quarta-feira, 3 de outubro de 2018

A violação de direitos humanos em nome de Deus e da família

Política

Eleições 2018

A violação de direitos humanos em nome de Deus e da família

por Intervozes — publicado 02/10/2018 18h20, última modificação 03/10/2018 10h36
Levantamento realizado pelo Intervozes mostra que a maior parte dos candidatos apresentadores de programas policialescos é filiada a partidos cristãos
Reprodução / Facebook
Ely Aguiar
Candidato à reeleição para a Câmara, Ely Aguiar apresenta programa policial alvo do MPF
Por Olívia Bandeira*
Nas eleições de 2018, o tema da segurança pública tomou grandes proporções. Entre as categorias profissionais de candidatos que centram esforços nesta pauta e usam o discurso do combate à criminalidade para tentar se eleger estão os apresentadores e repórteres de programas policialescos, que ganham visibilidade graças ao uso ilegal das emissoras de rádio e TV – que são concessões públicas - para promoção pessoal.
Apesar de parecer contraditório, muitos deles articulam o discurso punitivo na segurança pública a um discurso de defesa da família a partir de uma ótica religiosa. Levantamento realizado pelo Intervozes em 10 estados (PA, CE, PB, PE, BA, MG, RJ, ES, SP e PR) e no Distrito Federal mostra que, nestas eleições, dos 23 candidatos apresentadores e repórteres de programas policialescos mapeados, 14 são filiados a partidos que defendem expressamente pautas religiosas.
São eles: o PRB - Partido Republicano Brasileiro (5), o PHS – Partido Humanista da Solidariedade (4), o PSC – Partido Social Cristão (2), a DC – Democracia Cristã (1), o PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (1), cujo slogan é “Pátria e família em primeiro lugar”, e o PSL – Partido Social Liberal (1), parte da coligação “Brasil acima de tudo, Deus cima de todos”.
No Ceará, todos os sábados, na hora do almoço, Ely Aguiar apresenta o programa A Hora dos Malas, na TV Jangadeiro, afiliada do SBT. Em maio de 2018, atingiu o segundo lugar em audiência no estado. Mas Aguiar se tornou conhecido por outro programa, Os Malas e a Lei, que foi exibido por mais de 10 anos na TV Diário.
Por causa deste programa, em 2014, o Ministério Público Federal (MPF-CE) ajuizou ação civil pública contra a emissora por de exibir cenas impróprias e violar direitos humanos. Na ação, o MPF pediu a condenação da TV Diário ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 1 milhão pela exibição de corpos esquartejados, imagens de adolescentes em situação de vulnerabilidade, entrevistas com pessoas detidas e sem julgamento, cenas de exploração sexual, entre outras violações.
Deputado estadual pelo DC, Aguiar é candidato à reeleição. Entre os motivos para ganhar o voto do povo, ele apresenta a defesa da redução da maioridade penal e do que católicos e evangélicos conservadores vêm chamando de fim da “ideologia de gênero” na educação.
Entre suas realizações como parlamentar no estado, Aguiar enfatiza a construção de um monumento público em homenagem a Nossa Senhora de Fátima, na cidade do Crato. Os santinhos da sua campanha usam tanto a imagem do boneco “Cabo Fela”, seu companheiro no programa Os Malas e a Lei, quanto imagens do monumento religioso.
Ainda no Ceará, Ronaldo Martins, pastor, compositor, cantor de música gospel e apresentador do programa policialesco Plantão da Cidade, tem como slogan de campanha “Para decidir o futuro da sua família”. O Plantão da Cidade é transmitido pela TV Capital, que também transmite cultos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Candidato à reeleição ao cargo de deputado federal pelo PRB, Martins comandou anteriormente o programa Cidade Alerta Ceará, na TV Cidade, afiliada da Record TV. O repórter Ramon Miseriqueima, que acompanhou Martins em sua mudança de emissora, é candidato a deputado estadual, pelo mesmo partido.
Enquanto se discursa pela proteção da família, propaga-se desinformação e ódio. Como mostra pesquisa realizada pela ANDI em parceria com o Intervozes, a Artigo 19 e o MPF, em 2015, os programas policialescos violam cotidianamente os direitos humanos estabelecidos na legislação brasileira e nos tratados internacionais dos quais o país é signatário.
