O linchamento virtual de uma eleitora de Bolsonaro agredida: somos melhores que isso. Por Nathalí
Uma mulher ajuda a eleger um misógino típico para a presidência de seu país. Essa mulher é vítima e algoz de si mesma. Pouco tempo depois, quando a tensão política ainda impera, ela é agredida pelo companheiro – a cada dia são doze mil mulheres agredidas só no Brasil. Ela posta uma selfie com as marcas da violência e denuncia o agressor nas redes. Seguidores anti-bolsonaristas aproveitam para achincalhá-la nos comentários:
“Isso deveria acontecer pra todas as mulheres que votaram no COISO. Deram embasamento pra isso!” “Reclamar que apanhou do macho é coisa de comunista, taokey?! Faz arminha com a mão e fica quietinha!” “Use esse evento para repensar a natureza de suas opções políticas”.
Esse não é o anti-fascismo que eu aprendi, e essa não é a esquerda com a qual me alinho. Embora seja cada vez mais difícil, gosto de crer que somos melhores do que isso: minha militância não é uma queda de braço ou uma briga de egos.
Esse não é o anti-fascismo que eu aprendi, e essa não é a esquerda com a qual me alinho. Embora seja cada vez mais difícil, gosto de crer que somos melhores do que isso: minha militância não é uma queda de braço ou uma briga de egos.
Além do mais, é um engano terrível, embora corriqueiro, pensar que a equidade de gêneros é uma pauta de esquerda: esta é uma pauta de todas e todos, porque a cultura patriarcal também atinge a todas e todos.
Violência de gênero não tem partido político: há machismo à esquerda, à direita e no centro. Há machismo em todos nichos, em todas as classes sociais, em todas as orientações políticas e ideológicas, em todas as religiões e em toda a sociedade: a cultura patriarcal é parte da constituição do mundo, e isso não é uma opinião, é um fato.
A orientação política da vítima não a retira da condição de vítima. , e lutar contra a violência de gênero desde que não tenha sido praticada contra uma eleitora de Bolsonaro é flexibilizar as próprias convicções em um nível patético, além de descaracterizar o que deveria ser uma das marcas da esquerda: a capacidade de se colocar no lugar do outro.
É difícil conceber que pessoas (mulheres, especialmente) que se dizem pautadas na empatia tenham lotado uma postagem de denúncia de agressão contra uma mulher com comentários de ódio, no maior estilo fascistóide.
É difícil conceber que pessoas (mulheres, especialmente) que se dizem pautadas na empatia tenham lotado uma postagem de denúncia de agressão contra uma mulher com comentários de ódio, no maior estilo fascistóide.
Essa reação odiosa, é, no entanto, sintomática: sobrepor a soberba à empatia é um dos grandes problemas da esquerda que assistiu boquiaberta à eleição de um fascista. Na sociedade do espetáculo, boa parte da esquerda lacração tem em si tanta vontade de dar lição de moral nos outros que, em nome disso, fecha os olhos para as próprias pautas.
“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”, diria Paulo Freire, curiosamente um dos grandes autores dessa esquerda que tem se perdido na própria soberba. Qual a distância entre apoiar a uma violência e efetivamente praticá-la?
Que fique registrado, para o que quer que seja, que não compactuo com nenhum tipo de violência contra a mulher, ainda que a mulher em questão seja uma eleitora de Bolsonaro – ou de Trump, ou de Maduro, ou do próprio diabo em pessoa (perdoem a redundância).
Antes de eleitora de Bolsonaro, Thalia Gonçalves é uma mulher como eu, gerada por uma cultura que a convenceu de que apoiar seus opressores seria a melhor forma de se proteger deles e existir dignamente – e quem sou eu para julgar a escolha de uma mulher quando à melhor forma de existir dignamente?
Como Thalia, muitas outras aprenderão pela dor – sobretudo agora que mais agressores terão acesso mais fácil a armas de fogo, em um país onde quase metade dos feminicídios se dão por projéteis. Muitas pagarão por seu voto equivocado com a própria vida, e nem por isso poderão ser consideradas completamente responsáveis por seu fiasco: vítimas e cúmplices, como todo mundo.”
A esquerda na qual luto e o feminismo com o qual compactuo acolheriam quantas Thalias se arrependessem de suas escolhas, e ainda que não se arrependessem, lamentariam profunda e sinceramente qualquer violência de gênero.
Esse acolhimento não é unânime, como temos visto, mas certamente não estou sozinha na minha insistente – quase cirandeira – empatia.
Mulheres Bolsonaristas arrependidas: nós estamos aqui para vocês.
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