A vida pregressa de Sérgio Moro e sua turma. Por Osvaldo Bertolino
Publicado originalmente no Vermelho
Na tarde do domingo 22 de novembro de 2015, um forte esquema de segurança fechou uma grande avenida no centro da cidade de Maringá, Paraná, em frente a um hotel de luxo. Policiais ocuparam todo o entorno e quem entrava no auditório passava por um detector de metal. Tanta segurança, conforme transmitiu a rádio CBN, era porque o convidado especial do “ato interreligioso contra a corrupção” que se realizava no local era o juiz federal Sérgio Moro.
Ele comandava a força-tarefa da Operação Lava Jato, “a maior operação de combate à corrupção que já se viu no país”, conforme disse a repórter Luciana Penha. E prosseguiu informando que no evento estavam presentes seis religiões. “Sérgio Moro nasceu em Maringá e aqui se formou em direito. A primeira experiência profissional foi no escritório do advogado Irivaldo Souza, idealizador do ato interreligioso contra a corrupção”, noticiou.
Irivaldo é tributarista e assessorou o ex-prefeito de Maringá Jairo Gianoto, do PSDB. Foi condenado em 2006 por desvio de dinheiro público (valor estimado em R$ 500 milhões), formação de quadrilha e sonegação fiscal. O advogado foi preso e só teria conseguido um habeas corpus depois que Moro testemunhou a seu favor. “Eu gosto muito do Sérgio, ele é um juiz justo, determinado, e tem cumprido a sua função, a sua missão, e nós, por isso, fizemos esse ato interreligioso em favor dele”, comentou o advogado em entrevista à CBN, ao lado dos “representantes de seis religiões reunidos para refletir sobre a corrupção”, conforme a repórter.
Assassinato de Paolicchi
Segundo Luciana Penha, o presidente da Ordem dos Pastores, Noel Cruz, disse que católicos, evangélicos e muçulmanos, todos concordavam que a corrupção é um mal que mata. “Porque a corrupção, ela está levando, na verdade, o dinheiro que ia para a saúde e também para as empresas. Então os jovens estão desempregados e as mães reclamando com os filhos nas portas dos hospitais e morrendo. Então eu creio que chegou a hora em que o povo de Deus está unido orando a Deus, e Deus ouviu o clamor. Chegou o momento de acabar com a corrupção”, falou o pastor, de viva voz.
O arcebispo, dom Anuar Battisti, afirmou que Sérgio Moro era para muitos a esperança de justiça, de acordo com a repórter. Com sua voz, a autoridade católica disse que “ele (Moro) hoje é o cabeça, é aquele que está dando a canetada final dentro desse processo de corrupção, do processo de julgamento da Lava Jato”. “Tudo passa pela mão dele. E ele está sendo extremamente rígido, extremamente decisivo, não tem medo, enfrentando situações muito complicadas. Nesta oração pedimos que ele continue sendo corajoso”, completou o arcebispo.
Luciana Penha disse que Sérgio Moro não deu entrevista, mas no evento falou por dezessete minutos. E explicou por que decidiu participar do ato interreligioso. Às tantas, ele disse que era um prazer estar ali naquela união de religião com combate à corrupção. A lei valia para todos, afirmou, antes de agradecer a Irivaldo Souza pelo evento. Os representantes das seis religiões que participaram do ato redigiram “A Carta de Maringá contra a corrupção”, que entregaram a Moro, finalizou Luciana Penha.
Ninguém mencionou o caso envolvendo Irivaldo Souza, que teve a participação do então secretário da Fazenda de Maringá, Luiz Antônio Paolicchi, assassinado em outubro de 2011. Seu corpo foi encontrado amarrado dentro do porta-malas de um carro e com dois tiros. Em entrevista ao O Diário, de Maringá, Vagner Eising Ferreira Pio, que se disse mentor do assassinato — segundo o jornal, orientado por seus advogados, que fizeram questão de acompanhar e gravar toda a entrevista —, afirmou que o advogado do Daniel Dantas (banqueiro) teria aconselhado o ex-secretário a firmar uma união estável entre eles por questões patrimoniais.
