MAURO LOPES
Jornalista e editor do 247 e do blog Caminho pra casa
Campanha do PT acerta ao vincular golpe e Bolsonaro
A campanha do PT à Presidência da República pode passar à história como o mais bem sucedido caso de decisão estratégica e definição de táticas adequadas no desenrolar da disputa. Qual a decisão estratégica do PT? De que o centro desta eleição é a luta contra o golpe de Estado e seus efeitos nefastos sobre o povo, enquanto se convoca a memória e as esperanças populares quanto ao tempo bom vivido nos governos do PT.
É esta estratégia que tornou o PT no grande favorito para vencer o pleito.
Antes de discorrer sobre as opções táticas decorrentes da estratégia, duas advertências:
1. O imprevisto sempre ronda a política e a vida, como o demonstram a facada nesta e a queda do avião na eleição passada, ou como, 33 anos atrás, o foi a doença que levou à internação de Tancredo em 14 de março de 1985, véspera de sua posse, e à sua morte em 21 de abril daquele ano. Quanto a imprevistos, nada há que os previna, por mais precauções que possam cercar os candidatos.
2. Também existe sempre a possibilidade de um erro fatal. Uma máxima das campanhas políticas é que vence aquele que erra menos. Um erro de grandes proporções pode fazer desandar toda a soma de acertos ao longo de meses. Não foi o caso do PT até agora. É o partido que mais acertou e, sobretudo, o que menos errou, ao contrário de seus adversários.
Feitas as advertências, retomo o fio da meada. A estratégia do PT foi, desde o princípio, o combate ao golpe e seus efeitos sobre o povo e a convocação à volta do tempo bom.
Tudo decorreu daí.
Engana-se quem pensa que o tema “Lula” teria sido a estratégia. Não foi. Esta foi a grande opção tática da primeira fase da campanha, porque ela operava de maneira magistral a concretização do objetivo do golpe, de aprisionar o desejo de vida melhor, e impedir a todo custo a volta do bom tempo. E nada melhor para uma disputa política que operar no terreno do concreto. Ao tornar a questão da prisão de Lula e do veto das elites à sua candidatura na tática por excelência da primeira etapa da campanha, o PT desmontou toda a farsa do golpe e apontou o caminho para sua superação e a volta dos bons tempos: a eleição de Lula.
Quanto mais o golpe opôs resistência a esta opção tática do PT, mais ela se fortaleceu e acumulou força para a tática que viria a seguir. Foi uma decisão corajosa, ousada, arriscada, mas pensada a partir da genial intuição política de Lula e da experiência política do maior partido de massas da história brasileira. Não foi fácil. Mesmo dentro da esquerda houve incompreensões e ataques ao PT, acusando o partido de “umbiguismo”, de adotar uma opção aventureira e desastrosa.
Mas a tática mostrou-se acertada e o PT, com a candidatura de Lula nas ruas, contra o golpe, conquistou apoio que teria sido suficiente para que ele fosse eleito presidente no primeiro turno caso fosse candidato, ou empurrar seu representante se fosse vetado -como de fato o foi, pois trata-se de um golpe de Estado e não de uma disputa política em épocas “normais”. A corda foi esticada ao máximo, com nervosismo explodindo de todos os lados, ameaças e apelos para que o PT definisse logo seu candidato ou apoiasse Ciro Gomes sob o risco, segundo alguns, de cometer um suicídio político-partidário.
Lula e a direção do PT mantiveram-se como a montanha: inamovíveis na estratégia e atuando na tática com sangue frio e inteligência. Haddad foi definido candidato em 11 de setembro e deu-se início à segunda etapa tática: aproveitar todo o capital político de Lula para impulsionar seu candidato-representante, manter os ataques ao golpe e seus efeitos sobre as pessoas e apresentar um programa de governo de volta do tempo bom, com a credibilidade de Haddad como ministro da Educação e homem de confiança de Lula como “fiadores” das palavras nas ruas, nos programas eleitorais e nos debates.
Está dando certo. A curva de Haddad nas pesquisas é impressionante.
