28 DE DEZEMBRO DE 2018, 16H56
Popeye, Saci e seus cachimbos
Mouzar Benedito: “Nessa linha de defesa de mudança de hábitos, tem quem queira mudar também os do Saci, tomar o cachimbinho dele”
Fiquei sabendo pelos jornais, um dia desses, que o Popeye, personagem de histórias em quadrinhos e desenhos animados, mudou de hábito. Quer dizer, mudaram o hábito dele.
Marinheiro, desde que foi criado há dezenas e dezenas de anos, comia espinafre e fumava cachimbo. Espinafre, continua comendo, só que orgânico, plantado sem adubos químicos etc. O cachimbo, sim, foi tirado dele. Agora, em vez do cachimbo tem um apito na boca.
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Pelo que li, mudaram inclusive as historinhas antigas, tiveram que adaptar, redesenhar o objeto em sua boca, pois para essa gente o hábito dele fumar cachimbo poderia influenciar mal os meninos que o leem.
Não é a única bobagem do tipo feita por gente exageradamente adepta do “politicamente correto”.
Há poucos anos, tentaram impedir a reedição do livro “As caçadas do Pedrinho”, de Monteiro Lobato. Certo, é um mau exemplo, um menino (e adulto também) caçar animais. Mas não se considerava assim quando o livro foi escrito. Era “normal” caçar.
Em vez de querer proibir o livro, poderiam propor que os professores conversassem com os alunos leitores sobre isso: coisas que se faziam antes, que hoje consideramos ruins demais. Poderíamos até estender: coisas que se fazem hoje e que no futuro serão condenáveis.
Às vezes torna-se ridículo o exagero de tentar apagar da história hábitos ultrapassados ou considerados “ruins” por pessoas que querem blindar as crianças, evitando que tomem conhecimento sobre coisas que hoje consideram condenáveis, mas que se faziam antes e que podemos, sim, considerar que felizmente já não se faz ou não se deve fazer mais, criticar.
É o caso, por exemplo, de uma proposta ocorrida nos Estados Unidos há anos, de proibir que se fume nos filmes e retirar de produções “antigas” todas as cenas em que houvesse alguém fumando. Sempre com a desculpa de que mostrar esses hábitos incentivaria as pessoas a repeti-los (ui!, uma ênclise. Dei uma de Temer!).
Se isso pegasse, muitos clássicos do cinema teriam sido tirados de circulação, pois, pegue-se o exemplo do maravilhoso filme “Casablanca”. Fuma-se direto. Brinquei: “Casablanca vai ser um filme de 5 minutos, e sem sentido algum”.
E as musiquinhas infantis? “Atirei o pau no gato” é um péssimo exemplo, disseram os defensores da mudança da letra, com a desculpa de que a letra original incentivaria as crianças a maltratar os coitados dos bichanos, embora eu nunca tenha ouvido falar que crianças que cantavam essa musiquinha tenham feito isso. Mas insistiram e ouvi crianças cantando sem-graça “atirei a flor ao gato”. Coisa besta!
Na mesma época, um sobrinho-neto apareceu na casa de um dos meus irmãos cantando umas musiquinhas infantis, eu cantei para ele “Boi, boi, boi… Boi da cara preta… Pega esse menino que tem medo de careta”, e ele ficou bravo, disse que a professora proibiu isso e que ele cantasse a musiquinha com essa letra e me apresentou a alternativa “politicamente correta”, obrigatória na escolinha: “Boi, boi, boi… Boi da cara suja… Pega esse menino que tem medo de coruja”. Foi a minha vez de ser chato. Falei que era da associação dos defensores das corujas e ia à escolinha brigar com a professora.
E o Saci?
Nessa linha de defesa de mudança de hábitos, tem quem queira mudar também os do Saci, tomar o cachimbinho dele.
Como sócio-fundador da Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci), de vez em quando sou interpelado sobre isso. Seja qual for o assunto sobre o qual vou falar em algum lugar, sempre alguém lembra da minha militância sacizística em defesa da cultura popular brasileira, e às vezes alguém reclama do fato de ele ser fumante.
Uma vez, numa palestra em Ribeirão Preto, um homem se levantou até meio bravo, questionando o fato de termos um fumante como representante da nossa luta.
Quando é criança que me fala isso, eu explico: fumar faz mal à saúde da gente. Eu mesmo era fumante e parei. Mas o Saci não é gente como nós, é um ser diferente. Há mais de duzentos anos tem essa forma de negrinho que usa um gorrinho mágico e pita cachimbo, e isso nunca fez mal a ele. Ele pode fumar. Cobra come sapo. A gente come também? E a cobra está errada? Vaca come capim. Nós comemos também? E ela está errada? Então, é isso: seres diferentes têm hábitos que nós não temos, mas nem por isso estão errados.
Mas quando é adulto, como no caso do sujeito que me questionou, ajo diferente. Lembro a mitologia grega, tão badalada: Zeus, o principal deus grego, às vezes se apaixonava por uma humana e matava ou mandava matar o seu marido para ficar com ela. Édipo transava com a mãe e Eletra com o pai. Dioniso promovia festas que eram verdadeiras orgias. A mitologia romana, de que retiramos inclusive nomes dos planetas, era do mesmo tipo. As festas ao deus Baco eram… bacanais! E a mitologia nórdica? Thor matava seus inimigos com marretadas na cabeça e, segundo os vikings, tinha predileção especial por matar cristãos assim.
E concluo, como concluí ao homem de Ribeirão Preto: e você vem me encher o saco porque o Saci fuma? Ora, vá à merda!
Bom, termino aqui pensando num acordo com esse pessoal que quer apagar dos personagens e dos livros o que acham ruim:
– Vamos rever a mitologia romana: festas ao deus Baco eram regadas a suquinho de cenoura e água mineral.
– Édipo amava sua mãe como um filho exemplar, e cuidava dela com sem nenhuma pretensão. Ele criou o ditado “amor, só de mãe”.
– Zeus, quando se apaixonava por uma humana, colocava-se de castigo, ajoelhado em pedrinhas (grãos de milho não existiam na Grécia Antiga) e orava para ele mesmo até desistir de paquerar a dita-cuja.
– Thor, quando encontrava inimigos, dava flores a eles, agradava de todos os jeitos e os transformava em amigos.
E por aí vai…
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