Acordo branco
Acordo branco
O caso nunca foi esclarecido. O que se sabe é que no dia 7 de março de 2001 o ex-governador e senador do Paraná Álvaro Dias protocolou, na Vara Federal Criminal de Maringá, solicitação para que lhe fosse fornecida uma cópia do depoimento prestado à Justiça Federal por Paolicchi. O juiz federal substituto Anderson Furlan Freire da Silva deferiu o requerimento. Igual pedido havia sido encaminhado à Vara Criminal no dia 5 de março de 2001 pelo governador Jaime Lerner e também obteve resposta positiva do magistrado. O que o ex-secretário disse não foi revelado.
Sabe-se também que em 1994, na sucessão do governador Roberto Requião (PMDB), Lerner, o candidato da direita, enfrentava um franco favorito Álvaro Dias. Um esquema financeiro forte foi montado pelos empresários Mário Celso Petraglia e Atilano de Oms Sobrinho, da empresa paranaense Indústrias e Construções (INEPAR). Utilizando-se do prestígio nacional e internacional da empresa, e da reconhecida habilidade de Petraglia para construir operações financeiras intrincadas, levantaram um “papagaio” numa off-shore no Uruguai. Assim, com um caixa razoável, começou a campanha vitoriosa.
Petraglia foi uma das personagens centrais da CPI dos Precatórios, operação nascida de dentro do Banestado como incubadora de desvios do Bradesco e de alguns pequenos bancos liquidados pelo Banco Central (BC) no rastro das denúncias dos então senadores Kleinubing (PFL-SC) e Roberto Requião (PMDB-PR). Lerner entregara-lhe o Banestado. Em 1998, Lerner fez um “acordo branco” com Álvaro Dias. Candidato ao Senado, ele não apoiou Requião, adversário de Lerner que, buscando a reeleição, não lançou candidato ao Senado. Em 2002, no segundo turno, contra Requião, Lerner abriu seu voto em favor de Dias. Perderam ambos.
Prévia da Lava Jato
Esse caso praticamente não apareceu na mídia; ficou restrito ao noticiário local. O “caixa dois” não era tão visível como ficou após as farsas do “mensalão” e da Operação Lava Jato, apesar de ser público e notório — inclusive na Petrobrás, conforme relata um documento interno da empresa de 2000, mostrado no livro A mentira das urnas —, como demonstram os relatórios de várias CPIs da década de 1990.
Esse caso praticamente não apareceu na mídia; ficou restrito ao noticiário local. O “caixa dois” não era tão visível como ficou após as farsas do “mensalão” e da Operação Lava Jato, apesar de ser público e notório — inclusive na Petrobrás, conforme relata um documento interno da empresa de 2000, mostrado no livro A mentira das urnas —, como demonstram os relatórios de várias CPIs da década de 1990.
Mas Sérgio Moro já estava atuando nesse meio. Antes da aprovação, em 2013, da lei que regulamentou a “delação premiada” ele se utilizou desse instrumento, em 2004, para reduzir a pena do doleiro Alberto Yousseff no caso envolvendo o empresário e ex-deputado estadual Antônio Celso Garcia, o Toni Garcia (do então PMDB), acusado de crime contra o Sistema Financeiro Nacional com a falência do Consórcio Nacional Garibaldi. Moro foi acusado de agir com arbitrariedade e abuso de autoridade com todos os advogados e de ter concedido imunidade a criminosos com a homologação de acordos de delação.
Ele usou esse instrumento também no caso Banestado, uma espécie de prévia da Operação Lava Jato. Foi ali que os procuradores e policiais aprenderam a usar os acordos de delação e a cooperação com outros países, sobretudo os Estados Unidos. Um deles, Carlos Fernando dos Santos Lima — que ficaria famoso na Lava Jato —, protagonizou, em 2003, uma cena descrita pela revista IstoÉ como um tour de force nos Estados Unidos para que a documentação da quebra de sigilo de várias contas, realizada pelo escritório da Procuradoria Distrital de Manhattan, não viesse à luz. Ele teria na gaveta um dossiê detalhadíssimo sobre o caso Banestado que recebera em 1998 — sua esposa, Vera Lúcia dos Santos Lima, trabalhava no Departamento de Abertura de Contas da filial do Banestado, em Foz do Iguaçu.