Nos últimos dias, a ameaça do fascismo e o movimento liderados pelas mulheres que se traduziu no #elenão ganharam relevância. Houve uma manobra da direita de apostar no desgaste de Bolsonaro como última fresta para passar ao segundo turno do Alckmin. Por isso, o tucano embarcou com corpo e alma no #elenão e seus articuladores lançaram um manifesto que, sob o título de “Democracia sim” buscou reunir ao seu redor um espectro político mais amplo. A “frente ampla”, em que pese o entusiasmo de segmentos da esquerda, não teve maior repercussão, por seu “vício de origem”: tentou anistiar o golpe de 2015/16, considerando-o incorporado ao período de plena vigência democrática inaugurado com a Carta de 1988. Costurada e liderada por líderes vinculados ao PSDB, banqueiros e economistas ultraliberais (Miguel Reale Jr, Neca Setúbal e Mônica de Bolle, entre outros), morreu na praia.
O PT não se deixou seduzir pelo “frenteamplismo” e ignorou a iniciativa. Apoiou e apoia o #elenão, enxergando-o corretamente como um movimento da sociedade que não deve ser instrumentalizado.
E entendeu o combate a Bolsonaro à luz de sua estratégia de combate ao golpe e seus efeitos nefastos. Recusou a ideia de isolar o fenômeno Bolsonaro como se o fascismo fosse um raio em céu azul. Tem indicado claramente: Bolsonaro é a expressão máxima e mais literal das elites e do golpe.
Haddad foi brilhante no tema do 13º. Diante dos ataques do general vice do capitão, o candidato do PT apontou: o ataque de Mourão é nada menos que a continuidade do projeto da reforma trabalhista do golpe (aqui). Ou seja: não existiria Bolsonaro sem Alckmin e o PSDB. O candidato fascista é resultante direto do colapso político da direita depois do golpe de Estado.
A oferta da direita de separar Bolsonaro das elites e seu golpe, que foi recebida com entusiasmo por segmentos da esquerda, repete o equívoco da tática de Hillary Clinton contra Trump em 2016, como apontou o jornalista Brian Winter, editor chefe da revista Americas Quarterly, na Folha de hoje. Em que pese erros crassos pelo patente desconhecimento da realidade brasileira, o articulista fez uma advertência que merece ser ponderada para os envolvidos com a disputa presidencial brasileira, à luz do fracasso do Partido Democrata dois anos atrás:
“As hashtags #NeverTrump e #NastyWomen (Trump Nunca e Mulheres Desagradáveis) tomaram o Facebook e o Twitter. Os eventos finais de campanha de Hillary Clinton incluíram expressões de apoio irrestrito por Beyoncé, Bruce Springsteen e Lady Gaga.
Para alguém que vivia em lugares como Los Angeles, Chicago e Nova York (era o meu caso), parecia não haver maneira de Trump vencer.
Estávamos errados, é claro.
Tudo isso me veio à memória nos últimos dias, em que #EleNão e #EleNunca vieram a dominar a mídia social no Brasil, e celebridades como Gilberto Gil, Mano Brown e o Black Eyed Peas vieram a público para se opor a Jair Bolsonaro.” (a íntegra aqui)
O PT mantém sua orientação estratégica: o combate desta eleição é contra o golpe e seus efeitos nefastos sobre o povo, com a proposta de volta dos tempo bom ao Planalto. Tudo decorre disso. Porque essa é a experiência vivida pelo povo, a dos efeitos do golpe, e não a ameaça Bolsonaro, que ainda é etérea e intangível para a imensa maioria da população.
Esta estratégia será levada ao segundo turno, quando o discurso contra o fascismo estará subordinado à denúncia de que Bolsonaro é o candidato do golpe e que seu programa representa o aprofundamento do projeto Temer/PSDB.
O PT já ganhou? Não. É uma guerra aberta, em que o aparelho de Estado e as mídias de massa estão controlados pelos inimigos e a sociedade está dividida. Mas sua estratégia e as táticas dela decorrentes são as grandes vitoriosas da campanha até aqui.
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