Às cenas de horror citadas acima, somam-se violações como a incitação ao crime, à violência, à desobediência às leis ou às decisões judiciárias; a exposição indevida de crianças e suas famílias; o preconceito racial e de classe; a violação do direito ao silêncio; a tortura psicológica e o tratamento desumano ou degradante. Mas este parece não ser um problema para estes candidatos e seus eleitores.
A disputa pela Presidência da República e pelo voto dos cristãos
Outro dado relevante apontado no levantamento realizado pelo Intervozes é que a maior parte dos partidos pelos quais os candidatos apresentadores e repórteres de programas policialescos se lançaram apoia, nacionalmente, a coligação de dois candidatos à Presidência.
Na de Geraldo Alckmin, do PSDB, há candidatos policialescos do PRB (5) e do PP (1). Na de Henrique Meirelles, do MDB, há candidatos do PHS (4) e do MDB (2). Em seguida, vêm as coligações de Álvaro Dias, com um candidato de seu próprio partido, o Podemos, e dois do PSC, e a de Ciro Gomes, com dois do PDT e um do Avante. As coligações de Eymael, Fernando Haddad e Cabo Daciolo aparecem com um candidato cada, filiados respectivamente ao DC, ao PROS e ao Patriota.
Dois candidatos fazem parte da coligação de Jair Bolsonaro, que tem a segurança pública e a família também como suas principais bandeiras: um do PSL e o outro do PRTB. Mas o apoio ao candidato líder das pesquisas vai além dos partidos que formalmente integram sua coligação. Apresentadores candidatos por outros partidos já declararam apoio a Bolsonaro em suas redes sociais.
É o caso do vereador Joaquim Campos, candidato a deputado federal pelo PHS do Pará. Apresentador do programa Rota Cidadã, exibido pela TV RBA, afiliada da Band, Campos publicou um vídeo em 20 de setembro em apoio a Bolsonaro, no qual se coloca no rol dos “homens brasileiros, que amamos nossa pátria, amamos nossa família, amamos nossas crenças e, principalmente, vamos defendê-la custe o que custar”.
No mesmo dia, uma das organizações de lideranças religiosas brasileiras, a Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (CONCEPAB), declarou apoio ao candidato do PSL, buscando atrair o voto dos evangélicos, que somavam 22,2% da população brasileira no último Censo do IBGE, de 2010. A confederação é presidida pelo bispo da Igreja Sara Nossa Terra e ex-deputado federal Robson Rodovalho, que já foi filiado ao DEM e ao PP.
No último dia 30, o portal UOL noticiou o apoio – ainda discreto - de Edir Macedo, bispo da IURD, a quarta maior denominação evangélica brasileira, a Bolsonaro. Isso pode indicar o apoio do PRB, hoje na coligação de Alckmin, ao candidato do PSL em um possível segundo turno. Pode significar também o apoio do Grupo Record, um dos maiores conglomerados de mídia do país e que possui o maior número de apresentadores e repórteres de programas policialescos como candidatos em 2018 (35%), segundo o levantamento do Intervozes.
Em resposta, um grupo de lideranças evangélicas de diferentes denominações e outras lideranças cristãs lançou a Carta Pastoral à Nação Brasileira, que já conta com mais de 3.100 assinaturas. A carta defende o Estado laico e denuncia a instrumentalização da religião para fins políticos.
O grupo disputa outras definições para uma posição política baseada em valores do cristianismo, como “na defesa dos mais pobres e dos menos favorecidos, na crítica a toda forma de injustiça e violência, na denúncia das desigualdades econômicas e sociais, no acolhimento aos vulneráveis, na tolerância com o diferente, no cuidado com os encarcerados, na responsabilidade com a criação de Deus, e na promoção de ações de justiça e de paz”.
A íntegra do levantamento está disponível no site Mídia Sem Violações de Direitos (https://www.midiasemviolacoes.com.br/).
* O levantamento do Intervozes foi realizado pelos pesquisadores Alex Hercog (BA), Brenda Takeda (PA), Cinthya Paiva (ES), Eduardo Amorim (PE), Gesio Passos (MG), Gyssele Mendes (RJ), Helena Martins (CE), Iago Verneck Fernandes (SP), Lizely Borges (PR), Mabel Dias (PB) e Ramênia Vieira (DF). Coordenação de pesquisa: Bia Barbosa e Olívia Bandeira.

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