Em 2010, a 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou um julgamento só encerrado em 2013 em que foram contestados atos de Moro na Operação Banestado. As contestações foram encaminhadas ao Conselho Nacional de Justiça, onde a apuração foi arquivada. Gilmar Mendes disse, à época, que o caso mostrava um “conjunto de atos abusivos” e “excessos censuráveis” praticados por Moro. “São inaceitáveis os comportamentos em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado, quando contrariado por decisão de instância superior”, escreveu o ministro no acórdão da decisão, que resumiu o debate do julgamento.
Josef Mengele
O juiz federal Fausto Martin De Sanctis também criticou Moro por fazer, segundo ele, acordos de delação em que se fixava de antemão o benefício que o réu receberia. Um caso assim aconteceu com o megadoleiro Hélio Laniado, liberado após permanecer preso por 420 dias com a assinaturade acordo de delação premiada. Esse tipo de acordo já havia beneficiado também doleiros conhecidos pela Lava Jato, como Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, e o próprio Alberto Youssef.
O juiz federal Fausto Martin De Sanctis também criticou Moro por fazer, segundo ele, acordos de delação em que se fixava de antemão o benefício que o réu receberia. Um caso assim aconteceu com o megadoleiro Hélio Laniado, liberado após permanecer preso por 420 dias com a assinaturade acordo de delação premiada. Esse tipo de acordo já havia beneficiado também doleiros conhecidos pela Lava Jato, como Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, e o próprio Alberto Youssef.
Delegados da Polícia Federal (PF) — muitos dos que atuaram na Lava Jato tiveram atuação política-partidária descarada— que conheciam os negócios de Laniado disseram que ele trabalhava para bancos e grandes empresas, segundo uma matéria do jornal Folha de S. Paulo. Laniado foi preso quando desembarcava no aeroporto de Praga, no dia 16 de agosto de 2005, de um voo vindo de Israel. Ele fugira para lá, onde havia obtido cidadania israelense após a Justiça Federal decretar a sua prisão. A Folha informou que foi o serviço secreto de Israel, o Mossad, que informou à Interpol que Laniado estava no avião, segundo dois delegados da PF.
Não se sabe bem por que o Mossad dedurou Laniado — um dos delegados levantou a hipótese de que poderia ser gratidão pelo esforço da PF brasileira em esclarecer o caso de Josef Mengele, o carrasco nazista cuja ossada foi descoberta em 1985 e posteriormente identificada, conforme a matéria. Moro, segundo a Folha, disse que que não podia comentar o caso porque o processo e a decisão de liberar Laniado estavam sob segredo de Justiça.
Luzes da ribalta
Luzes da ribalta
Em 2010, cento e onze brasileiros foram investigados pela PF, acusados de enviar ilegalmente US$ 2,2 bilhões para uma agência do Israel Discount Bank, em Nova York, entre 2000 e 2005. O valor foi apurado pela promotoria de Nova York numa investigação sobre lavagem de dinheiro em decorrência dos casos do Banestado, Merchants Bank e Beacon Hill, todos usados por doleiros brasileiros.
Conforme informações da Folha de S. Paulo, a apuração demorou cinco anos para ouvir os suspeitos. Em 2006, a Justiça brasileira recebeu da promotoria de Nova York informações sobre 221 contas do Israel Discount Bank supostamente de brasileiros. Só em 30 de agosto de 2010 Moro mandou instaurar 111 inquéritos. Não há notícia, na mídia, dos seus resultados. No caso das delações e de depoimentos de muitos investigados na Operação Lava Jato que denunciaram esquemas de “caixa dois” — como o empresário Eike Batista e o “marketeiro do PT” João Santana —, nem inquéritos foram instaurados.
O jornal Público, de Portugal, publicou uma matéria sobre a Lava Jato, em 9 de agosto de 2015, e, às tantas, citou um artigo do então coordenador da Federação Nacional dos Petroleiros, Emanuel Cancella, dizendo que “a esposa do juiz Sérgio Moro, que está à frente da operação Lava Jato, advoga para o PSDB do Paraná e para multinacionais do petróleo”. “A denúncia foi publicada no Wikileaks”, teria dito o sindicalista. A matéria afirma, também, que Deltan Dallagnol, o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, “é um evangélico engajado da Igreja Batista” e “busca as luzes da ribalta”.
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