria o que sabia a respeito de fraudes na construção da hidrelétrica de Itaipu, uma obra do regime militar.
A usina entrou em operação comercial em maio de 1984. Dois meses antes, a embaixada dos Estados Unidos em Brasília havia mandado um telegrama a Washington com o sugestivo título de “Corrupção e política no Brasil”. O documento está nos arquivos da Comissão da Verdade e foi revelado em junho passado por O Globo.
CartaCapital obteve uma cópia. O que os diplomatas do Tio Sam relatam é vergonhoso para os militares da ditadura daqui e seus saudosistas. Eis alguns trechos (a íntegra está ao fim da matéria):
“Em um nível geral, muitos brasileiros médios acreditam que o governo federal seja corrupto. Essa crítica também se estende ao grande número de militares aposentados ocupando posições de responsabilidade nas empresas paraestatais, das quais existem mais de 500. O potencial para corrupção é grande, e o brasileiro comum dirá que a oportunidade está sendo aproveitada. De fato, o sistema paraestatal é visto como um método para empregar altos oficiais militares aposentados e seus amigos.”
“Embora não tenha havido um aumento da indignação pública, as percepções e acusações de má conduta mancharam o governo em todos os níveis, reduziram a fé pública em suas habilidades e é, sem dúvida, um fator para acelerar o retorno dos militares aos quartéis.”
“Qual será o impacto da corrupção na política no Brasil? Em nível nacional, a visão generalizada de que o governo é corrupto está dando pelo menos algum ímpeto às eleições diretas. E embora o PMDB e outros partidos de oposição não sejam vistos como muito melhores que o governo, uma eleição direta pelo menos daria ao brasileiro comum a chance de expulsar esse conjunto de vagabundos.”
“Em nível nacional, há vários escândalos que lançam nuvens sobre o governo Figueiredo.”
Terá sido ele, o último general ditador, o responsável pela morte do diplomata José Jobim? Recorde-se: o embaixador sumiu dias depois da posse de Figueiredo.
Em maio deste ano, veio a público um outro documento made in USA que mostrava o general como autor de ordens diretas para matar adversários do regime. É um memorando de 11 de abril de 1974 mandado por William Colby, então chefe da CIA, o principal órgão da inteligência norte-americana no exterior, a Henry Kissinger, cabeça da política externa dos Estados Unidos por anos.
Fazia menos de um mês da posse do antecessor de Figueiredo, o general Ernesto Geisel (1974-1979), e Washington queria saber se a caçada a opositores da ditadura continuaria. A resposta era sim, conforme adianta o “assunto” do memorando: “Decisão do presidente brasileiro, Ernesto Geisel, de continuar com as execuções sumárias de subversivos perigosos, sob certas condições”.
No relato da CIA, Geisel tinha tratado do tema com três generais em 30 de março: Milton Tavares, chefe do Centro de Informações do Exército (CIE), Confúcio Danton de Paula Avelino, que assumiria o CIE no lugar de Tavares, e Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). Na segunda-feira, 1o de abril, veio a decisão. Diz a CIA:
“O Presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que muito cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que, quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe do CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada.”
Corrupção e morte, uma marca do regime militar brasileiro.
Fonte: Carta Capital
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